Daniela Klaiman, CEO da FutureFuture, fala sobre como geração Z e novos hábitos estão redefinindo o que é liberdade e aposentando as baladas como símbolo de transgressão e diversão.
A madrugada está em declínio, e isso diz muito sobre o presente (e o futuro) das grandes cidades e dos consumidores. Sobretudo após a pandemia, o que antes era sinônimo de liberdade, rebeldia e descobertas vem perdendo força diante de transformações culturais. Isso é o que conclui Daniela Klaiman, CEO da consultoria FutureFuture e uma referência em futurismo no Brasil e na América Latina, em estudo recente sobre o tema, “A Morte Lenta das Madrugadas Urbanas”,
Segundo a consultora, ao contrário das outras gerações de jovens, a geração Z não precisa mais da vida noturna para afirmar sua identidade. O álcool perdeu espaço. As pessoas não se sentem mais seguras durante a noite no Brasil. E a combinação de streaming, redes sociais e delivery tornou irresistível a ideia de ficar em casa.
Daniela Klaiman, CEO da consultoria FutureFuture (Crédito: Divulgação)
Para entender como essa mudança de comportamento afeta desde os hábitos urbanos até as estratégias das marcas, conversamos com Daniela, que explica por que o declínio das baladas noturnas e de madrugada não é uma moda passageira e aponta novos comportamentos, tendências e caminhos possíveis frente à ascensão da cultura do dia.
Meio & Mensagem – Quando você começou a perceber o movimento de desinteresse pela madrugada nas grandes cidades?
Daniela Klaiman – Primeiro, acho que esse movimento não é novo e inédito. Não está acontecendo apenas neste momento. Começou com um comportamento diferente da geração Z. Antes, as outras gerações não tinham tanta privacidade. A mãe podia escutar o filho conversando no telefone do outro lado da linha, por exemplo. Até a geração millennial, o universo dos jovens era o quarto deles. Tudo acontecia naquele lugar. As paqueras, por exemplo, estavam no pôster dentro do armário. Tudo era mais escondido dos pais. Eles faziam piercing e tatuagem escondidos, e a noite era realmente o momento de viver a liberdade de ser quem se era, porque era quando os pais não estavam presentes. A noite era quando tudo podia, representava uma liberdade maior. E tudo isso foi sendo substituído, obviamente, quando os jovens da geração Z não precisavam mais dessa liberdade física que a noite trazia para poderem ser quem eles eram. A partir do momento em que eles têm os celulares, as redes sociais e a conexão com a internet, tudo deles passa a estar no celular, independentemente do lugar físico. A liberdade deles está lá: o pornô, os casinhos, os nudes e as conversas que ninguém pode ouvir. Eles ganharam essa privacidade e liberdade dos pais de uma forma não física, e isso mudou o significado da noite. Não é uma grande novidade, já estamos identificando esses sinais há bastante tempo, mas estamos vendo muitos efeitos disso a partir de agora, pois essa tendência desceu para o mercado e para os números.
M&M – E o que faz desse hábito uma tendência? O que faz um movimento deixar de ser um comportamento isolado ou modismo e se tornar algo sólido?
Daniela – O que faz isso se tornar uma tendência agora é que o Covid veio e acabou intensificando esse hábito de as pessoas ficarem mais isoladas, trancadas em casa, e perderem um pouco o hábito de sair. Obviamente, a pandemia também afetou muitos negócios, então diversos bares e casas noturnas tiveram que fechar, porque ficaram muito tempo sem receitas e não conseguiram se recuperar. Então, o Covid realmente intensificou o número de fechamentos desses lugares, mas eles também fecharam por falta de frequentadores.
Sobre o motivo de as pessoas perderem o hábito de sair, foi uma convergência de muitos fatores. O primeiro deles é que o consumo de álcool vem caindo bastante, e ele está muito conectado ao ambiente da noite, de se soltar, se jogar e se desinibir. Com essa queda, a noite deixa de ser tão necessária assim. Também há uma questão de segurança, principalmente nas grandes cidades, o que é muito sério. As pessoas não podem mais andar com o celular nas mãos em grande parte das metrópoles do Brasil, por exemplo. As mulheres têm medo de sair à noite. E, claro, estamos com um poder aquisitivo menor. Estamos vivendo um momento de crise econômica, ainda em recuperação da pandemia, então as pessoas têm menos dinheiro e a inflação está muito alta. Elas não têm como gastar com coisas que não são necessárias, e talvez a noite entre como um supérfluo nesse caso.
E aí vêm as redes sociais, que fazem com que as pessoas continuem se encontrando e se relacionando à distância. Além disso, o universo do streaming e do delivery também são importantes nesse sentido. Se antes eu precisava sair de casa para me divertir, comer e encontrar outras pessoas, agora eu trago isso para dentro da minha casa. Posso me juntar com as pessoas na minha casa, ou na casa de alguém, assistir um streaming e trazer a comida que eu quiser no delivery. E tudo isso traz uma conveniência muito grande que faz com que eu, de repente, tenha preguiça de sair. Além disso, há ainda a nova geração, como disse, que realmente tem hábitos diferentes, então tudo isso acaba impulsionando essa grande tendência, que é uma imensa transformação na noite.
M&M – Festivais e shows ainda são muito fortes no Brasil. Como fica a relação dos brasileiros com esses eventos nesse contexto?
Daniela – Os festivais continuam fortes, mas acho que têm mudado um pouco de perfil. Os imensos festivais acabam sendo desvalorizados nesse contexto, devido ao preço dos ingressos e do line-up. Hoje, vemos line-ups dos grandes festivais com ídolos antigos. Green Day, Alanis Morissette… todos eram sucessos entre as gerações anteriores, e não tanto com a geração Z, porque eles não têm grana para pagar esses festivais. Eles frequentam menos festivais grandes. Provavelmente, veremos uma grande mudança de perfil dos festivais também, que vão deixar de ser gigantescos. Começamos a ver os microfestivais ganhando força nesse contexto. Veremos festivais menores se consolidarem, com públicos que se conhecem mais. Neles, nos conectaremos mais e gastaremos menos.
Mas festivais já têm mudado de perfil em relação a horários há um bom tempo. Por mais que eles continuem existindo, já fazem uns bons 10 anos que começam e terminam mais cedo. Antes, íamos para um festival muito tarde e terminava por volta de 3 da manhã. Agora, todos começam de tarde, logo depois do almoço, e terminam por volta de 10, 11 da noite. Então, vemos esse efeito do fim da noite nos próprios festivais, apesar de estarem acontecendo com frequência.
M&M – Que segmentos são mais afetados por esta tendência e que formatos de experiência as marcas devem explorar agora?
Daniela – O fim da vida noturna afeta diversos segmentos. Obviamente, o primeiro é o de bebida alcoólica. O consumo de álcool pode ter caído, mas aumentou muito o consumo de drogas ilícitas, então não é como se as pessoas estivessem bem emocionalmente, elas estão péssimas e fazendo uma certa troca. Nesse sentido, todo o mercado de wellness pode ser muito impulsionado pelas marcas. Já o mercado de ressaca deve mudar muito, assim como o universo de caronas e táxis que circulavam à noite. Quase não há mais estabelecimentos que ficam abertos 24 horas por dia em grandes cidades, dentro e fora do Brasil. Antes, os cafés, lanchonetes, temakerias e grandes mercados não fechavam. Agora, nada mais disso acontece. Mal conseguimos achar uma farmácia 24 horas disponível, porque as pessoas realmente não estão mais saindo de madrugada.
Isso muda a forma de falar. Quando pensamos em campanha, o que mais muda é o que representa a liberdade para os consumidores. Ela não é mais uma questão física de estar sozinha, de se jogar, de ir para os extremos nesse lugar da noite. Muitas campanhas de pastas de dente, balas e álcool aconteciam dentro da balada, à noite, e isso não traz mais aquela sensação de liberdade.
M&M – A crise da madrugada cria espaço para novas formas de cultura urbana? Você já tem algo mapeado nesse sentido? Como marcas podem antecipar e apoiar esses novos movimentos?
Daniela – Acho que vamos, sim, ver movimentos acontecendo mais durante o dia, mas não precisa ser só a rave do café. Essa é uma microtendência, não vai ficar aí pra sempre, é algo muito rápido. Serão diversos formatos, não haverá um único. Veremos mais coisas durante o dia, durante a manhã, então wellness vai aparecer mais, talvez mais conectada a questões emocionais, de saúde e de esportes. Possivelmente haverá tentativas de promover ações em real life, para sair um pouquinho das telas. Também veremos os horários dos eventos tradicionalmente noturnos ficando mais cedo, como falei.
>Lá na frente, no entanto, diante do aquecimento global, vai ficar muito quente durante o dia, então talvez a gente tenha que voltar a fazer as coisas à noite por causa do calor. Acho que não será uma coisa tão imediata ainda, mas uma grande tendência que veremos. Ou seja, talvez a gente tenha que povoar mais a noite novamente, o que vai ser interessante. Mas, provavelmente, vai ser uma noite com outras características desta que está em declínio daqui para frente. Dessa balada forte e extrema conectada à ideia de liberdade, juventude e revolta para se mostrar quem se é e colocar a personalidade pra fora. Vai ser uma coisa bem diferente. Por enquanto, acho que ainda vamos explorar muito mais o dia e todas essas programações possíveis.
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