Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Professora aposentada, Rosemary de Morais cobra seus direitos como filha reconhecida do ex-vice-presidente José Alencar

Há mais de quinze anos, ela briga na Justiça para provar que também é herdeira do político mineiro

Gustavo Andrade/Odin


Rosemary na Praça Cesário Alvim, no centro de Caratinga: ”Seria hipocrisia dizer que não estou interessada em dinheiro”

O camponês Antônio Mattoli já era um homem de meia-idade quando lhe foi revelado o nome de sua verdadeira mãe. Filho da empresária Bete Gouveia, ele era herdeiro de uma imensa fábrica de bicicletas. Como o personagem interpretado pelo ator Tony Ramos em Passione, folhetim exibido pela Rede Globo em 2010, a professora Rosemary de Morais tinha 43 anos quando recebeu a notícia de que não era filha do atendente de farmácia Magmar Neves, e sim de José Alencar Gomes da Silva, dono de uma das maiores indústrias têxteis do país. O ano era 1998 e o empresário mineiro tentava entrar para a política, disputando uma vaga no Senado. Durante um comício eleitoral em Caratinga, a 315 quilômetros de Belo Horizonte, Rosemary não perdeu a chance de se apresentar: “Eu sou sua suposta filha”. E assim começou uma novela da vida real que se arrasta há mais de quinze anos - treze deles em disputas judiciais. No último dia 27, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) confirmou uma sentença de 1ª instância, reconhecendo José Alencar como o pai de Rosemary. A família do ex-vice-presidente da República - que morreu em 2011, vítima de câncer - pretende apelar ao Superior Tribunal de Justiça contra a decisão.

“Seria hipocrisia dizer que não estou interessada em dinheiro”, diz a professora, hoje com 58 anos, que é conhecida simplesmente como Rose em Caratinga, a cidade onde nasceu e passou toda a vida. “Mas não quero ser milionária como meus irmãos. Eu só quero uma parte que me permita viver com mais conforto.” À Justiça Eleitoral, em 2006, quando disputou a reeleição como vice-presidente, José Alencar declarou um patrimônio pessoal de 12,5 milhões de reais. No entanto, sua fortuna pode ser muito maior. Só a Coteminas - a indústria de tecidos fundada por ele em 1967, dona de marcas como Santista, Artex e M. Martan e hoje comandada por seu filho caçula, Josué Gomes da Silva - tem um valor de mercado atual de mais de 270 milhões de reais. É pouco, perto dos 2 bilhões de reais que chegou a valer em 2006, mas uma dinheirama gigantesca para os parâmetros de Rose. Aposentada em 2001, depois de 25 anos de trabalho em escolas públicas de ensino fundamental, ela leva uma vida modesta ao lado do único filho, Gladston, de 29 anos. Com o aluguel do apartamento de dois quartos e o plano de saúde, gasta quase dois terços da renda líquida de pouco mais de 1 500 reais mensais. Cozinheira de mã­o-cheia e famosa por suas tábuas de frios, faz bicos em festas para ganhar um extra. “Se tenho direito, é justo que eu queira receber alguma coisa.”


"Para mim, o José alencar foi uma decepção. Nunca votei nele"


Essa trama começou a ser desenhada em 1954, quando Francisca Nicolina de Morais conheceu José Alencar. Ela, então com 26 anos, morava na zona boêmia de Caratinga e era o que se chamava de “mulher de vida fácil”. Ele, aos 20, já era dono de um pequeno comércio, o primeiro de seus empreendimentos. Fascinado pela beleza da moça, o rapaz passou a frequentar com regularidade a casa de Francisca, que acabou engravidando. Segundo a versão dela - que morreu em 2009, também vítima de câncer -, Alencar estava noivo de Mariza (com quem ficou casado até a morte e teve três filhos) quando recebeu a notícia da gravidez. Ele nem quis saber do assunto. Apaixonado pela morena, Magmar Neves, um jovem de 19 anos, se ofereceu para assumir a criança. Disse aos próprios pais, Maria e Manuel, que o bebê esperado por Francisca era dele e que pretendiam se casar. Para evitar que o filho estragasse seu futuro unindo-se à moça de má fama, o casal garantiu criar a neta caso ele desistisse do matrimônio. E a menina Rosemary foi parar na casa dos “avós”, onde viveu até a juventude, apesar de Neves - para desgosto dos pais  - não ter abandonado Francisca, com quem, mais tarde, teve outros filhos e se casou.

“Apenas após a morte da avó Maria minha mãe resolveu contar a verdade”, lembra Rose. A professora só acreditou depois de ouvir a confirmação da boca do próprio atendente de farmácia que acreditava ser seu pai e de um amigo da família, que acompanhara todos esses acontecimentos na década de 50. Antes de recorrer à Justiça, em 2001 (veja detalhes do processo no quadro ao lado), Rose tentou várias vezes marcar um encontro com José Alencar. Em 1998, quando se apresentou, ele disse que estava à sua disposição e um assessor ficou de procurá-la para agendar o compromisso, o que nunca ocorreu. Depois de alguns telefonemas dela, o tal assessor acabou admitindo que o empresário não pretendia recebê-la. Em 2002, durante outro comício eleitoral em Caratinga, como candidato a vice-presidente na chapa de Lula, ela rompeu o cerco dos seguranças e, chorando, pediu para conversar. Mais uma vez, um assistente a afastou. “Sei que ele foi um homem muito inteligente, um visionário, que se dizia íntegro, mas, para mim, o José Alencar foi uma decepção”, afirma Rose, que nunca votou nele.

O ex-vice-presidente se recusou a fazer o teste de DNA determinado pela Justiça em 2008, durante a fase de apresentação das provas. Em uma entrevista a Jô Soares, afirmou que não via indícios para o pedido do exame. “Se todo mundo que foi à zona um dia tiver de fazer... são milhões”, declarou. Juiz da comarca de Caratinga, José Antônio Cordeiro deferiu, em 2010, sentença favorável a Rosemary por presunção de paternidade, amparado em lei sancionada um ano antes sobre casos em que o suposto pai se recusa a fazer o exame. José Alencar levou o caso ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que só agora deu seu parecer. Desde que a notícia começou a ser divulgada pela imprensa, Rose virou pop star no município de 85 000 habitantes. Não consegue andar pela cidade sem ser parada pelos conterrâneos. Bem-humorada e faladeira, ela conversa com todos. “Eu já era popular antes, muitos que moram aqui foram meus alunos”, diz. “Mas o José Alencar só ficou conhecido em Caratinga por minha causa”, brinca.


"Se tenho direito, é justo que queira receber alguma coisa"


Na casa dela, o telefone não para de tocar. “Até parente que eu achava que estivesse morto apareceu”, afirma o filho, Gladston, que é vendedor em uma loja de bicicletas. “Se ela for ajudar todo mundo que está pedindo, vai sair devendo.” O rapaz diz que vive sem pensar na possível herança. Seus amigos têm consciência de que ele não gosta de falar do assunto e de que fica chateado com comentários maldosos sobre Rose. “Quem conhece minha mãe sabe que ela não é uma oportunista.” Em sua defesa, Rose lembra que nunca quis afrontar o vice-presidente, sua mulher ou seus filhos. Quando ele morreu, chegou a separar uma roupa para ir ao velório no Palácio da Liberdade, mas desistiu na última hora para não dar a impressão de que buscava holofotes. “O que eu queria mesmo era o exame, para que tivéssemos, eu e ele, certeza da paternidade”, afirma. “Agora, o que desejo é um acordo amigável.” De quanto? “Não sei dizer, eles é que precisam fazer uma proposta”, responde. Seu sonho é ter uma casa bonita e bem mobiliada onde morar e outras para alugar e fazer renda. “Se eu receber algum dinheiro, vou ajudar pessoas que já me auxiliaram muito e criar um abrigo para animais abandonados. Morro de pena deles.”


Gustavo Andrade/Odin


As filhas Patrícia e Maria da Graça; a mulher, Mariza; José Alencar; e o filho, Josué (da esq. para a dir., assinalados), com cônjuges, netos e bisnetos: comemoração dos 79 anos do vice-presidente, em Brasília


Advogado da família do ex-vice-presidente, José Diogo Bastos Neto diz que um acordo entre as partes é “difícil”. Ele tem até o dia 24 para impetrar o recurso no STJ e pretende insistir na tese de que a sentença foi contra as provas dos autos. “Não havia sequer indícios dessa paternidade”, alega. Já o defensor de Rose, o advogado Geraldo Jordan de Souza Júnior, está otimista quanto às chances dela em Brasília. “Se o STJ derrubar a decisão, vai julgar contra todo o Brasil.” A vitória da professora mineira não é a única baseada na presunção de paternidade. “Eu achava que histórias assim só aconteciam em novela”, desabafa a mineira. No último capítulo dessa trama, Rose espera, como nos folhetins da televisão, encontrar um final feliz.


Treze anos de disputa


2001
Três anos depois de procurar José Alencar Gomes da Silva pela primeira vez, Rosemary de Morais entra com a ação de investigação de paternidade contra ele, na comarca de Caratinga. O processo corre em segredo de Justiça, por se tratar de questão familiar.

2008
Durante a fase de apresentação das provas, a Justiça determina a realização do teste de DNA. O então vice-presidente da República se nega a ceder material genético para o exame e não comparece ao laboratório na data marcada para a coleta.

2010
O juiz da comarca de Caratinga, José Antônio Cordeiro, reconhece a paternidade por presunção e determina que o nome de José Alencar e o de seus pais sejam incluídos na certidão de nascimento de Rosemary. Ele recorre ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

2014
A 4ª Câmara Cível do TJMG mantém o entendimento da 1ª instância e reconhece a professora Rosemary de Morais como filha do ex-vice-presidente da República. A família do político, morto em 2011, promete recorrer ao Superior Tribunal de Justiça.

http://vejabh.abril.com.br/edicoes/professora-aposentada-rosemary-m...

por Ivana Moreira

Exibições: 144

Comentar

Você precisa ser um membro de Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI para adicionar comentários!

Entrar em Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

© 2024   Criado por Textile Industry.   Ativado por

Badges  |  Relatar um incidente  |  Termos de serviço