Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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A eterna luta entre a área de TI e o restante da companhia

Muita gente que trabalha na área de tecnologia da informação - especialmente dentro de empresas que não têm essa atividade como negócio principal, e sim como apoio - acaba se transformando numa espécie de Scott Pilgrim, o anti-herói do cinema que enfrenta o mundo como se precisasse superar as fases de um videogame. A diferença é que, em vez dos ex-namorados da garota amada, como no filme, os adversários são os próprios colegas de trabalho. Pergunte a qualquer funcionário de uma grande corporação sobre o setor em que as pessoas são mais fechadas e difíceis para estabelecer um relacionamento amistoso. "TI" será a resposta mais provável, não raro acompanhada de comentários críticos: "É o grande gargalo da firma", "Nossos sistemas estão ultrapassados", "O pessoal de lá não está dando conta".

Por outro lado, não é raro ouvir dos profissionais de TI depoimentos quase desesperados sobre o excesso de carga horária e a necessidade de continuar conectado aos finais de semana, monitorando tudo e resolvendo problemas eventuais. "Os colegas que nos criticam não estão aqui para elogiar quando ficamos até de madrugada para que as coisas funcionem bem no dia seguinte", diz o gerente do departamento de TI de uma empresa da área farmacêutica - que, para não deixar o clima ainda mais pesado, preferiu que seu nome não aparecesse nesta reportagem.

Para o consultor Eduardo Cupaiolo, da People Side, de São Paulo - um caso de ex-profissional de TI que se transformou em especialista em gestão de pessoas, em grande parte para escapar das agruras da profissão -, a principal causa de desentendimentos e conflitos é a incompreensão mútua. "Todos tendem a achar que o seu problema é mais importante e urgente, mas a turma de TI está sempre atarefada e nem sempre pode resolver tudo em cinco minutos. Por outro lado, o pessoal da tecnologia poderia pedir compreensão com calma e gentileza, e não com monossílabos e grunhidos", diz.

A demanda é nova e um tanto exaustiva para muitos dos profissionais de TI, acostumados a conviver mais com as máquinas do que com os humanos. No entanto, a capacidade de se relacionar bem com os outros e o espírito de trabalho em equipe já se tornaram requisitos em praticamente todas as carreiras. "As empresas estão citando cada vez mais atributos comportamentais também na descrição dos cargos de TI. Quem não evoluir nesse sentido corre o risco de ficar sem lugar no mercado", alerta Giovana Strano, fundadora da TI Works, consultoria de RH especializada em recrutamento para o setor.

Assim como Cupaiolo, Giovana também decidiu migrar para a área de RH após dez anos de atuação em TI, onde chegou ao cargo de gerente de projetos. Nesse caminho, sofreu na pele muitas das dificuldades típicas de profissionais nem sempre compreendidos pelos colegas - obstáculos que pretende ajudar a combater agora, exercendo seu novo papel. Uma das missões à frente da TI Works é justamente oferecer treinamentos comportamentais ao pessoal da área. "Essa é uma lacuna que nasce nas universidades. Os cursos de tecnologia se voltam inteiramente à qualificação técnica e esquecem que na carreira é preciso se relacionar com pessoas", avalia. Para reduzir a distância entre a formação e o mercado, Giovana sugere a inclusão de disciplinas de psicologia e de desenvolvimento comportamental nos cursos universitários da área.

Lógica semelhante persiste na maior parte das empresas, destaca a consultora. Verbas para programas comportamentais praticamente não existem em muitas delas, enquanto o orçamento destinado às certificações e treinamentos técnicos costuma ser farto. "Não por acaso, há inúmeros casos de profissionais de TI que se tornam verdadeiros desastres quando são promovidos a gestores de equipe", diz Giovana.

Um bom passo para começar a encarar o problema é diminuir a virtualidade das relações - uma cena comum nos departamentos de TI é ver colegas trabalhando lado a lado, cada um com seus fones no ouvido, como se vivessem em ilhas. O mais curioso é que, muitas vezes, eles estão trocando e-mails ou mensagens entre si, embora nem olhem para o lado. "Muitas vezes às pessoas acabam até esquecendo que podem conversar pessoalmente ou por telefone. Pequenas atitudes podem começar a fazer diferença", diz o consultor Samuel Crescêncio, CEO da Oncast, prestadora de serviços na área de TI. Interessar-se por outros assuntos além da tecnologia, como literatura ou cinema, também ajuda a abrir a cabeça e o nível de "sociabilidade", acrescenta.

De acordo com Crescêncio, "apagar incêndios" é algo que faz parte da carreira de quem atua na área e não adianta lutar contra essa realidade. "Permanecer o tempo todo conectado para eventuais emergências é inevitável", diz. De fato, a maior parte das tarefas de TI nunca termina: mal se implementa um sistema e já surgem pedidos de correção, ajustes e melhorias.

Uma das consequências disso é não ter muito tempo para cuidar da prevenção. Para o CEO da Oncast, os profissionais de tecnologia se dedicam pouco à compreensão mais ampla da origem dos problemas. "Se o servidor cai, o procedimento comum é fazer de tudo para subir o sistema o quanto antes. Não se faz uma investigação detalhada para corrigir as falhas que originaram o fato e evitar que a mesma situação se repita", exemplifica.

Com 15 anos de experiência na internet - foi o criador do MailBR, um dos serviços pioneiros de e-mails gratuitos no país, e hoje é CEO da Parsec Digital, desenvolvedora de aplicativos mobile para empresas -, Pedro Anisio Silva lembra que há dois perfis muito diferentes de profissionais de TI: os que trabalham em cargos estratégicos e de desenvolvimento e os que atuam em funções de suporte. "A TI de suporte costuma ser a mais incompreendida, pois é natural que tenha processos, metodologias e controles sistemáticos. As pessoas que atuam nela são obrigadas a cumprir certos protocolos que muitas vezes são confundidos com burocracia ou má vontade", descreve.

Outro problema é que, quando a tecnologia da informação não é o negócio que garante o faturamento da empresa, ela passa a ser naturalmente vista como um custo pelos gestores - e, como todo custo, precisa ser reduzido o tempo todo. O resultado dessa realidade um tanto cruel são equipes enxutas e investimentos em estrutura e equipamentos que raramente acompanham o ritmo de crescimento da organização. Além disso, nessas circunstâncias, a turma da TI raramente é lembrada no momento de aumentos de salário, distribuição de bônus ou participação dos resultados.

Para Cupaiolo, cabe aos gestores desses departamentos agir para amenizar o "baixo astral" que pode se instalar diante de situações assim. Uma das formas de fazer isso, destaca, é celebrar cada vez que um incêndio é apagado. Ou seja, é preciso reconhecer o empenho da equipe, já que dificilmente ele virá de fora. "Essa estratégia pode até reforçar o espírito de que 'somos nós contra o mundo', mas pelo menos ajuda os profissionais a segurar o tranco", considera.

Uma das esperanças para a maior humanização do trabalho em TI é a ascensão das mulheres a cargos de comando na área, algo que praticamente não ocorria há dez anos. Dois casos simbólicos foram registrados nos últimos meses, envolvendo gigantes do setor. Em setembro, a Hewlett-Packard (HP) passou a ser dirigida nos Estados Unidos pela CEO Meg Whitman, que já havia ocupado cargos executivos em empresas como a Walt Disney e chegou a se candidatar ao governo da Califórnia. Em janeiro, foi a vez de Virginia Rometty assumir o comando da IBM, depois de uma longa ascensão no grupo, onde ingressou em 1981 como engenheira de sistemas.

Por ser relativamente recente, especialmente no que diz respeito a atividades diretamente relacionadas à internet, a carreira em tecnologia da informação vive um momento de transição já superado em outros campos do conhecimento. Uma das discussões do momento envolve a regulamentação da profissão, exercida por cerca de 600 mil pessoas no Brasil, de acordo com estimativa do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados e Tecnologia da Informação do Estado de São Paulo (Sindpd). Há quem proponha a exigência de curso superior para trabalhar na área e a criação de um conselho para profissionais de TI, o que estabeleceria uma reserva de mercado e excluiria quem aprendeu na prática a mexer com os computadores. Esse perfil ainda é comum, embora esteja supostamente a caminho da extinção com a proliferação de cursos de tecnologia nas universidades e da exigência de qualificação pelas empresas.

Enquanto as discussões prosseguem e os conflitos entre colegas continuam, o mercado não para de crescer. Estima-se que os gastos em TI no planeta aumentarão 3,7% este ano, chegando a US$ 3,8 trilhões. No Brasil, a expectativa é de que o crescimento alcance a marca de 10% - e que não multiplique os casos de heróis solitários e angustiados em frente aos teclados.

Fonte:http://www.valor.com.br

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