Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Sustentabilidade: entre retrocessos e promessas, o que o futuro reserva nas empresas?

Crises econômicas e polarização desafiam promessas ESG, enquanto inovação surge como motor para o futuro verde.

Sandro Paulino, diretor do Centro de Pesquisas Itaqui, e Fabro Steibel, diretor-executivo do ITS Rio. Foto. Divulgação

Até pouco tempo, a sustentabilidade era o mantra corporativo. Líderes prometiam revolucionar seus negócios com práticas ESG (ambientais, sociais e de governança) que uniam propósito e lucro. Mas agora, em meio a crises econômicas, mudanças políticas e uma cultura global cada vez mais polarizada, uma pergunta desconfortável ecoa: será que a sustentabilidade está à beira da extinção?

“Sustentabilidade não é custo, é motor de inovação”

Sandro Paulino, diretor-executivo da Carbono Florestal – Pesquisa e Conservação e diretor do Centro de Pesquisas Itaqui, encara o cenário com um misto de otimismo e preocupação. “O principal desafio é promover uma visão de longo prazo que mostre que sustentabilidade não é um custo, mas um motor de inovação e competitividade”, afirma. Ele destaca que muitas empresas ainda veem a sustentabilidade como despesa adicional, e não como estratégia transformadora.

Para ele, superar esse paradigma requer uma abordagem tripla. “Primeiro, é preciso investir na capacitação e conscientização de lideranças e equipes, conectando a agenda ESG aos resultados financeiros e aos objetivos estratégicos. Isso significa demonstrar, com dados e cases, que práticas sustentáveis podem reduzir riscos, otimizar operações e abrir portas para novos mercados”, detalha.

Segundo, prossegue, é essencial engajar a alta liderança para que a sustentabilidade seja incorporada como um pilar central do negócio, e não apenas uma iniciativa paralela. Empresas que integram ESG à sua estratégia de forma genuína conseguem construir resiliência e se destacar mesmo em cenários desafiadores.

Por fim, deve-se criar parcerias público-privadas e promover a colaboração entre setores. “O sucesso da transição para uma economia mais verde e inclusiva exige a união de esforços, alinhando políticas públicas, inovação tecnológica e modelos de negócios que valorizem o capital natural. A cultura de sustentabilidade só se consolida quando há um esforço coletivo que conecta o propósito ao resultado.”

Paulino reitera que o retrocesso é um risco real quando a sustentabilidade não está profundamente enraizada na cultura corporativa. “Já vimos fundos de investimento abandonarem a agenda ESG em prol de retornos financeiros imediatos. No setor de energia, trocas de liderança resultaram no abandono de energias renováveis e no retorno ao petróleo. Sem uma governança sólida, esses retrocessos são inevitáveis”, alerta.

Política, polarização e um novo ESG?

Nos Estados Unidos, a sustentabilidade se tornou alvo de batalhas culturais. Após seu retorno ao poder dos EUA, Donald Trump retirou o país do Acordo de Paris e grandes bancos norte-americanos, como Bank of America, Citigroup, Goldman Sachs e Wells Fargo, anunciaram que estão deixando a aliança climática do mundo para bancos.

Por outro lado, empresas brasileiras reafirmaram seu compromisso com a agenda. A Natura foi uma delas. Nesta semana, a empresa apontou que revisitou suas metas e assumiu compromissos ainda mais ambiciosos a serem alcançados até 2030.

Para a Natura, a conservação da natureza, a defesa dos direitos humanos e a valorização da diversidade vão além de simples metas: são pilares fundamentais para garantir a longevidade de seus negócios. “Com o agravamento da crise climática e das injustiças sociais, é imprescindível agirmos de maneira conjunta e consistente.” A empresa destaca que os complexos desafios sociais e ambientais atuais não podem ser resolvidos apenas por governos ou organismos multilaterais.

Fabro Steibel, diretor-executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio – ITS Rio, chama a atenção para a “politização do ESG”. “Há 15 anos, diversidade e sustentabilidade eram agendas corporativas com apoio quase unânime. Hoje, tornaram-se bandeiras polarizadas. Nos EUA, empresas têm revisado suas políticas de diversidade por medo de processos judiciais ou boicotes, movidos por ativistas conservadores”, explica.

Steibel também observa uma reorganização interna das empresas. “O que estamos vendo é uma diminuição de recursos e de prioridade. Não é o fim do ESG, mas ele está sendo transformado, às vezes para pior”, diz.

Fragilidade?

A ausência de políticas públicas claras e incentivos fiscais no Brasil agrava o problema. “Relatórios de sustentabilidade são um pesadelo para pequenas e médias empresas. A taxonomia europeia, por exemplo, é um modelo excelente, mas difícil de aplicar no nosso contexto. Sem simplificar a legislação, o ESG vai continuar restrito a grandes corporações”, argumenta Steibel.

Mesmo as empresas que adotaram práticas sustentáveis de forma genuína enfrentam dificuldades em provar seu valor. “As organizações verdes têm mais chances de atrair talentos e reduzir custos, mas aquelas que não são percebidas como sustentáveis não veem o mesmo retorno do consumidor. Isso desmotiva novos investimentos”, completa.

Fase de resistência

Ainda assim, especialistas rejeitam a ideia de que a sustentabilidade está condenada. Para Paulino, a sustentabilidade está entrando em uma nova etapa. “Estamos em uma fase de resistência. O ESG precisa se consolidar como um ativo estratégico e inegociável. Isso só será possível com metas claras, governança robusta e a integração da sustentabilidade à estratégia central das empresas.”

Steibel reforça que as práticas só sobreviverão se forem mensuráveis. “Não podemos depender apenas de narrativas. É essencial mostrar resultados tangíveis: redução de custos, novos mercados, engajamento de talentos. Sem dados concretos, o ESG corre o risco de se esvaziar.”

Inovação como resgate do ESG

Apesar do cenário desafiador, cases positivos inspiram uma possível reinvenção da sustentabilidade. Empresas do setor de bens de consumo têm desenvolvido produtos sustentáveis que combinam redução de custos com fidelização de clientes. Um exemplo citado por Paulino é o de detergentes concentrados que economizam água e energia, tanto na produção quanto no uso.

Na agricultura, soluções de precisão com inteligência artificial (IA) otimizam recursos como água e fertilizantes, aumentando a produtividade e reduzindo o impacto ambiental. “São exemplos de como inovação e sustentabilidade caminham juntas, criando valor para empresas, comunidades e o planeta”, comenta Paulino.

O que o futuro reserva para a sustentabilidade?

Os sinais de alerta estão por toda parte. Empresas icônicas estão diluindo suas agendas ESG, reduzindo recursos e priorizando resultados de curto prazo. Ao mesmo tempo, lideranças como Sandro Paulino e Fabro Steibel apontam caminhos para que a sustentabilidade deixe de ser uma promessa frágil e se torne um pilar inabalável.

“Estamos em uma encruzilhada”, reflete Paulino. “Podemos permitir que crises econômicas e disputas políticas destruam tudo o que foi construído ou podemos usar esses desafios como alavancas para consolidar o ESG como estratégia indispensável.”

A pergunta que fica é: até onde as empresas estão dispostas a ir para garantir que sustentabilidade não seja apenas um discurso, mas uma prática que transforma negócios, pessoas e o planeta? Afinal, como provoca Steibel, “a sustentabilidade é financeiramente viável e essencial para o futuro. A questão é: queremos investir ou vamos lamentar o que perdemos?”

Author Photo

Exibições: 15

Comentar

Você precisa ser um membro de Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI para adicionar comentários!

Entrar em Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

© 2025   Criado por Textile Industry.   Ativado por

Badges  |  Relatar um incidente  |  Termos de serviço