Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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A luta de Marina Ganzarolli e do Me Too Brasil contra a violência de gênero

Desde a militância estudantil até o empreendedorismo social, a advogada fez do combate à violência contra mulheres seu projeto de vida.

Marina Ganzarolli é advogada especialista em violência de gênero, fundadora do Me Too Brasil e da MG Consulting

Marina Ganzarolli é advogada especialista em violência de gênero, fundadora do Me Too Brasil e da MG Consulting (Crédito: Divulgação)

Marina Ganzarolli é advogada especialista em violência de gênero, fundadora do Me Too Brasil e da MG Consulting, consultoria do tema para empresas. Sua atuação começou enquanto jovem na faculdade, quando a Lei Maria da Penha foi lançada. Ainda como estagiária, Marina atendia vítimas de violência de gênero de forma voluntária. Seu trabalho logo repercutiu na mídia e no mercado, o que a levou a expandir sua atuação para todo o Brasil com o Me Too, e para empresas, como consultora.

Hoje, Ganzarolli é referência quando o tema é violência contra mulheres e segue atuando de forma voluntária com vítimas de agressões domésticas — trabalho que se tornou seu propósito. Nesta entrevista, a advogada conta um pouco sobre sua trajetória desde a faculdade até o momento em que decidiu empreender, e orienta como marcas podem virar aliadas da pauta do combate à violência de gênero. 

Conte sobre sua trajetória profissional.

Minha trajetória profissional começou com o trabalho voluntário na infância e adolescência, influenciado pelos meus pais, professores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Cresci em Barão Geraldo, interior de São Paulo, região de Campinas. Ao ingressar na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), percebi que as discriminações de gênero e lesbofobia eram as mesmas que eu sofria no interior. 

Em 2006, tornei-me a primeira estagiária do Departamento Jurídico do Centro Acadêmico Onze de Agosto a trabalhar com casos da recém-aprovada Lei Maria da Penha. Comecei a atender vítimas de violência doméstica e logo a notícia se espalhou entre colegas de outras faculdades. Enquanto trabalhava lá, deparei-me com casos graves de violência sexual em universidades paulistas. 

No segundo ano da faculdade, junto com outras colegas, fundei o Coletivo Feminista Dandara, quando percebi a falta de respostas para as desigualdades de gênero nas disciplinas de Direito. Iniciamos estudos independentes sobre gênero, lendo autores como Foucault, para entender a origem da misoginia, e Simone de Beauvoir. Naquela época, éramos vistas como doidas, malucas, diziam que era uma bobagem estudar gênero. Então, começamos um trabalho de conscientização ainda dentro da faculdade. 

Por conta da minha experiência atendendo vítimas de violência sexual, em 2014, depus na CPI das violações de direitos humanos nas universidades paulistas e relatei casos detalhados, o que me rendeu destaque na mídia. Essa experiência levou à criação do escritório USP Mulheres e à implementação de medidas de apoio a estudantes vítimas de violência.  

Você também é fundadora da Rede Feminista de Juristas. Conte um pouco sobre como surgiu essa iniciativa e o trabalho que vocês realizam. 

Em 2016, fundei a Rede Feminista de Juristas, chamada Defende, junto com outras jovens juristas, marcando minha entrada no empreendedorismo social do terceiro setor. A Defende tinha como objetivo qualificar profissionais na luta contra a violência de gênero, algo que não era uma disciplina ou especialização reconhecida na época. Começamos a oferecer atendimento e formação via Facebook, e também participamos de ações importantes, como o mais recente julgamento do aborto no STF. 

Durante a pandemia e após eventos importantes, como o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos e casos de violência racial no Brasil, percebi a necessidade de engajar as empresas na agenda antirracista. Dentro da Rede Feminista de Juristas, que inicialmente era composta por mulheres brancas de universidades de elite, começamos a discutir a importância de diversificar a estrutura organizacional da rede para incluir vozes e experiências negras. Estamos empenhados em empretecer a rede e promover debates sobre raça no contexto da gestão organizacional. 

Atualmente, não estou mais na liderança da Rede Feminista de Juristas. Embora eu continue sendo membro fundadora, esse passo foi significativo para mim. Sempre quis desenvolver uma organização focada exclusivamente em violência sexual, que foi o ponto de partida para minha vocação quando as vítimas começaram a me procurar na faculdade. Sinto que nasci para fazer esse trabalho, pois é algo que me motiva profundamente como ser humano, mulher, ativista, lésbica e cidadã. 

Como surgiu o Me Too Brasil? 

Cerca de quatro anos atrás, conheci uma organização dos Estados Unidos chamada RAN (Rape, Abuse and Incest National Network — Rede Nacional de Assistência a Vítimas de Estupro, Abuso e Incesto, em tradução livre), que se dedica ao enfrentamento da violência sexual, incesto, estupro e pedofilia para todos os gêneros e idades. Ao conhecer o escopo da missão de impacto dessa organização, minha reação imediata foi de que isso não existia no Brasil. 

Por aqui, tínhamos organizações focadas em educação, crianças, adolescentes e, após a Lei Maria da Penha, mulheres adultas vítimas de violência doméstica, mas não havia uma iniciativa que atendesse casos de violência em todos os contextos. Portanto, decidi criar uma organização brasileira semelhante, a primeira no país a fornecer atendimento direto a sobreviventes de violência sexual, independentemente de idade ou gênero. 

Eu precisava de um nome melhor que Rede Nacional de Enfrentamento ao Incesto, Pedofilia e Estupro. Com o surgimento do movimento Me Too em Hollywood, surgiram os casos contra Harvey Weinstein, Jeffrey Epstein e, no Brasil, contra João de Deus, Roger Abdelmassih, Marcius Melhem e Saul Klein. Então, fui atrás do movimento nos Estados Unidos, conversei com elas e consegui a autorização para fundar o Me Too Brasil, mas com o escopo do RAN.

Assim, durante a pandemia, lancei o Me Too Brasil, inspirado no movimento americano, RAN. Nosso trabalho enquanto organização social é fazer a ponte entre a vítima e o equipamento público, focando no teleatendimento e acolhimento com uma equipe de psicólogos, assistência social e assessoria jurídica.

Fale um pouco sobre essa sua frente de trabalho como consultora.

Entre 2016 e 2017, participei de um workshop na Avon sobre violência contra a mulher que contava com uma metodologia internacional, e percebi que não havia algo semelhante no Brasil. Assim, propus criar uma versão brasileira do workshop, incluindo temas como raça, LGBTfobia e autocuidado, e a Avon aceitou. Essa oportunidade me levou a abrir minha própria empresa, a MG Consulting, e iniciar minha jornada como empreendedora. 

A consultoria é especializada em Design Instrucional e Compliance Cultural, abordando condutas inadequadas no ambiente de trabalho, incluindo assédio, discriminação e ética, alinhados às recentes leis brasileiras sobre segurança no trabalho. Oferecemos soluções para prevenção, encaminhamento e resposta a incidentes, incluindo uma variedade de produtos de treinamento, com conteúdo, workshops presenciais e canais de denúncias, bem como suporte psicológico para as vítimas. 

No que diz respeito à gestão de crises, fornecemos serviços de investigação externa imparcial para empresas que enfrentam denúncias graves, focando na melhoria do ambiente de trabalho e na qualidade de vida dos funcionários, o que, por sua vez, aumenta a produtividade e inovação da equipe. 

Nossa abordagem de interseccionalidade, com uma equipe diversificada, incluindo pessoas negras, LGBTQIAP+ e sobreviventes de violência sexual, é inovadora no mercado. Além do suporte psicológico, fornecemos orientações legais sob demanda para parceiros que buscam soluções específicas para questões complexas, como medidas protetivas ou acesso a serviços públicos. 

De que forma as marcas podem ajudar no combate à violência contra mulher e como eles podem comunicar essas iniciativas de forma efetiva? 

Para iniciar um debate significativo sobre inclusão e diversidade, é crucial começar olhando para dentro da empresa. Não basta apenas realizar campanhas sazonais: é essencial criar um ambiente inclusivo e educar os funcionários sobre temas como identidade de gênero e orientação sexual. Realizar um censo de diversidade interno é o primeiro passo, permitindo identificar lacunas e entender a composição da equipe em termos de gênero, raça, orientação sexual e responsabilidades familiares. 

Ao criar campanhas de comunicação, é vital envolver uma equipe diversificada que represente diferentes perspectivas. Evitar campanhas construídas exclusivamente por um grupo homogêneo, pois isso pode resultar em mensagens desconectadas e insensíveis. Empresas devem se envolver com especialistas em diversidade e inclusão, e considerar aderir a iniciativas como o Pacto Global da ONU Brasil para orientação e apoio nesse processo. 

A transformação cultural e de mindset é gradual, mas altamente rentável. Discriminação e assédio não apenas prejudicam os indivíduos envolvidos, mas também representam prejuízos significativos para a empresa e sua reputação. Portanto, investir em inclusão é um passo fundamental para o sucesso a longo prazo. 

Por fim, indique três filmes, séries ou livros que você recomenda para quem quer entender o contexto da violência contra a mulher.

Recomendo fortemente o documentário “The Mask You Live In”, disponível na Netflix, que explora questões relacionadas à masculinidade. Para as mulheres, sugiro o livro “Você Já É Feminista! Abra este livro e descubra o porquê”, com textos de Nana Queiroz e de outras autoras, que desmistifica o feminismo.  

Para os homens, há um recurso útil chamado “Como Conversar com Homens sobre Violência contra as Mulheres”, disponível online, e uma segunda edição está sendo lançada em breve com a participação do Me Too Brasil e financiamento da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Esses materiais são valiosos para entender e dialogar sobre questões de gênero. 

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