A presidente Dilma Rousseff usou e abusou durante a campanha eleitoral da imagem de suposto “engavetador geral de denúncias de corrupção” ao falar do Procurador Geral da República durante o governo FHC, mas agora, colocada face a face com um ousado gesto de autonomia e independência de parte do atual Procurador, Rodrigo Janot, ela se irrita e manda o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, desmentir a necessidade de substituição da atual diretoria da Petrobras, liderada por Graça Foster, e o ministro obedece em que pese admitir que existem “fortes indícios de corrupção” na empresa.
Dilma ainda não tomou posse, mas já está diante de uma grave crise, forçada a lidar com a assustadora avalanche de denúncias e revelações sobre os “mal feitos” – como ela gosta de chamar – na mais importante empresa do país, mal feitos que – eufemismo para corrupção – que vem ocorrendo desde que ela era ministra de Minas e Energia, Chefe da Casa Civil, presidente do Conselho Deliberativo da Petrobras e presidente da República. Não é improvável que o risco (ainda teórico) de ela vir a ser denunciada por crime de responsabilidade esteja provocando sua irritação e mal estar, mas é evidente a sua leniência diante do vulto e do volume de recursos desviados da empresa-símbolo da presença do Estado na economia brasileira (estima-se agora que os prejuízos ultrapassem a 10 bilhões de reais, podendo chegar ao dobro), algo que o procurador geral designou como parte das “chagas que corroem a Nação”.
A presidente talvez não contasse com as duras críticas feitas por ele – nomeado por ela para a função – sobre o desempenho dos atuais diretores da Petrobras, e menos ainda com a declaração do ministro demissionário da Controladoria Geral da União, Jorge Hage, segundo quem, o atual sistema de controle e prevenção da corrupção no país é “acanhado e limitado”, o que o levou a concluir, com base em seus 12 anos de reconhecido desempenho no cargo, que o controle e a fiscalização de mal feitos nas estatais é ampla e generalizadamente inexistente. Talvez Dilma também vá mandar o seu ministro da Justiça desmentir Hage, mas a coisa não vai parar aí porque há poucas semanas ministros do STJ, ao analisar o atual panorama político marcado pelas denúncias de corrupção, declararam: “Tamanha roubalheira” é uma das “maiores vergonhas da humanidade”, com o que muitos brasileiros e os críticos externos concordam.
Dilma, Lula e os líderes do PT (embora nem todos os seus militantes) fingem não saber exatamente o tamanho do desastre diante do qual estão colocados. Não admitem com clareza que a corrupção política é um dos problemas mais severos e complexos enfrentados por novas e velhas democracias. Não aceitam que, no fundamental, ela envolve o abuso do poder público para qualquer tipo de benefício privado, inclusive, vantagens para os partidos de governo em detrimento da oposição. Não vêm, ou fingem não ver, que ela frauda o princípio de igualdade política inerente à democracia, pois os seus protagonistas podem obter ou manter poder e benefícios políticos desproporcionais aos que alcançariam através de modos legítimos e legais de competir politicamente. E, ao mesmo tempo, passam a imagem de que ignoram que a corrupção distorce a dimensão republicana da política porque faz as políticas públicas resultarem, não do debate e da disputa aberta entre projetos diferentes, mas de acordos de bastidores que favorecem interesses espúrios.
Mas enquanto Dilma e a elite do seu partido fingem não ver isso, a maioria dos brasileiros anda em direção contrária à deles: pesquisa recente do Datafolha mostra que 85% dos entrevistados consideram que há corrupção na Petrobras, e nada menos que 68% avaliam que a presidente tem responsabilidade no caso. Diante da reação da presidente e de seu governo diante do que apareceu até agora dos escândalos fica a dúvida de como eles reagirão quando vierem à tona as informações sobre o envolvimento direto de políticos de sua base parlamentar de apoio. A presidente pedirá ao seu ministro da Justiça para desmentir a Policia Federal e o Ministério Público? Tomará medidas para desligá-los da coalizão que a apoia? Dará explicações para a sociedade? Os próximos passos da Operação Lava Jato e a reação da presidente definirão os rumos da atual conjuntura.
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