Setor de Tecnologia vive paradoxo da saúde mental

Mesmo criando diversas ferramentas para auxiliar na saúde mental, área ainda alcança os níveis mais altos de burnout.

Da direita para a esquerda, Daniela Santos, diretora de RH da Simpress; Rafael Sanchez, fundador e CEO da EV Digital; (Imagens: divulgação)

Cansaço físico e mental constantes, irritabilidade, distanciamento emocional, falta de motivação para projetos e até problemas de saúde. Estes são alguns dos sintomas que podem indicar um burnout, síndrome caracterizada pelo esgotamento físico e emocional. No Brasil, cerca de 30% das pessoas ocupadas sofrem com a síndrome de burnout, conforme dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt).

O País ocupa a segunda posição no ranking mundial de casos e uma pesquisa recente realizada pela Telavita revela que os profissionais de TI são os mais afetados. Segundo a análise, 42,5% dos trabalhadores da área apresentam burnout completo, que representa um quadro consolidado. Outros 38,1% relatam sintomas claros de esgotamento. Além disso, mais da metade dos jovens de 18 a 25 anos (51,94%) já inicia a carreira em estado de esgotamento.

No entanto, se é ali que está a maioria dos casos, é também dali que saem muitas soluções. Trabalhando com lideranças e saúde mental há mais de 20 anos, Rafael Sanchez, fundador e CEO da EV Digital, começou a perceber uma necessidade maior por ferramentas que auxiliassem na intermediação e mapeamento de conflitos nas empresas.

Mesmo que o volume de trabalho seja um dos motivadores do burnout, o CEO afirma que o esgotamento vai muito além disso. “Somos pessoas integrais e o trabalho é um ambiente social. Há pessoas com problemas com os colegas, ou com a liderança. Tem também aquilo que nós trazemos de casa: os problemas familiares, financeiros, entre muitas outras coisas.”

E foi olhando para essa gama de problemas e o aumento no uso da inteligência artificial (IA), que surgiu a EmpatIA, sistema de IA que auxilia na saúde mental dos colaboradores. Treinada a partir de conceitos da Terapia Cognitivo-Comportamental (TGC) e a comunicação não violenta (CNV), a ferramenta ajuda o funcionário na desconstrução de certezas, aliviando a primeira carga emocional após um conflito e analisando caso ele precise de uma ajuda mais especializada.

“Pesquisas mostram que as pessoas estão usando ferramentas como o ChatGPT para fazer terapia. A questão é que o GPT é extremamente genérico, então o que fizemo foi treinar um LLM, refinar, para que ele realmente pudessem auxiliar em um momento de crise”, conta Sanchez. Especialistas alertam, no entanto, que apesar do uso do ChatGPT para esses fins, é preciso cuidado, pois ele não substitui o trabalho do psicólogo.

Lançada em maio deste ano, a ferramenta também se propõe a auxiliar as empresas a cumprirem as normas da NR-1 que, a partir de maio de 2026, obrigará as empresas a terem um Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), com avaliações contínuas dos riscos de saúde mental e estabelecimento de estratégias para prevenir situações de assédio e violência no trabalho.

Após contínuas conversas com os funcionários, por meio da anonimização, a tecnologia consegue analisar se um colaborador precisa de uma ajuda extra e mapear os principais motivos que prejudicam a saúde mental na organização. O relatório não só fornece as informações que precisarão ser declaradas ao governo, como também dá uma visão mais abrangente do que está acontecendo para que uma estratégia de auxílio aos trabalhadores possa ser traçada.

Apesar do segundo intuito, Sanchez conta que desde que a tecnologia foi lançada, a aderência foi maior quando a multa por descumprimento da NR-1 ainda estava programada para maio deste ano. “Temos clientes preocupados, se antecipando ao que o colaborador precisa, mas não é a maioria. E sabemos que muitos vão procurar uma solução quando estivermos perto de maio do ano que vem”, lamenta.

Promovendo a saúde integral

Muito antes das regulações da NR-1 surgir, a Simpress já havia traçado uma estratégia para amparar seus colaboradores em sua saúde mental. Daniela Santos, diretora de RH da empresa, conta que a necessidade do plano para acompanhar os colaboradores veio com a pandemia. “Ali em 2022 nós já criamos o nosso programa, porque eu acho que a pandemia trouxe à luz o tema né?! Mas nós logo entendemos que precisaríamos ir além da saúde mental”

Estruturado em três partes, o programa da companhia abrange, além do apoio psicológico aos funcionários, suporte para a saúde física e financeira. Esta última estando entre as que mais têm atingido os profissionais, segundo Daniela.

“Percebemos que a questão financeira tem, de alguma forma, contribuído muito para aspectos emocionais. Na verdade, a falta de organização financeira, junto com o aumento no número de apostas, é, sem dúvida, um grande desafio. É uma questão geral, social, mas nós somos um retrato da sociedade. Está vindo para as empresas.”

A solução encontrada é promover trilhas de aprendizagem gratuitas sobre educação financeira, além de um calendário anual com eventos para falar sobre saúde financeira. Buscado captar ainda mais os profissionais mais jovens, este ano a Simpress contratou um casal de influenciadores para falar sobre o cuidado com a dinheiro e a relação com as apostas. “Decidimos fazer esse investimento porque sabemos que a forma de se comunicar importa nessas horas.”

Já do lado da saúde emocional, a organização oferece assistência médica para quadros psiquiátricos e psicológicos, tanto de forma ambulatorial em caso de emergência quanto em um acompanhamento, por meio de terceiros. E, para manter o ambiente saudável, e perceber possível sinais de burnout, depressão ou ansiedade, a saúde mental se tornou uma pauta fixa no programa de desenvolvimento da liderança.

“O conteúdo do treinamento fica disponível para todos, porque entendemos que todo mundo é responsável por criar e cultivar um ambiente de trabalho mais inclusivo, mas para os líderes é obrigatório.”

No último ano, a Simpress viu crescer em 69% o número de funcionários pedindo por auxílio psicológico. Apesar do susto em um primeiro momento, hoje Daniela vê o dado como um resultado positivo. “Acredito que é em razão de todo esse movimento que geramos. E das pessoas entenderem esse ambiente como psicologicamente seguro para poder levantar a mão e dizer ‘Eu tô precisando de ajuda'”.

Author Photo

Exibições: 15

Comentar

Você precisa ser um membro de Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI para adicionar comentários!

Entrar em Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

© 2025   Criado por Textile Industry.   Ativado por

Badges  |  Relatar um incidente  |  Termos de serviço