Quando clientes entraram na loja da H&M do centro de Londres no último verão, a primeira coisa que viram foi um vestido azul marinho florido, pendurado no ponto de maior destaque da loja. Colocado à venda por apenas 4 libras (ou cerca de R$ 28), o vestido trazia mais do que o preço baixo: havia nele uma etiqueta verde com a palavra “Conscious” (consciente).
Mais à frente no corredor, lixeiras de reciclagem foram colocadas ao lado de uma coleção de camisetas e vestidos listrados. Tal configuração não é incomum nas 4.473 lojas da H&M em todo o mundo, já que a empresa quer ser vista como campeã da luta contra as mudanças climáticas.
O império sueco de roupas executa uma série de programas de sustentabilidade, incentivando os clientes a trazer de volta roupas indesejadas para reutilização. Desde 2002, a empresa divulga relatórios anuais de sustentabilidade. Sua primeira coleção Conscious, usando algodão orgânico e materiais reciclados, saiu em 2010.
Mais recentemente, o H&M Group anunciou um plano para fabricar todo o seu vestuário a partir de materiais reciclados ou de origem sustentável até 2030. Outra ideia foi criar estações de costura de "conserto e reforma" em lojas selecionadas e testar o aluguel de roupas em Estocolmo.
Como seus outros rivais da fast fashion, como é conhecida a indústria da moda rápida, a H&M tem como principal modelo de negócios os preços baixos, consumo rápido e as tendências que mudam rapidamente – elementos que estão em conflito direto com sua missão de sustentabilidade. A indústria da moda global gera uma enorme quantidade de resíduos – um caminhão de lixo cheio de roupas é queimado ou enviado para um aterro a cada segundo, de acordo com um relatório da Ellen MacArthur Foundation, organização sem fins lucrativos que trabalha para melhorar o registro de sustentabilidade do setor.
Quando uma camisa custa US$ 5, ela é rapidamente vista como descartável. Temos maior probabilidade de descartar roupas mais baratas produzidas em massa do que itens mais caros, de acordo com um estudo de 2009 sobre hábitos de consumo.
A H&M está bem ciente do problema. Hendrik Alpen, gerente de engajamento em sustentabilidade da empresa, admitiu que o setor de fast fashion está lutando para equilibrar seu compromisso climático com o desejo de atender às demandas dos consumidores.
“Não é tão difícil quanto física quântica, basta observar como a população global se desenvolverá até 2040, quando poderemos ser nove bilhões de pessoas. Naturalmente, isso é ótimo da perspectiva de ter mais clientes em potencial", disse Alpen à CNN Business. “Mas se olharmos para as fronteiras planetárias, a conta não fecha", admitiu.
Coletivamente, a indústria global da moda produz quase quatro bilhões de toneladas métricas de emissão de gases de efeito estufa, ou 8,1% do total mundial, de acordo com a Quantis, uma consultoria climática que analisa o impacto ambiental da indústria da moda. Esse cálculo inclui os sete estágios da vida de uma peça de vestuário, começando com a criação das fibras usadas para fabricá-la (o cultivo do algodão, por exemplo), até a montagem da roupa e, por fim, seu transporte e venda. As estimativas consideram vestuário e calçados.
Quando você vai a um shopping ou faz compras online, é difícil compreender as consequências globais dessas aquisições individuais. Mas considere o impacto de uma única camiseta de algodão ou uma calça jeans como exemplos.
O processo de confecção de uma camiseta de algodão emite cerca de cinco quilos de dióxido de carbono – mais ou menos a mesma quantidade gerada em uma viagem de carro de 20 quilômetros. Além disso, a fabricação usa até 1.750 litros de água. Isso ocorre, em parte, porque o algodão é uma cultura que consome muita água. A irrigação ineficiente, assim como o processo de branqueamento e tintura, aumentam o uso da água, explicou a Quantis à CNN Business.
A produção de uma calça jeans consome ainda mais água (cerca de três mil litros) devido ao tingimento e ao branqueamento envolvidos, segundo cálculos da Quantis. Fabricar uma única calça emite cerca de 20 quilos de CO2, a mesma quantidade produzida durante uma viagem de carro de 80 quilômetros.
Existem maneiras mais sustentáveis de cultivar algodão, que incluem o uso prioritário da água da chuva, rotação de culturas para preservar a qualidade do solo e o uso limitado de pesticidas. No entanto, o algodão sustentável continua sendo um produto de nicho, representando apenas cerca de 15% do total global de 2017, de acordo com a CottonUp Initiative.
Em 2017, a indústria da moda sugou cerca de 79 bilhões de metros cúbicos de água, o suficiente para encher quase 32 milhões de piscinas olímpicas. E só deve piorar. A Global Fashion Agenda e o Boston Consulting Group estimam que o uso de água na indústria da moda aumente outros 50% até 2030.
Segundo eles, esse uso abusivo ameaça principalmente os países produtores de algodão, que estão rapidamente ficando sem água. Pesquisadores do Twente Water Centre, da Universidade de Twente, na Holanda, afirmam que quatro bilhões de pessoas sofrem de escassez severa de água por pelo menos um mês por ano. Quase metade dessas pessoas vive na Índia e na China, os dois maiores produtores de algodão do mundo.
Na Ásia Central, outra importante região produtora de algodão, essa cultura é parcialmente responsável pela seca do Mar de Aral, que já foi um dos quatro maiores lagos de água doce do mundo.
A questão não se encerra com a produção. Lavar roupas também pode ter um efeito prejudicial ao meio ambiente, principalmente por causa de materiais sintéticos, como o poliéster, que contêm fibras plásticas. Após muitas lavagens, essas fibras se decompõem em microplásticos, que podem chegar aos oceanos e prejudicar a fauna marinha.
“Sessenta por cento dos materiais usados pela indústria são fibras plásticas, cuja lavagem polui os oceanos com resíduos equivalentes a 50 bilhões de garrafas plásticas por ano", disse Francois Souchet, que lidera o programa Make Fashion Circular, da Ellen MacArthur Foundation, unindo os principais atores do setor para criar uma moda mais sustentável.
O fabricante de jeans Levi Strauss está em uma missão para mudar isso. Durante anos, a empresa incentiva seus clientes a reduzir o número de vezes que lavam seus jeans. Um relatório de 2013 encomendado pela empresa revelou que a lavagem costumeira era responsável por 23% da água usada no ciclo de vida de seus jeans.
A Levi's também encontrou uma maneira de criar o jeans desbotado usando apenas um dedal de água e gás ozônio em vez do método tradicional, que pode gastar até 42 litros de água.
A empresa também usa pedras em vez de água para obter a aparência de “gasto”, uma técnica que reduziu o volume de água usada no acabamento de vestuário em 96% desde 2011, segundo a empresa.
A H&M lançou sua Coleção Conscious em 2010. Para se qualificar para a etiqueta consciente, as roupas devem conter pelo menos 50% de materiais sustentáveis, como algodão orgânico ou poliéster reciclado, de acordo com o site da H&M.
A empresa foi acusada pelos clientes de fazer "greenwashing” (ou “banho verde") por ser vaga sobre as credenciais de sustentabilidade da coleção. No meio do ano passado, a Autoridade Norueguesa do Consumidor (NCA) enviou uma carta à H&M, acusando a empresa de enganar os consumidores com reivindicações de sustentabilidade excessivamente vagas associadas à sua coleção Conscious. A NCA disse à CNN Business que as informações no site da H&M não especificavam a quantidade de material reciclado usado em cada peça.
“Acreditamos que essa é uma informação que o consumidor deve ter à mão, pois a roupa é comercializada como reciclada", opinou Elisabeth Lier Haugseth, diretora geral da NCA. “É preciso saber se isso representa 2% ou 50% do material da roupa."
Quando perguntado sobre o tema, Alpen, gerente de sustentabilidade da H&M, disse que a empresa aceitaria as críticas e aprenderia a "comunicar esse valor extra" aos consumidores.
A coleção Conscious inclui itens como uma jaqueta rosa vegan feita de Pinatex, um material parecido com couro feito de resíduos de abacaxi e poliéster reciclado, em vez de couros de animais.
O problema: seu preço de saída é US$ 299.
Esse preço, que se destaca em um mar de roupas superbaratas, ilustra uma dura verdade: embora a H&M esteja se esforçando mais para falar sobre mudanças climáticas, é difícil ampliar práticas sustentáveis e ainda manter os preços baixos.
Desenvolvido pela especialista em artigos de couro Carmen Hijosa, a Pinatex tornou-se um material bastante procurado. Hijosa se uniu a vários estilistas de luxo, incluindo Hugo Boss e Trussardi, além de colaboração na H&M. A empresária espera ampliar sua empresa para que a Pinatex possa eventualmente fornecer a mais fabricantes de roupas uma alternativa de couro por um preço mais baixo. Por enquanto, ela reconhece que a jaqueta de US$ 299 da H&M provavelmente está fora do alcance de muitos consumidores.
Mas Carmen Hijosa também disse à CNN que cabe aos clientes desempenhar o seu papel – comprando produtos menos descartáveis e mais duradouros. “Nós, consumidores, temos muito poder. Acho que todos sabemos que não precisamos de vinte camisetas. Talvez seja melhor pagar um pouco mais e ter duas camisetas", observou.
“Acho que estamos muito, muito mais conscientes", acrescentou. “As pessoas param por cinco segundos e pensam: ‘se eu comprar isso, será um desperdício daqui a seis meses, se eu comprar aquilo, vai durar mais tempo. Custa mais, mas também vou usá-lo mais'”.
As empresas de fast fashion produzem bilhões de peças de vestuário a cada ano para levar as últimas tendências aos seus clientes. Os críticos, do Greenpeace ao Parlamento do Reino Unido, dizem que essa produção em massa promove a ideia de que as roupas são descartáveis e incentiva o desperdício excessivo.
Mais da metade dos itens de fast fashion são descartados em menos de um ano, de acordo com estimativas da consultoria McKinsey & Company.
O problema está se tornando aparente. Em seu relatório "Fixing Fashion" de 2019, o comitê de auditoria ambiental da Câmara dos Comuns do Reino Unido propôs que o governo introduzisse um imposto de fast fashion para combater a mentalidade descartável dos consumidores. O slogan do inquérito: “O custo da moda não devia ser a Terra."
A mensagem abrangente do comitê foi direta: as pessoas precisam repensar a maneira como se vestem comprando itens com mais qualidade e duração.
“O verdadeiro problema da indústria da moda rápida é que, se você estiver vendendo coisas por 5 libras, as pessoas não vão tratá-la com nenhum respeito e, no final de sua vida útil, ele estará na lixeira", disse Mary Creagh, a parlamentar que presidiu o comitê.
O imposto proposto era pequeno, apenas um centavo por item. Os legisladores queriam usar a receita para impedir que as roupas fossem para um aterro sanitário.
Por fim, o governo rejeitou a ideia, dizendo que queria se concentrar na eliminação do plástico descartável primeiro.
Em uma tentativa de fazer sua parte, a H&M lançou um programa de reciclagem em 2012, permitindo que os clientes trocassem roupas indesejadas por cupons de desconto.
O último relatório de sustentabilidade da H&M declarou que, das peças de roupa usadas que coletava, 50% a 60% foram classificadas para reutilização. Cerca de 35% a 45% foram reciclados para se tornarem produtos não de moda, como panos ou materiais de isolamento, ou se transformarem em novas fibras têxteis. Os 3% a 7% restantes que não puderam ser reciclados foram queimados para produção de energia. E 0% acaba em aterro.
A empresa pretende operar um modelo de negócios 100% circular até 2030, o que significa garantir que "não haja fim da vida útil dos materiais, mas criando um ciclo fechado em que tudo seja usado pelo máximo de tempo possível até ser finalmente reciclado", detalhou Alpen.
No entanto, alguns críticos chamam isso de mais um exemplo de greenwashing por parte da empresa.
Orsola de Castro, designer e cofundadora da Fashion Revolution, um movimento global sem fins lucrativos, disse que o foco da indústria na circularidade é um sinal de que as maiores empresas estão "empenhadas em continuar" com seu modelo de negócios atual.
“Essas marcas sabem muito bem que apenas jogar alguns milhões em alguma circularidade experimental não resolveria o problema, mas lhes daria a oportunidade de dizer 'no futuro, poderemos produzir o máximo que pudermos, e você poderá comprar o quanto quiser, porque, em última análise, reciclaremos tudo', mas isso não é verdade ", afirmou.
Segundo Orsola de Castro, o futuro sobre o qual as empresas falam está tão longe que não fará diferença tão cedo. “Precisamos introduzir um comportamento diferente, alterando os hábitos de compra nesse meio tempo", acrescentou.
H&M Group diz que coletou mais de 29.005 toneladas de roupas indesejadas em 2019, mas admite que, para muitos tipos de têxteis, soluções viáveis de reciclagem ou não existem ou não estão disponíveis comercialmente em escala.
Em todo o mundo a partir de 2015, 73% das roupas acabaram em aterros sanitários ou incineradores porque não podem ser recicladas, de acordo com a Ellen MacArthur Foundation, uma organização sem fins lucrativos que trabalha para melhorar o registro de sustentabilidade do setor.
O principal desafio é a falta de infraestrutura de reciclagem de têxteis. A tecnologia atual permite que menos de 1% das roupas seja reciclada, disse à CNN François Souchet, que lidera o programa Make Fashion Circular da Ellen MacArthur Foundation.
Ele conta que a indústria da moda deve projetar roupas com final de uso em mente, integrando materiais recicláveis, como a liocel, uma fibra feita de polpa de madeira biodegradável.
“Os produtos não foram projetados para ser transformados em novos itens ou atualizados em grande estilo. Com os materiais usados você não pode reciclar economicamente as roupas", acrescentou.
A maioria dos especialistas e empresas de moda reconhece que a tarefa à frente é enorme e exigirá uma infinidade de soluções e tecnologias que ainda não estão disponíveis.
“Não acho que exista um negócio de moda verdadeiramente sustentável, mas, olhando para o resto da indústria hoje, posso dizer com muita confiança que a H&M é uma das opções mais sustentáveis nesse cenário", sustentou Alpen.
Isabelle Gerretsen e Ivana Kottasová da CNN Business
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