Gesto de protesto de Eminem no Super Bowl mostra que, ao buscar uma suposta neutralidade política, quase sempre as marcas caem em armadilhas.
Neste domingo, a Pepsi apresentou durante o Super Bowl uma ação de marca surpreendente — e cara — que gerou comoção pela proposta e pela linguagem. Ao reunir os maiores nomes do rap e hip hop estadunidense — de Kendrick Lamar a Mary J. Blige, passando por 50 Cent — se propôs a uma conexão histórica com a cultura negra do país ao abraçar os códigos estéticos e a postura ética presente nas letras e expressões artísticas da comunidade afroamericana.
Durante os ensaios, o único rapper branco a compor a cena, Eminem, propôs um momento da performance em que se ajoelha, remetendo ao gesto do jogador Colin Kaepernick. Em 2016, o quarterback se ajoelhou durante o hino nacional, como forma de protesto à incessante violência policial contra a comunidade negra, o que gerou um movimento de luta por direitos civis, mas também sua perseguição política e demissão. Neste ano, antes da apresentação, a National Football League supostamente proibiu o gesto e advertiu Eminem.
Acontece que o rap não se despolitiza nem se domestica. O rap não pode ser só entretenimento, ele é, em primeiro lugar, crítica ao status quo. Ao se ajoelhar, Eminem assumiu seu lugar de aliado à luta antirracista e fez o ponto necessário para disparar a crítica social. Imediatamente, a NFL soltou um comunicado dizendo que o gesto já estava sendo esperado e que não o havia proibido, numa urgente necessidade de posicionamento para evitar uma crise. Parte da imprensa americana acusa o artista de desrespeitar a instituição, enquanto outros veículos apontam pela necessidade e urgência do debate proposto pelo gesto do rapper.
Esta história nos mostra que, ao buscar uma suposta neutralidade política, quase sempre as marcas caem em armadilhas e se vêem obrigadas a assumir determinadas posturas (mapeadas ou não) tardiamente. Se interessam pelos números e engajamento das conversas de grupos minorizados, mas se recusam a participar delas e, pior, serem parte da mudança. AQUI, UM AVISO IMPORTANTE: Não entendamos que assumir uma posição política é se associar a algum partido ou figura pública (vide Luciano Hang). Posicionar-se politicamente significa entender a profundidade dos temas tratados e escolher o lugar apropriado para a marca ocupar na conversa. Algumas vezes como protagonista, outras como facilitadoras das conversas e das ações, outras apenas como plataforma para destacar quem tem propriedade de fato para falar.
O debate público do Brasil se encontra em um dos momentos mais polarizados de sua história e não existe mais lugar seguro ou de conforto na comunicação. Marcar posição política não pode ser tratado como “levantar bandeira”, mas sim uma questão de se manter vibrante e relevante.
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