A natureza jurídica da contribuição devida ao SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) pelas agroindústrias e pelos produtores rurais pessoas jurídicas é tema bastante controvertido na jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), existindo julgados que a consideram como contribuição social, precedentes que a classificam como contribuição de interesse de categoria profissional e econômica e, ainda, decisões que a identificam como contribuição de intervenção no domínio econômico.
E tal distinção não se limita aos debates de caráter doutrinário. A identificação da natureza jurídica desta contribuição é ponto fulcral para a aplicação de determinados dispositivos que repercutem diretamente na apuração tributária daqueles contribuintes, especialmente aqueles que atuam no setor de exportações.
Como regra geral, a Lei n. 8315, de 23.12.1991, regulamentada pelo Decreto n. 566, de 10.6.1992, estabelece que sejam rendas do SENAR, dentre outras, a contribuição mensal compulsória, a ser recolhida à Previdência Social, de 2,5% sobre o montante da remuneração paga a todos os empregados pelas pessoas jurídicas de direito privado, ou a elas equiparadas, que exerçam atividades agroindustriais, agropecuárias, extrativistas vegetais e animais,cooperativistas rurais e sindicais patronais rurais (art. 3º, inciso I).
Todavia, por força do parágrafo 1º, do art. 25, da Lei 8870, de 15.4.1994 [1], o legislador determinou que a contribuição ao SENAR recolhida pelo empregador pessoa jurídicaque se dedique à atividade rural não se dará por meio do recolhimento mensal de 2,5% sobre o montante da remuneração paga aos empregados, mas pelo adicional de 0,25% da receita bruta proveniente da venda de mercadorias de produção própria.
A mesma regra também foi aplicada para as agroindústrias por meio da inclusão do art. 22-A, parágrafo 5º, na Lei n. 8212, de 24.7.1991 [2]. Por força do paragrafo 5º, também se determinou que a contribuição devida ao SENAR sobre a folha de salários, no caso das agroindústrias, fosse substituída pelo adicional de 0,25% sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção.
Em face desta sistemática distinta aplicada às agroindústrias e aos produtores rurais pessoas jurídicas - que tem como base de cálculo a receita bruta - é que se apresenta a controvérsia envolvendo a natureza jurídica da contribuição destinada ao SENAR para fins de fruição da imunidade prevista no inciso I, parágrafo 2º, do art. 149 da CF, a seguir transcrito:
"Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
(...)
§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:
I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;
(...)"
Nesse sentido, caso o referido tributo seja considerado como uma contribuição social ou uma contribuição de intervenção no domínio econômico, não poderá ser ele exigido sobre as receitas decorrentes de exportação; ao passo que, caso seja reputado como contribuição de interesse de categoria profissional ou econômica, a norma imunizante não poderá lhe ser aplicada, de modo que haverá necessariamente a incidência da contribuição sobre as receitas decorrentes da exportação.
Como dito, a jurisprudência do CARF possui precedentes em todos os sentidos, podendo-se dizer que existem três correntes de intepretação.
A primeira correnteclassifica a contribuição ao SENAR como sendo de interesse de categoria profissional ou econômica, conforme art. 240 da Constituição [3]. De acordo com esse entendimento, a contribuição em questão é direcionada a uma entidade privada de serviço social e formação profissional vinculada ao sistema sindical, sendo que, em regra, seu recolhimento se perfaz sobre a folha de salários.
Também sustentam que a destinação dessa contribuição, característica primordial para sua classificação (princípio da afetação), remonta à formação do profissional que atua no setor rural, conforme expressa determinação do art. 1º da Lei n. 8315/91 [4].
Por tal razão os adeptos desta corrente (posicionamento este sustentado, inclusive, pela Receita Federal) entendem que as contribuições de interesse das categorias profissionais e econômicas, por não constarem nas hipóteses taxativas do parágrafo 2º do art. 149 da Constituição, não podem gozar da imunidade sobre as receitas decorrentes de exportação.
Nesse sentido, a título exemplificativo, são os acórdãos n. 2302-003.620, de 10.2.2015; n. 2302-003.635, de 11.2.2015; n. 2302-003.652, de 12.2.2015; n. 2401-003.072 e 2401-003.073, de 19.6.2013; 2401-003.063, de 19.6.2013; n. 2401-003.115, de17.6.2013; n. 2401-003.114, de 17.6.2013; n. 2301-002.813, de 16.5.2012; 2301-002.506, de 18.1.2012; 2401-002.242, de 20.1.2012; n. 2401-002.240, de 20.1.2012; n. 2401-003.188, de 17.9.2013 e n. 2401-003.187, de 7.11.2013, entre outros, todos proferidos pelo CARF.
Paralelamente a esse posicionamento, existem manifestações no sentido de que a referida contribuição, em sua essência, tem natureza de contribuição social geral, razão pela qual deve ser reconhecido o direito à imunidade nos termos do inciso I, do parágrafo 2º do art. 149 da Constituição.
Os que defendem essa segunda corrente partem da premissa segundo a qual as contribuições sociais financiam a atuação do Estado em prol da Ordem Social, sendo certo que dentro deste título existem vários capítulos, tais como a seguridade social, educação e família.
Assim, valendo-se da classificação das espécies tributárias estampadas no RE n. 1.382.848/CE, essa corrente sustenta que a contribuição ao SENAR tem por finalidade financiar a educação e a promoção social do trabalhador rural, sendo que tal objetivo encontra guarida nas disposições constitucionais da Ordem Social (especialmente do dever de educação do art. 205 da CF), o que afastaria, por si só, a alegação de que a contribuição visa apenas subsidiar os interesses de determinada categoria profissional.
Também sustentam que no julgamento do RE n. 1.382.848/CE, o Supremo Tribunal Federal sinalizou que as contribuições destinadas ao SENAI, SESI e SENAC (art. 240 da CF) classificam-se como contribuições sociais gerais. Logo, por coerência com o quanto fora decidido pela Suprema Corte e pela similitude destas contribuições com aquela destinada ao SENAR, especialmente à luz da determinação do art. 62 do ADCT [5], deveria ser atribuída a esta última a natureza de contribuição social geral.
A esse respeito, também de forma exemplificativa, são os acórdãos n. 2301-004.198, de 4.11.2014; n. 2301-004.194, de 4.2.2014; e n. 2301.003.257, de 23.1.2013, todos proferidos pelo CARF.
Por fim, ainda existe uma terceira corrente, segundo a qual a contribuição ao SENAR classifica-se como contribuição de intervenção no domínio econômico e, portanto, albergada pela norma que imuniza as receitas decorrentes da exportação.
De acordo com essa terceira interpretação, diferentemente da OAB, CRM, CRO e outras entidades representativas de categorias profissionais ou econômicas, o SENAR não representa nenhuma categoria profissional e tampouco econômica, visando tão-somente o atendimento aos princípios da Ordem Econômica estampados constitucionalmente no art. 170 e seguintes.
Segundo essa terceira corrente, a diferença entre as contribuições de intervenção no domínio econômico e aquelas de interesse de categorias profissionais ou econômicas, conforme o RE n. 396.266/SC, seria que a primeira visa atingir algum setor da ordem econômica (art. 170 e seguintes da Constituição), ao passo que a segunda objetiva garantir receita para custear as atividades dos órgãos de classe e/ou representativos de categoria.
Logo, à luz do art. 1º da Lei n. 8315/91, por não haver qualquer menção à atividade fiscalizadora, representativa ou regulatória de atividade econômica de competência do SENAR, não haveria como classificá-la como contribuição de interesse das categorias profissionais ou econômicas. Isso porque o objeto perseguido pelo SENAR é a valorização do trabalho humano (art. 170, caput,da CF), a busca do pleno emprego (art. 170, VIII da CF), a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 170, VII da CF) e a concretização da política agrícola (art. 187, III e IV da CF), não a fiscalização do exercício de atividade profissional.
A este respeito, vide exemplificadamente o acórdão n. 2301-003.242, de 22.1.2013,proferido pela 1ª Turma Ordinária, da 3ª Câmara, da 2ª Seção do CARF.
Ocorre que, na sessão de agosto de 2016, por meio dos acórdãos n. 9202-004.321 e n. 9202-004.323, a 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais finalmente apreciou essa discussão. Confira-se a ementa dos julgados abaixo:
"CONTRIBUIÇÕES AO SENAR. NATUREZA JURÍDICA. IMUNIDADE. A natureza jurídica das contribuições destinadas ao SENAR, com base de cálculo prevista pelo art. 22-A, da Lei no. 8.212, de 1991 é de contribuição de interesse de categorias econômicas, Assim, inaplicável a imunidade a que se refere o inciso I do § 2º do art. 149 da Constituição".
Como se verifica pela própria ementa das decisões, ao apreciar a aludida discussão em face de uma agroindústria, a CSRF acolheu os fundamentos da primeira corrente interpretativa acima exposta, no sentido de que a contribuição por ela devida ao SENAR tem natureza de interesse de categoria profissional e econômica, sendo inaplicável a imunidade sobre as receitas decorrentes da exportação.
De forma sintetizada o entendimento da CSRF quanto à natureza jurídica daquela contribuição se pautou nos seguintes pilares:
não se trata de uma contribuição de intervenção no domínio econômico, na medida em que não haveria qualquer objetivo relacionado a tal finalidade, como valorização da livre concorrência, repressão ao abuso do poder econômico ou ao aumento arbitrário de preços;
não se trata de contribuição social geral, na medida em que não está albergada pelo art. 240 da CF. Isso porque tal dispositivo se circunscreve às contribuições dos empregadores sobre a folha de salários, sendo que desde a Lei n. 10256/01, a hipótese de incidência da contribuição devida ao SENAR às agroindústrias já tinha como base de cálculo a receita bruta da comercialização;
não seria suficiente, para fins de classificação de determinada contribuição como social geral ou de intervenção no domínio econômico a vinculação direta ou indireta entre o destinado do produto da arrecadação e qualquer capítulo da Ordem Social ou da Ordem Econômica; e
a contribuição devida ao SENAR se classifica como de interesse de categoria profissional, na medida em que tais categorias econômicas de contribuintes inegavelmente se beneficiam de forma direto do tributo.
Sendo assim, em que pese a existência de precedentes com interpretações diversas a respeito da natureza jurídica da contribuição devida ao SENAR pelas agroindústrias e pelos produtores rurais pessoas jurídicas, certo é que o recente posicionamento da CSRF prestigia a primeira corrente interpretativa, afastando a aplicação da regra de imunidade sobre as receitas decorrentes de exportação em contraponto à tese defendida por tais contribuintes.
Seja como for, a matéria agora parece pacificada no âmbito do Tribunal Administrativo, cabendo o reexame das três correntes acima expostas por parte do Poder Judiciário. A este respeito, é certo que já existem precedentes isolados sobre o assunto consagrando, inclusive, as variadas posições acima, motivo pelo qual é imperioso o acompanhamento do pronunciamento dos Tribunais Superiores a respeito da matéria.
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[1] Com alterações advindas da Lei n. 10256, de 9.7.2001.
[2] Com alterações advindas da Lei n. 10256, de 9.7.2001.
[3] Art.240. Ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical.
[4] "Art. 1° É criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), com o objetivo de organizar, administrar e executar em todo o território nacional o ensino da formação profissional rural e a promoção social do trabalhador rural, em centros instalados e mantidos pela instituição ou sob forma de cooperação, dirigida aos trabalhadores rurais".
[5] "Art. 62. A lei criará o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) nos moldes da legislação relativa ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e ao Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (SENAC), sem prejuízo das atribuições dos órgãos públicos que atuam na área".
Elaborado por:
Nicolas Ciancio
Advogado, Graduado em Direitopela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduado em Gestão Tributáriapela Fundação Álvares Penteado (FECAP).
Por: Decisões
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