O avanço físico de apenas 0,1% do setor manufatureiro, principal responsável pelo pequeno crescimento nacional de 2,7% em 2011, acendeu a luz vermelha. Mobilizou o governo não apenas para tomar medidas defensivas de curto prazo, mas para cooptar o setor privado e auxiliá-lo a superar os problemas que afligem a economia brasileira há muito tempo. Emergiu o reconhecimento que temos problemas estruturais e que problemas estruturais se resolvem com reformas estruturais!
Os homens levaram 150 mil anos testando e superando muitas formas de organização política. Chegaram à democracia por uma seleção natural cujo processo adaptativo continua. Ela talvez não seja o regime "ideal", mas seguramente é melhor do que qualquer organização alternativa que eles já tentaram implantar para construir a sua humanidade. É evidente que um regime tão complexo só pode funcionar se bem regulado por uma Constituição legitimamente construída e controlada por um Supremo Tribunal Federal independente. Esse é o "garante" das liberdades individuais e protege o cidadão dos eventuais abusos do poder incumbente, ou seja, é o "garante" do regime republicano, que o Brasil já construiu.
O câmbio não é o culpado por tudo, há ainda o "custo Brasil'
O regime democrático tem uma característica: quem pode mobiliza suas forças na defesa dos seus interesses. Os partidos que apoiam o governo (que também obedece a seus próprios interesses e preferências) têm, por construção, o objetivo maior de conquistar mais poder. Para isso usam todos os movimentos permitidos pelo jogo democrático, principalmente o blefe, como vimos há poucos dias na "espuma" que se produziu no Congresso Nacional...
Não tenhamos ilusões. No presidencialismo de coalizão que construímos, as "reformas estruturais" dependem, fundamentalmente, da cooptação pelo Executivo de uma segura maioria no Congresso. E esse só se move quando o poder incumbente tem ampla legitimidade e é capaz de pôr em movimento pressões sociais na direção correta por meio do diálogo e do esclarecimento dos eleitores. Há aqui um aparente paradoxo: como é possível que os representantes da sociedade (a Câmara) e dos interesses dos Estados (o Senado) se recusem a fazer as "reformas" pedidas por aqueles que os elegeram?
A resposta é simples. Ainda que a Câmara e o Senado se apresentem como instituições homogêneas, elas são constituídas por partes heterogêneas, que representam e defendem interesses diferenciados. Cada uma utiliza o princípio do "max-min": tenta tirar o máximo proveito do mínimo que já conquistaram e continuam tentando ampliá-lo.
As "reformas" encontram resistência exatamente porque significam mudanças nas posições relativas das partes heterogêneas. Elas significam uma "redistribuição" das posições conquistadas e às quais se acomodaram. Por que, aparentemente, as reformas a despeito de serem desagradáveis e estressantes agora precisam mesmo ser feitas? Pela simples e boa razão que o processo esgotou-se: não se pode distribuir o que ainda não foi produzido!
O "jogo" civilizatório da redistribuição melhorou de forma espetacular a inclusão social, ampliou o mercado interno e funcionou muito bem aumentando a demanda global. Infelizmente, não acompanhamos no mesmo ritmo, e com a mesma disposição, a ampliação da oferta global. Não há mais espaço disponível. O resultado natural é que a diferença entre a demanda e a oferta globais se dissipa, inexoravelmente, num aumento da inflação interna nos preços dos bens não transacionáveis (os serviços) e externamente, numa ampliação do déficit em conta corrente.
Um dos efeitos colaterais muito importantes desse processo foi a imensa valorização da relação câmbio nominal/salário nominal, que é o indicador do câmbio "real". O gráfico abaixo mostra a relação entre a tragédia do setor de bens de capital e essa variável. É claro que câmbio não é tudo. Há, sim, o famigerado "custo Brasil" que desde o Plano Real está na pauta e avançou apenas alguns milímetros nas últimas duas décadas, enquanto avançamos quilômetros na piora dos preços dos insumos básicos (energia principalmente) e no regressivo (com relação aos cidadãos) e progressivo (com relação ao governo) sistema tributário. Mas nada disso mudou entre 2008 e 2012, a não ser a valorização do câmbio que nos custou um crescimento de 0,1% do setor manufatureiro e nos subtraiu quase 1% do crescimento do PIB.
É hora, portanto, de cuidar da emergência, mas não descuidar das reformas. É hora de apoiar e ajudar a presidente na sua batalha para cumprir o que está propondo.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento
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