«As empresas chinesas de vestuário perceberam que, se continuarem a depender de mão-de-obra barata e se não tiverem uma ligação direta com o consumidor vão sair do negócio», afirma Ben Cavender, diretor do grupo China Market Research (CMR), ao portal Just-style. «Por isso, estão a olhar para questões que afetam a forma como pensam sobre o mundo e a forma como pensam o seu planeamento de negócios», explica.
De acordo com o CMR, os salários da indústria de vestuário na China estão a subir em torno dos 8% aos 10% anualmente, algo que Cavender considera não ser sustentável para os fabricantes low-cost. «Ao mesmo tempo, atingimos um ponto de inflexão: a partir de 2012, a população em idade de trabalho na China começou a cair e, agora, estamos a perder 3 milhões de trabalhadores não qualificados da força de trabalho por ano. Os fabricantes low-cost simplesmente não podem sobreviver, então as empresas começam a perceber que precisam de mudar. Do lado das fábricas há grandes problemas, do lado do consumidor também», acrescenta Cavender.
As expectativas dos consumidores chineses em relação à moda também mudaram na última década à medida que foram ficando mais conectados, passaram a viajar mais, a auferir salários mais altos e a ficar mais conscientes das tendências mundiais de moda. «As marcas que estão a tentar vender a esses consumidores têm agora que dialogar, saber aquilo que os consumidores estão a pensar, falar com eles e conhecer as suas expectativas em termos de design, ter produtos novos com mais frequência», aconselha Cavender.
O diretor do grupo China Market Research aponta, dentro deste cenário, cinco movimentos estratégicos que a indústria de vestuário chinesa está a levar a cabo a fim de poder prosperar.
1 – Afastamento da mão-de-obra intensiva
A China está a investir noutros mercados, como o Vietname. O país era apontado como um dos principais beneficiários da Parceria Transpacífico (TPP), mas a chegada de Donald Trump à Casa Branca foi um duro revés no acordo de livre comércio (ver EUA poem TTP em causa). O TPP, que estava a ser defendido pela Administração Obama, ficou retido no Congresso, com Democratas e Republicanos a recusarem avançar antes da tomada de posse.
No entanto, o Vietname poderá ainda usufruir do acordo de livre comércio UE-Vietname, que entrará em vigor em 2018. «Eles sabem que o Vietname vai ser um grande jogador no mercado de vestuário devido às tarifas baixas», advoga Ben Cavender.
2 – Diversificação de mercados
A China está também a investir em mercados ocidentais, onde são obtidas margens mais elevadas e estão a ser vendidos itens mais caros.
«Se olharmos para o que a Adidas, a Reebok e outras grandes marcas estão a fazer…estas estão a começar a controlar muito mais a sua produção. Isso vai ser a tendência daqui para a frente. As multinacionais estão a responder a uma necessidade direta de ter mais e diferentes produtos especializados ao longo das estações», reconhece o diretor do CMR.
3 – Construção de marcas
No ano passado, a marca de vestuário desportivo chinesa Anta Sports vendeu mais artigos na China do que a Nike, ocupando o primeiro lugar no mercado. A empresa cresceu rapidamente, passando de uma empresa que tinha má gestão de produtos e sem dados e análises sobre o comportamento do consumidor para uma empresa com ênfase na confeção.
4 – Cadeia de valor
Além de investirem fortemente nos negócios domésticos, as empresas chinesas estão a tentar subir a cadeia de valor comprando marcas – ou seja, querem estar no controlo e ser uma marca de confiança. Isso, inevitavelmente, envolve o investimento em marcas de tecnologia. «Os chineses são voltados para a tecnologia, estão sempre com o smartphone na mão, estão sempre online, é assim que compram. Não querem ir para o shopping, não precisam de um espaço físico, precisam de uma marca que responda às suas necessidades, que ofereça um bom serviço», admite Cavender.
5 – Fazer planos para o futuro
No ano passado, o governo chinês lançou o programa “Made in China 2025”, destinado a promover a reestruturação do sector industrial, modernizar a China e fazer a passagem de um fabricante de quantidade para um de qualidade, investindo em sectores de alta tecnologia e em projetos como a robótica avançada.
Derrotar a concorrência
Porém, à margem de todo este investimento e desenvolvimento, o diretor do grupo China Market Research defende que «dezenas de milhares» de empresas chinesas deverão sair do negócio devido à ineficiência das suas unidades. Muitas só agora começam a perceber plenamente o valor de proteger a sua propriedade intelectual (IP).
«As empresas chinesas sabem que precisam de investir em investigação e desenvolvimento e estão a investir, mas ainda num nível relativamente baixo. O sector de vestuário [investe] menos de 1% da receita. Também não é muito eficiente na utilização das suas descobertas. Não sabe como trabalhar a sua cadeia de aprovisionamento. Os fabricantes percebem que há a necessidade de um design mais ágil e rápido, mas na realidade ninguém sabe como recolher dados e utilizá-los corretamente», explica.
As chaves para que as empresas possam capitalizar essas fraquezas nos próximos 15 anos, segundo Ben Cavender, são a flexibilidade e o investimento no momento certo: agora. Cavender aponta também para a importância de analisar dados dos consumidores e, posteriormente, construir uma identidade do cliente e saber o que este procura. «No final do dia, não é realmente sobre a tecnologia, é sobre o trabalho de equipa, trabalhar em conjunto e encontrar formas de evitar a fuga de cérebros», conclui.