A ausência de um político capaz de externalizar as vantagens brasileiras no meio ambiente, e de se comprometer com preservação, afasta o Brasil de uma indústria que deve movimentar US$ 30 trilhões no mundo.
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Foi em junho de 1992 que a capital brasileira, ao menos por um breve período, voltou ao Rio de Janeiro.
O gesto, feito pelo carioca e então presidente Fernando Collor de Melo, visava demonstrar a importância que o governo atribuía a Eco92, a conferência do clima organizada pelas Nações Unidas que reuniria 178 países.
A cúpula do clima se iniciaria em 3 de junho, 2 dias após a abertura do processo de impeachment que derrubaria Collor, e serviria, ao menos na visão do próprio presidente, para reforçar sua visão como estadista.
A despeito da gestão trágica na economia, como o confisco de US$ 100 bilhões da poupança, a gestão de Collor foi relativamente bem sucedida no campo da política. Durante a gestão Collor, iniciamos o Mercosul, colocamos uma pá de cal sobre o projeto nuclear paralelo e assinamos o tratado de não proliferação de armas nucleares.
Foi no meio ambiente, porém, que o país encontrou uma melhor maneira de reabilitar sua imagem enfraquecida após anos de ditadura e desrespeito de direitos humanos.
A Eco92, ou simplesmente Rio92, deixaria de legado a noção de “Desenvolvimento Sustentável”, muito antes de Wall Street se apaixonar pelo termo ESG.
Dali a 5 anos os princípios estabelecidos na convenção brasileira seriam ratificados, agora sob o nome de “Protocolo de Kyoto”.
Nesta mesma conferência, que seria marcada pela ausência dos Estados Unidos, então maior poluidor do planeta, ficaria estabelecida a criação dos chamados “créditos de carbono”.
Trata-se de um mercado onde poluidores pagariam aqueles que preservam e evitam poluição pelo direito de emitir os gases como CO2, uma medida importante para financiar a transição entre uma economia poluente e uma economia neutra.
Passadas quase três décadas desde que sediamos um evento do tipo, tivemos avanços tímidos, em especial quando comparados ao potencial do país.
Neste exato momento, uma nova conferência toma forma, com a promessa de que dessa vez os Estados Unidos devem se comprometer com resultados. Ainda que tenham perdido o posto de maior poluidor para a China, a presença americana é fundamental na medida em que isolaria a China caso se negue a participar. Trata-se de um equilíbrio complicado, mas importante.
A presença americana também é relevante sob o ponto de vista prático. O país, que reduziu suas emissões em cerca de 12% entre 2008 e 2018, sem com isso deixar de registrar crescimento econômico, é um polo central no desenvolvimento de tecnologias que garantam a transição de uma economia poluente para carbono neutro.
Tecnologia é, em essência, a chave para a evitar o pior em relação ao meio ambiente.
Em seu livro “Como evitar um desastre climático”, Bill Gates, um dos maiores nomes da história da tecnologia, expõe em números o tamanho dos desafios pelos quais teremos de passar ao longo das próximas décadas.
Entre suas diversas ideias, estão a energia nuclear, que a despeito de menos poluente e causar menos fatalidades, sofre enorme rejeição política, além do incentivo a uma dieta com menos carne, ou carne à base de plantas.
Gates explora todo o potencial tecnológico americano, como carros elétricos, mas seu centrismo no papel de liderança americana ignora pontos relevantes ao redor do planeta. E é justamente aí que o Brasil deveria agir, tivéssemos uma boa liderança para tanto.
Enquanto o mundo se encanta com os feitos de Musk, o dono da Tesla, o Brasil discretamente possui alternativas mais práticas e testadas há meio século para reduzir o custo das emissões de CO2 na gasolina: o etanol.
Em 11 anos, a Tesla se vangloria de ter evitado 3,7 milhões de toneladas de carbono. Apenas no ano passado a Raízen, fabricante de etanol do grupo Cosan, evitou 5,2 milhões de toneladas.
E aqui, mais uma vez, falta um bom vendedor para insistir no produto brasileiro.
Um hectare de cana-de-açúcar produz em média 7 mil litros de combustível, contra 2,3 mil de um hectare de milho, a base do etanol americano.
Em termos de eficiência, o etanol brasileiro reduz em 81% as emissões de CO2 por litro, contra 35-40% do etanol de milho.
Para piorar, o aumento de produção de etanol de milho implicaria uma alta em uma commodity que está entre as mais relevantes na base da alimentação humana e animal.
De fato, até tentamos emplacar esta como uma grande contribuição brasileira, mais especificamente, no início deste século.
Expandimos os investimentos no setor enquanto o preço do barril de petróleo disparou. Tivemos uma enorme expansão de capacidade produtiva, e boas intenções de compra por parte de outros países.
No meio do caminho, porém, encontramos o pré-sal, além de garantir subsídio à gasolina. O resultado foi uma falência quase generalizada no setor, capaz de fazer do Brasil, que possui o produto mais competitivo, produzir apenas metade do que produzem os Estados Unidos.
Exportamos hoje míseros 500 milhões de litros de etanol, menos de 3% da produção nacional.
E este é apenas um exemplo de contribuição que poderíamos dar aos anseios por tecnologia e respostas ao clima, e que terminamos por auto-sabotar.
Em termos de matriz energética, nenhum outro país possui tamanha capacidade hídrica explorada. Temos geração de energia limpa e barata, que garante uma oferta menos poluente, e em nada capitalizamos isso nas discussões climáticas.
A preservação da maior floresta tropical do planeta é outro ponto fundamental nessa discussão.
Somos o 6º maior emissor de gases do efeito estufa no mundo, e 51% disso decorre do uso do solo, como desmatamento.
Da Amazônia ao Cerrado, a maneira como o Brasil utiliza suas terras é, de longe, o maior problema do país em relação às mudanças climáticas.
E neste caso, trata-se de algo que envolve governo e empresas. Da parte das empresas, as mudanças estão ficando cada vez mais nítidas.
Nesta semana, por exemplo, a Via Varejo (VVAR3) fez a segunda emissão de títulos atrelados à chamada ESG (Meio-Ambiente, Social e Governança), uma sigla que resume práticas sociais e ambientais para empresas, e que tem guiado trilhões de dólares em investimentos no planeta (US$ 30 trilhões para ser mais preciso).
Mesmo empresas com governança questionável, como a JBS (JBSS3), lutam para se enquadrar nessas normas, por meio de maior fiscalização da origem dos bois que a empresa abate.
Da parte do governo, há um claro vácuo político, ou pior, ações completamente destrambelhadas, como quando Jair Bolsonaro achou que seria uma boa maneira de iniciar uma conversa dizer ao ex vice-presidente americano Al Gore que o Brasil tinha interesse em explorar mineração na Amazônia com os EUA (não há registro de em qual versão do multiverso essa seria uma boa escolha de conversa com um político ambientalista).
Temos bons exemplos, como a preservação de ao menos 30% das propriedades por parte de agricultores previstos em lei.
O que falta é justamente uma política externa capaz de verbalizar isso, como adultos.
Veja, há pelo menos três séculos, desde que Adam Smith escreveu a Teoria dos Sentimentos Morais, sabemos que seres humanos pensam no bem que uma boa ação faz a si mesmos antes de praticar tal ação. São os chamados “incentivos”, algo que guia praticamente todos os seres humanos.
Nenhuma empresa faz doações por desapego material, ou investe em boas práticas porque isso garante conforto na hora de dormir, e tudo bem. Da mesma maneira, nenhum político está interessado em “salvar a humanidade”, e é ótimo que seja assim.
É melhor confiar em algo palpável e que pode ser medido e projetado, como incentivos, do que em algo subjetivo como o amor à humanidade.
Quando falamos de meio ambiente a situação é praticamente a mesma. Os Estados Unidos entraram na mesa de negociação no momento em que ficou claro que este é um setor fundamental para garantir crescimento econômico futuro.
Joe Biden deve lançar o mais ambicioso plano econômico dos Estados Unidos desde o New Deal pós crash de 1929, com foco justamente em ações ambientais.
Sem entrar no jogo, o Brasil pode continuar sofrendo prejuízos, deixando de receber investimentos importantes em um momento de fragilidade econômica e social.
Um claro exemplo de como o meio ambiente, e a visão que projetamos dele, pode impactar nossa situação, foi a fala do presidente francês Emmanuel Macron, que utilizou o desleixo do governo brasileiro em relação à Amazônia para retardar o acordo entre o Mercosul e a União Europeia.
É bastante possível que Macron sequer saiba localizar a Amazônia no mapa, ainda que a França tenha seu pedaço de floresta amazônica, mas o caso serviu para garantir os interesses de agricultores franceses que veem uma ameaça no acordo entre os dois blocos econômicos.
Um governo capaz de verbalizar e se comprometer com ações práticas de preservação ambiental, sem teorias, é parte fundamental para melhorar a imagem do país neste campo.
Sem isso, continuamos perdendo oportunidades e deixando cada vez mais claro que a ideia de “país do futuro” nunca passou de uma miragem.
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