Empresários brasileiros que trabalham com a China, hoje sediados em Portugal, estão atônitos. “Trocaremos o superávit comercial de US$ 20 bilhões com a China pelo de US$ 2 bilhões com os Estados Unidos (em 2017, a China comprou US$ 50,2 bilhões e vendeu US$ 27,9 bilhões, e os EUA US$ 26,9 bilhões e US$ 24,8 bilhões)?” E mais: “Como ficará o Agro brasileiro, se realmente houver alteração radical nas relações Brasil-China a partir de 2019? Tudo o que foi estruturado pelo setor, nos últimos quase 20 anos, será redirecionado para onde?”, fizeram-me essas perguntas, há poucos dias, e eu não soube responder. Talvez não haja resposta, por enquanto. Não sem sabermos o que realmente ocorrerá a partir de janeiro de 2019. O que sei é que não somos páreo para concorrer com os Estados Unidos em exportação de alimentos, enquanto transportarmos grãos, carnes, lácteos e frutas em caminhões por até três mil quilômetros, e eles subsidiarem as suas exportações do Agro como sempre fizeram.
As pessoas estão estupefatas com a possibilidade aventada do Brasil “jogar fora” o seu maior parceiro comercial, maior comprador de produtos agropecuários e um dos maiores investidores no país. Até 2030 será o maior mercado consumidor do mundo. Para o Agro brasileiro, a China pode ser muito mais do que o seu maior comprador: ela pode ser o fator decisivo para a mudança estrutural que permitirá ao Brasil se tornar mais competitivo no mercado internacional. A China pode financiar e construir pelo menos 30 mil quilômetros de ferrovias no Brasil até 2030, dobrando a malha operacional e viabilizando finalmente a saída pelo Pacífico. Apenas a título de comparação, quando os dois países estabeleceram relações diplomáticas, em 1974, no governo do general Geisel, a China tinha menos de 50 mil quilômetros de ferrovias, e o Brasil os mesmos 30 mil quilômetros atuais. Hoje, a China se aproxima de 150 mil quilômetros, dos quais 20 mil quilômetros de alta velocidade.
Essa é a questão central do Brasil, às vésperas de 2030, na relação com o mundo: temos de expandir de verdade a malha ferroviária, no mínimo dobrá-la, para reduzir os custos que oneram os produtos exportados e nos roubam competitividade nos preços. A matriz de transporte brasileira é anacrônica, e a malha ferroviária é incomparável sob quaisquer critérios: área atendida, tonelagem transportada, custos e tempo. Apesar da demanda gigantesca, não há previsão de recursos para construção de ferrovias no Brasil – os planos plurianuais (PPA) dos governos só reservam recursos para rodovias...
A população chinesa deverá se estabilizar até 2030, mas a da Ásia continuará crescendo – Índia e Indonésia à frente, com quase dois bilhões de habitantes. O que significa dizer que as demandas da Ásia de alimentos, matérias-primas agrícolas e florestais e energia, sempre aumentarão nos próximos anos. Poder exportar para a Ásia diretamente pelo Pacífico reduzirá além do custo também o tempo do transporte marítimo.
Há a possibilidade de desastre para o Agro brasileiro em 2019, assim como há também a de “fazer desse limão uma limonada”, ou, na lógica chinesa para a palavra crise, driblar os riscos da situação e aproveitar as oportunidades que ela oferece, via articulação com outros setores da economia nacional (indústria, mineração, transportes e construção pesada) que poderão ser afetados negativamente com a situação – ou beneficiados, se souberem agir. Essa articulação poderá obter com a China os recursos necessários para o investimento na construção das ferrovias necessárias ao desenvolvimento econômico do interior dos estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, incluindo as regiões do oeste baiano e sul do Maranhão e Piauí. A produção de suínos, aves e gado de leite da região Sul receber milho transportado do Centro-Oeste em trens, ao invés dos custosos caminhões, reduzirá em mais de 20% o custo da ração. Os produtos das agroindústrias do Oeste catarinense, por exemplo, se transportados em trens até o porto de Itajaí, terão preços competitivos para vender para a China e demais países da Ásia.
Por Milton Pomar
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