Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

“Não se deve chorar pelo leite derramado”, costumavam dizer os mais
antigos. Porque seria inútil. E porque – estava implícito – o
necessário seria mudar de atitudes, adotar caminhos adequados para que
os problemas não se repetissem. Parece ser uma boa lição diante dos
graves acontecimentos na área dos desastres provocados nas últimas
semanas em várias partes do Sudeste, principalmente por mudanças
climáticas, chuvas intensas. Em Capivari foram 151 milímetros (ou 151
litros de água por metro quadrado de solo) em 90 minutos; em São
Paulo, na última segunda-feira, 73 milímetros; em Angra dos Reis, São
Luís do Paraitinga e outros lugares, mais dilúvios. Nada ainda
parecido com o que houve em Blumenau em 2008, com mais de 800
milímetros de chuvas em único dia (800 litros de água por metro
quadrado de solo). São os chamados eventos extremos, para os quais o
Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) tem chamado
insistentemente a atenção: eles são uma característica dos novos
tempos, com o aquecimento da temperatura planetária em razão da
concentração de gases emitidos em vários setores da atividade humana.

A lição a tirar – tantas vezes repetida neste espaço – é a de que não
nos preparamos para esses novos tempos, para os eventos extremos. Não
só continuamos a permitir a ocupação de áreas inadequadas (encostas e
topos de morros, principalmente, mas também áreas muito úmidas), como
quase nada temos feito para impedir a impermeabilização dos solos
urbanos e a redução da capacidade de fluxo dos rios – e com isso
favorecemos grandes enchentes. Mais grave, entretanto, é que não
conseguimos, apesar das evidências de urgência, formular políticas
adequadas não apenas de mitigação (redução de emissões), mas de
adaptação às novas condições climáticas, em muitas áreas.

Está claro que as regras para ocupação do solo em toda parte terão de
ser muito mais rigorosas – e isso inclui a revisão das autorização
legais ou de fato para ocupação. Angra dos Reis é um bom exemplo, com
3 mil casas em áreas de risco. Ou o Jardim Romano, em São Paulo, onde
se permitiu o parcelamento por grileiros de uma área que não deveria
ser ocupada – e agora não se sabe o que fazer com milhares de
famílias. Mas os próprios padrões urbanos de construção – seja de
moradias ou infraestruturas (pontes, viadutos, etc.) -, assim com os
padrões rodoviários, precisarão ser fortalecidos para pôr fim ao
espetáculo de ruptura de pontes e aterros, desmoronamento de pistas,
rompimento de barragens. Todos esses padrões obedecem às necessidades
e exigências de outros tempos em matéria de clima. E agora é preciso
mudar os critérios em cada município, em cada Estado, no País todo.
Para dar à população a certeza de que ela será protegida por
instituições competentes em cada lugar, em cada necessidade.

Mas não é só. Uma política de clima realmente abrangente e eficaz
precisa ter toda uma visão do avanço necessário em matéria de ciência
e tecnologia. Na atual crise em Angra dos Reis, cientistas do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) afirmaram haver
advertido as autoridades de que eventos graves estava próximos. Mas
isso não foi transformado em ação preventiva por quem deveria fazê-lo.
E agora ainda se adverte (texto de Herton Escobar neste jornal, em
5/1) que o satélite do qual o País mais dependia para previsão do
tempo foi desativado. Soma-se ao que já se sabia: a Região Sul do
País, uma das mais problemáticas em matéria de clima, está desprovida
de equipamentos capazes de avaliar fenômenos em águas oceânicas que
possam repercutir em terra. Seria muito temerário prosseguir nesse
rumo, diante das advertências do IPCC.

E ainda há um capítulo suplementar. No auge da crise em Angra dos
Reis, chegou-se a interditar a Rodovia Rio-Santos, que, além de suas
funções na área dos transportes, tem papel fundamental nos planos de
evacuação populacional em caso de acidentes ou ameaças nas usinas
nucleares Angra 1 e 2. E o prefeito do município pediu à Eletronuclear
o desligamento das duas usinas, como medida preventiva. A
Eletronuclear, entretanto, considerou desnecessário o desligamento. E
as autoridades da área do transporte rodoviário autorizaram a
reabertura da rodovia. Tudo isso num lugar em que relatórios de
avaliação têm considerado problemáticas as possibilidades de
evacuação, em caso de emergência. E onde já existe, sepultado, um
laboratório de estudos ambientais. Com toda a certeza o ministro do
Meio Ambiente, Carlos Minc, conhece os problemas e os riscos, uma vez
que a insegurança das usinas foi tema constante de suas campanhas
eleitorais ao longo de décadas – embora, como ministro, tenha, ele
mesmo, licenciado a implantação de Angra 3. Tudo isso deveria ser
repensado.

A resistência oficial brasileira a transformações e avanços na área do
clima não é de hoje. Durante a discussão da Agenda 21 brasileira, na
respectiva comissão, durante o governo federal anterior, o autor
destas linhas chegou a propor que se criasse um capítulo sobre o
clima, dada a gravidade da situação e o fato de o País ser signatário
da convenção de 1992. A resistência do representante do Itamaraty –
que alegava ser o tema “privativo” de seu Ministério e da área de
segurança nacional -, entretanto, levou a que a discussão não fosse
adiante. No início do atual governo, quando foi reformulada a comissão
da Agenda 21, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC) indicou o autor destas linhas para representá-la naquele órgão.
De novo foi apresentada a proposta de feitura de um capítulo sobre
clima para ser adicionado à Agenda. A proposta foi aprovada. Mas
nenhum passo concreto foi dado nos anos seguintes – o que levou este
escrita a pedir à SBPC que o substituísse na comissão.

Não se pode continuar assim. É imprescindível olhar para o céu,
clarear o horizonte. Para não ter de chorar pelo leite derramado.

Washington Novaes é jornalista E-mail: wlrnovaes{at}uol.com.br

Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo.

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