Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Procurador: “interesses perversos” se uniram contra trabalhador

Marcel Bianchini, procurador chefe do MPT, considera "retrocesso" portaria que limita trabalho de auditores.



 

O procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso, Marcel Bianchini

THAIZA ASSUNÇÃO 
DA REDAÇÃO

O procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso, Marcel Bianchini Trentin, considera um "retrocesso" a portaria do Ministério do Trabalho que altera os critérios de combate ao trabalho escravo.

 

A medida, alvo de críticas de diversas organizações sociais, foi suspensa em caráter liminar (provisório) pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

 

Ele declarou que “interesses perversos” do Governo Federal e de parte da classe política se uniram para determinar as mudanças nas regras do combate ao trabalho escravo.

 

O motivo? Agradar parte dos deputados federais da bancada ruralista para que fosse rejeitada a denúncia contra o presidente Michel Temer (PMDB) pelos crimes de organização criminosa e obstrução de Justiça. 

 

“Negociaram uma das políticas públicas que mais garantem a dignidade da pessoa humana, que é retirar uma pessoa de uma condição de objeto mesmo, de pertencimento, em busca de uma aprovação para não ser julgado",  lamentou Bianchini.

  

Na entrevista, o procurador ainda avaliou a Reforma Trabalhista, a grande quantidade de mortes por acidentes de trabalho em Mato Grosso e outros temas.

 

MidiaNews - Como o senhor enxerga a tentativa do Governo Federal de afrouxar as regras do combate ao trabalho escravo no Brasil?

 

Marcel Bianchini – O Ministério Público do Trabalho recebeu com muita tristeza a portaria do ministro do Trabalho [Ronaldo Nogueira]. É um retrocesso muito grande em relação ao combate do trabalho escravo.

 

Mas, apesar de receber com muita tristeza, a gente já esperava mais investidas contra os direitos sociais, tendo em vista a aprovação da Reforma Trabalhista e a discussão em torno da Reforma da Previdência. O próprio combate ao trabalho análogo à escravidão já tinha sido um pouco prejudicado por causa de cortes orçamentários.

 

Mas, apesar de receber com muita tristeza, a gente já esperava mais investidas contra os direitos sociais, tendo em vista a aprovação da reforma Trabalhista aprovada e a discussão em torno da reforma Previdenciária. O próprio combate ao trabalho análogo à escravidão já tinha sido um pouco prejudicado em relação a cortes orçamentários.

Porém, é claro, a gente nunca espera algo tão grave como foi essa portaria, que acabou mobilizando o País, mídias nacionais, entidades que lutam pelos direitos sociais.

 

A portaria praticamente acaba com o combate ao trabalho escravo por parte do Ministério do Trabalho e Emprego, que conta com o apoio do Ministério Público do Trabalho, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e outros órgãos.

 

Ela [portaria] traz restrições com relação ao resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão, a publicação da lista suja e a concessão de seguro desemprego.

 

Com isso, as instituições que atuam coordenadamente não conseguem se articular.

 

Como a portaria é para um determinado fim, quando fôssemos fazer uma investigação, ajuizar alguma ação civil pública, nós do Ministério Público do Trabalho não nos pautaríamos nela, pois as nossas fundamentações são feitas na Constituição Federal, no Código Penal... E a portaria é hierarquicamente inferior a essa legislação. Mas a articulação das instituições, que é o que a gente tem de mais rico nessa luta contra o trabalho escravo, fica prejudicada.  

 

MidiaNews -  O setor produtivo diz que a portaria é benéfica porque tira a subjetividade do auditor e define parâmetros para diferenciar trabalho análogo à escravidão de trabalho degradante. O que o senhor acha deste conceito?

 

Marcel Bianchini – Tem muita coisa por trás dessas falas. Existe até manifestações por parte de deputados, ministro da Agricultura [Blairo Maggi], que diz que essa portaria era um pleito da bancada ruralista. Mas a gente não vê dessa forma.

 

Apesar de Mato Grosso ser o segundo Estado em quantidade de trabalhadores em condições análogas à escravidão, os setores produtivos - seja na pecuária ou na agricultura - geralmente não se valem dessas condições precárias de trabalho para conseguir produzir.

 

Somente aquelas pessoas que querem se valer dessas condições para ter um grande capital é que trazem essas informações de que com a portaria norma fica mais clara, mais objetiva.

 

Eu concordo: fica mais objetiva mesmo, mas muda completamente o conceito de trabalho de escravo, porque só vai ser considerado trabalho escravo se tiver restrição à liberdade.

 

Por isso, nem tudo que é objetivo é bom, é um avanço social. O mais perigoso disso tudo é que o critério, na verdade, não passa a ser objetivo em contrapartida a um subjetivo. Ele passa a ser político. Porque a decisão antes era técnica. O auditor fiscal do trabalho, servidor público capacitado para isso, faz a análise das condições de trabalho, lavra o auto de infração e pode ser que se caracterize trabalho escravo ou não.

 

A partir do momento que se editou a portaria, esse critério não é mais técnico, ele é totalmente político. Ele é decidido pelo ministro do Trabalho.

 

MidiaNews -  Uma das propostas do decreto é que as autuações só poderão ser feitas mediante registro de boletim de ocorrência. De que forma isso pode prejudicar a fiscalização?

 

Marcel Bianchini – Geralmente das nossas forças-tarefas de combate ao trabalho escravo participam o Ministério do Trabalho e Emprego, a Defensoria Pública da União e também algumas das polícias, pode ser a Civil, a Militar ou a Federal. Então, em regra, por vários motivos, a polícia nos acompanha. Primeiro porque nós estamos investigando um crime. Assim sendo, as condições que você vai encontrar naquelas propriedades são diversas. Tivemos casos no passado de auditores que foram mortos durante uma inspeção de trabalho escravo [em 2004, três auditores e um motorista do Ministério do Trabalho e Emprego foram assassinados em Minas Gerais].

 

Alair Ribeiro/MidiaNews


"A partir do momento que se editou a portaria, esse critério não é mais técnico, ele é totalmente político".

Só que a formação jurídica do policial é diferente da formação dos auditores. É claro que todo servidor público integrante de qualquer uma das nossas polícias tem a sua formação para aquilo que ele vai atuar, mas a caracterização do trabalho escravo não está dentro dessas atribuições do policial. Então pode ser que nós tenhamos ali um caso de um policial que não concorde que uma determinada situação seja trabalho escravo e, dessa forma, não lavre o boletim de ocorrência e a gente tenha uma controvérsia no meio da operação. Por isso, com certeza pode prejudicar.

 

MidiaNews - Uma das queixas de auditores foi a redução nos recursos para fiscalização de trabalho escravo. A Procuradoria tem percebido essa redução, já que as ações passam pelo MPT?

 

Marcel Bianchini – Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, há quatro meses não há operações por conta desse corte orçamentário.

 

O Ministério Público do Trabalho e Emprego aqui no Estado tem servidores lotados em Cuiabá e Rondonópolis. O combate nas demais regiões é feito através de força-tarefa. Pode ser que um procurador do Ministério Público do Trabalho faça ali na região em que atua um grupo com policiais e, dessa forma, realize uma investigação. Mas as investigações para fins de resgate, de emissão de guia de seguro desemprego, inclusão da empresa na lista suja só são feitas pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

 

MidiaNews –  O senhor acredita que o Governo está usando a portaria do trabalho escravo e a falta de efetividade nas forças-tarefas para sobreviver diante de tantas denúncias de corrupção?

 

Marcel Bianchini – Acredito que sim. Pelo o que a gente observa, há muitos interesses empresariais e de algumas bancadas por trás dessas reformas.

 

É uma busca de troca de favores por parte do presidente da República, favores perversos, como é o caso do trabalho escravo, para não ser julgado pelo STF.

 

Negociaram uma das políticas públicas que mais garantem a dignidade da pessoa humana, que é retirar uma pessoa de uma condição de objeto, de pertencimento em busca de uma aprovação para não ser julgado. É muito triste.

 

MidiaNews -  Por que, em pleno século XXI, pessoas ainda acham que podem submeter trabalhadores a condições tão degradantes, como a gente vê em certas regiões de Mato Grosso?

 

Marcel Bianchini – Há várias vertentes para isso. A gente vive num País muito pobre. Há regiões no Brasil em que as pessoas vivem realmente na miséria. Qualquer promessa de melhora que essa pessoa recebe, de ganhar alguma coisa, de poder ajudar a família, ela enfrenta.

 

Alair Ribeiro/MidiaNews


"Qualquer promessa de melhora que essa pessoa tem de ganhar alguma coisa, de poder ajudar a família, ela enfrenta".

Por isso, às vezes, o próprio trabalhador, quando vai trabalhar numa propriedade dessas e é submetido a essas situações degradantes, pode alegar que aquela situação é a mesma em que ele vive na casa dele, que está tudo bem.

 

E outras vezes, a própria cultura daquele que vai empregar não lhe permite ter a consciência social de que essas situações constituem crime. Isso acontece bastante aqui no nosso Estado. Muitos fazendeiros que vieram de outros lugares e construíram sua propriedade aqui não têm conhecimento, consciência social, de que o trabalhador precisa usar equipamentos de segurança para mexer com agrotóxico, por exemplo. Porque ele mesmo não usava quando começou a trabalhar com isso. 

 

Há muitos fazendeiros que falam que dormem com os empregados, comem a mesma comida deles, enfim... Mas qualquer um desses motivos não é desculpa para se valer de trabalho escravo para fomentar a sua economia.

 

MidiaNews - Apesar do trabalho escravo ser mais comum na zona rural, ele existe na urbana também. Em que setores ele mais ocorre e quais são suas características?

 

Marcel Bianchini – Em Mato Grosso, acontece mais na área rural mesmo. Mas em outras capitais há registro de trabalho escravo na indústria têxtil.

 

Isso acontece porque o trabalho no setor têxtil é fácil de se aprender. Às vezes, em 24 horas, você consegue dar toda capacitação que uma pessoa precisa para trabalhar.

 

Em São Paulo, recentemente, foi feita uma força-tarefa onde várias pessoas foram resgatadas. A investigação identificou centenas de pequenas indústrias com diversos trabalhadores nessas condições.

 

O mais grave é que esses produtos eram vendidos em grandes redes.

 

MidiaNews – Na última semana, o programa Fantástico, da Rede Globo, divulgou a lista suja de empregadores que foram atuados por manter funcionários em condições consideradas análogas à escravidão. Em Mato Grosso, aparecem onze empresas. Elas já foram denunciadas?

 

Marcel Bianchini -  Das onze, sete têm ações civis ajuizadas ou inquérito aberto para investigação. Três já firmaram Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e se comprometeram a ajustar essa situação.

 

MidiaNews -  A Reforma Trabalhista do atual Governo foi muito criticada. O senhor também está entre os críticos ou acha que houve ao menos algum avanço em certos pontos?

 

Marcel Bianchini – Acho que na Reforma Trabalhista o grande problema foi a ausência de um real diálogo com as entidades comprometidas com a defesa dos

Eu acho que a Reforma Trabalhista, o grande problema dela foi à ausência de um real diálogo com as entidades comprometidas com a defesa dos direitos sociais.

direitos sociais. Ouviram algumas entidades, mas somente para dar formalidade porque na verdade não mudou absolutamente nada do que foi sugerido. 

 

Estudos feitos pelo Ministério Público do Trabalho em outros países que fizeram a mesma reforma identificaram que não houve o desenvolvimento da economia como o anunciado. É claro que tudo evolui, a sociedade evolui, os direitos evoluem e as normas também devem evoluir.

 

Então, só para esclarecer: o Ministério Público do Trabalho não era contra a reforma, mas contra a forma como ela foi feita. Num momento político extremamente delicado e na maior crise política da História do Brasil.

 

Pois quando você está numa crise política e econômica e precariza direitos, você vai contra o objetivo da República de reduzir a desigualdade social.

 

Cerca de 60 artigos dos mais de 200 que compõem a reforma são precarizantes, como, por exemplo, a pejotização, quando a empresa chama um profissional para ser seu funcionário, mas não o contrata com carteira assinada. Em vez disso, essa pessoa cria um CNPJ em seu nome e passa a trabalhar como se fosse outra empresa.

 

MidiaNews -  Muito do que foi aprovado entra em vigor agora em novembro. Mas ainda há muita dúvida a respeito do assunto. O que já está valendo e o que passa a valer a partir de agora?

 

Marcel Bianchini – Na verdade nós não sabemos, nessa instabilidade política, o que pode acontecer amanhã.  Até lá, existe ainda muita discussão para modificar, flexibilizar alguns artigos. Estamos diante de uma instabilidade jurídica e política muito grande. Eu não consigo dizer qualquer coisa que pode acontecer amanhã, porque a cada dia a gente é surpreendido com uma nova medida, com uma nova etapa dessa investida contra os direitos sociais.

 

MidiaNews - A JBS é uma empresa com diversas plantas em Mato Grosso e que está passando por uma grave crise em razão da prisão de seus diretores.  O Ministério Público do Trabalho está acompanhando a situação destes frigoríficos no que diz respeito ao risco de demissões?

 

Marcel Bianchini – Sim, o Ministério Público tem acompanhado. Inclusive, participamos nessa semana em São Paulo de uma audiência pública com a JBS por conta dessa questão das demissões em massa. Nós somos 16 procuradores do Trabalho aqui no Estado e cada um, dentro da sua banca, possui alguma atividade de investigação com relação à JBS. São muitos os inquéritos que nós temos aqui.

 

MidiaNews - A propósito, a JBS chegou a ser campeã em acidentes de trabalho em Mato Grosso. A empresa não tem compromisso com o trabalhador?

 

Alair Ribeiro/MidiaNews


"Existe uma falta de consciência social também para acidentes de trabalho"

Marcel Bianchini – Sim. É uma empresa que na verdade, aqui no Estado, comprou diversos frigoríficos que eram pequenos. Então não são plantas construídas conforme a norma regulamentar, com todos aqueles requisitos de proteção coletiva. São várias as irregularidades, trabalhamos com problema de vazamento de amônia, não pagamento de insalubridade, enfim...

 

MidiaNews – Há muitas multas por danos morais coletivos contra a JBS. A empresa prefere pagar as multas do que resolver os problemas?

 

Marcel Bianchini – Eu não sei dizer esse modus operandi da empresa. O que a gente sabe é que essas multas por danos morais coletivos são diferentes daquelas multas do Ministério do Trabalho e Emprego, que em cada irregularidade lavra um auto de infração. O Ministério Público do Trabalho, quando pede essa multa por dano moral coletivo, é porque existe uma violação a um círculo de valores coletivamente considerados. Nunca é por uma irregularidade só. É pelo todo. É uma empresa que agora está em uma crise econômica, mas até então é uma das maiores empresas que nós temos no País, tanto que está envolvida em nossa política. Isso é muito grave. 

 

MidiaNews - Ampliando a pergunta: o setor frigorífico é o mais problemático em Mato Grosso no que diz respeito a acidentes de trabalho?

 

Marcel Bianchini – Quem tem esses dados é o Ministério do Trabalho e Emprego. Mas, pelo o que chega para a gente, é um setor que tem bastante acidente de trabalho. Só não sei dizer se é o maior.

 

MidiaNews - Em 2016, houve nada menos que 118 mortos por acidente de trabalho em Mato Grosso. Por que tanta gente morre trabalhando no Estado?

 

Marcel Bianchini – Existe uma falta de consciência social também para acidentes de trabalho. E essa consciência parte do empregador e também do empregado. Mas quando você exerce uma atividade, a responsabilidade de fornecer a condição para que aquele trabalhador tenha essa consciência social é do empregador.  

 

No exercício de cada atividade que ele faz, ele precisa se adequar a todo programa de segurança da empresa.  Mas a grande maioria desses acidentes acontece por falta desse programa e por ausência de implementação do programa. Porque, muitas vezes, a empresa tem o programa, mas não é implementado. É um copia e cola de outra empresa, que não muda sequer o nome. E é por conta desses despreparo que esses acidentes acontecem. 

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