Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Veteranos mantêm viva a tradição dos sapatos feitos sob medida

Em São Paulo, apesar do avanço das grandes marcas e do "fast fashion", ainda é possível encomendar um par de sapatos feito à mão. Porém, a tarefa exige uma dose de paciência bem à moda antiga.

Geralmente a negociação começa com uma conversa cordial antes de o mestre sapateiro apresentar alguns exemplares, que são variações de clássicos ingleses e italianos. Logo em seguida o sapateiro tira medidas, faz anotações e estuda como conferir elegância aos pés, corrigindo imperfeições, alongando e, às vezes, até usando truques para elevar a altura e a autoestima de alguns clientes com saltos embutidos na estrutura do calçado. Por fim, ainda é preciso definir o material entre cortes de couro franceses ou italianos. Entre 20 e 30 dias depois, o sapato está pronto.

Mario da Costa Carneiro e Renzo Nalon são decanos dessa atividade que teve seus dias de glória no século passado, antes da expansão da indústria calçadista no interior do Estado. Visitá-los é como viajar na história de uma São Paulo aristocrática, contada por meio de velhas formas de madeira, desenhos em folhas amareladas e fotos em preto e branco.

Nascido em Portugal, Carneiro chegou ao Brasil aos 21 anos e criou a sapataria Carneiro, no centro da capital paulista. Pouco tempo depois recebeu um convite de Gino Busso para gerenciar sua pequena fábrica que já existia desde 1915. Com o tempo, Carneiro assumiu a direção da casa e, por fim, após a morte do fundador, fez um acordo com a família e assumiu o negócio.

Reconhecido como um dos melhores artesãos do ramo, Carneiro, de 83 anos, é pragmático. Perguntado sobre quem são seus clientes, ele resume: "Pessoas que têm dinheiro". Jânio Quadros (1917-1992), Antônio Carlos Magalhães (1927-2007) e Clodovil (1937-2009) eram algumas das personalidades que frequentavam o ateliê. A Busso funciona na rua Major Sertório, região central, e produz atualmente cerca de 50 pares por mês, com custo a partir de R$ 1.700.

Paulo Pedroso/Valor

Não muito longe do centro de São Paulo, na Barra Funda, o descendente de italianos Renzo Nalon toca a Pellegrini Calçados. Fundada pelo seu tio Vicenzo Pellegrini em 1902, a empresa atravessou altos e baixos, abriu e fechou lojas e quase faliu. Conseguiu, no entanto, atingir a marca de mais de um século de existência fazendo sapatos artesanais de alta qualidade. Ativo aos 76 anos, Nalon cuida pessoalmente de tudo. Tira medidas, atende telefone e ainda costuma praguejar contra o uso do tênis na vida social.

É ele o responsável pelos passos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, seu cliente há décadas, entre outros políticos. Entre centenas de caixas de formas acomodadas numa sala climatizada estão esculturas dos pés célebres do jogador de futebol Sócrates (1954-2011) e de membros da comissão técnica que disputou a Copa do Mundo de 1982 e de 1986. Nos dias atuais, Nalon fabrica aproximadamente 30 pares por mês, ao preço médio de R$ 1.500.

Apesar de todo o esforço, Carneiro e Nalon parecem não ter herdeiros para seguir com o negócio - seus filhos não se interessaram. Os veteranos afirmam que não há estímulo por parte de entidades para que jovens aprendam esse trabalho.

Problemas de sucessão não preocuparam por muito tempo o italiano Altemio Spinelli. Quando percebeu que seus filhos iriam seguir caminhos diferentes dos seus, ele encerrou o negócio no fim dos anos 1990 sem pensar duas vezes. Ícone da sapataria de luxo durante quase três décadas, ele chegou ao Brasil aos 22 anos no fim dos anos 1950. Dez anos depois, Spinelli já tinha lojas na rua Oscar Freire e no Shopping Iguatemi. Calçou vários presidentes brasileiros e reivindica para si a propagação do item que se tornou obrigatório no figurino da rapaziada que frequentava a rua Augusta na década de 1970.

"Aqui ninguém usava mocassins naquela época, então eu comecei a fazer uns modelos que eram clássicos na Itália, com cores mais extravagantes. Virou uma febre e eu quase não dava conta de tantos pedidos, trabalhava dia e noite", diz. Outro italiano que também fez fama vestindo os pés dessa geração foi Adriano Crivello, que mantinha uma pequena sapataria artesanal na alameda Itu, nos Jardins. Nos últimos anos, Spinelli voltou ao negócio, mas produzindo apenas palmilhas ortopédicas. E para não perder a mão, diz que como viaja frequentemente aos Estados Unidos para visitar os filhos, dá uma forcinha para a nora Tania Spinelli, que fabrica e comercializa uma linha de sapatos femininos com seu próprio nome na loja de departamentos Saks Fifth Avenue, em Nova York.

Ao menos duas empresas no Brasil encontraram uma forma de comércio intermediária entre o sapato feito em série e o personalizado. A Pacco Calçados, no Itaim Bibi, e a Giannini, na Vila Nova Conceição, mantêm suas lojas com modelos próprios, incluindo linha feminina, mas também disponibilizam opções de customização como escolha de cores e materiais nobres que garantem longa durabilidade, além das graduações de meio ponto no tamanho.

Paulo Pedroso/ValorNo centro de São Paulo, a Busso produz atualmente cerca de 50 pares por mês. Em comum, veteranos colecionam histórias de clientes famosos

"Não há exatamente uma forma específica para cada um, mas existem várias que podem ser adequadas ao pé do cliente", afirma Adriano Tourino, de 39 anos, descendente de espanhóis. Ele faz parte da terceira geração da Pacco, empresa com meio século no ramo e que deixou de fazer modelos sob medida há sete anos. É Tourino quem fica atento às novas tendências de design e matérias-primas, enquanto seu pai, o Pacco, toca a pequena fábrica.

Tourino alega carência de profissionais - como modelistas e formeiros - e o longo tempo gasto com a produção de peças únicas para a mudança de enfoque. No modelo de negócio atual ele consegue vender uma média de 500 pares por mês, com preços que podem variar de R$ 500 a R$ 1.000, dependendo do material utilizado.

Já João Giannini, proprietário da loja e da fábrica que leva seu sobrenome, além de comercializar sua própria coleção, é o homem por trás de várias marcas de sapatos finos, como Capo D'Arte e Sergio K, entre outras, que terceirizam a manufatura com ele. Atualmente, alguns jovens alfaiates, como João Camargo e Fabrizio Silva, também estão incluindo sapatos no seu "blend" de serviços e se utilizam do conhecimento de mais de 50 anos de Giannini para execução das peças.

Silva, que aprendeu o ofício trabalhando com Ricardo Almeida, desenha modelos exclusivos de sapatos para seus clientes, no seu ateliê da Vila Nova Conceição. A materialização fica a cargo de Camargo. Fabrizio Silva se diz otimista quanto a um renascimento das pequenas oficinas artesanais de vestuário.

"A alfaiataria está renascendo e já tem uma moçada nova querendo aprender a profissão - que tradicionalmente é exercida por velhos senhores", afirma.


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Por Paulo Pedroso | Para o Valor, de São Paulo

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Comentário de Romildo de Paula Leite em 22 fevereiro 2014 às 8:41

"A alfaiataria está renascendo e já tem uma moçada nova querendo aprender a profissão - que tradicionalmente é exercida por velhos senhores", afirma.

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