Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Fonte:|riotintopb.blogspot.com|
Ademilson José

Apesar de ter emprego, moradia e comida a baixos preços e muito lazer e entretenimento oferecidos gratuitamente pelos seus patrões, foi sob muita pressão, sujeição e temor que viveu a comunidade operária de Rio Tinto, nas primeiras décadas de sua formação, mais precisamente entre 1918 (quando a fábrica começou a ser fundada) e a década de 60 (quando os vigias da empresa deixaram de fazer ou de se infiltrar no policiamento local).
E isso se deu porque, para instalar a Companhia de Tecidos Rio Tinto (CTRT), os Lundgren foram beneficiados com uma isenção fiscal de 25 asnos, concedida pelo então governador da Paraíba, Camilo de Holanda e aprovada pela Assembléia Legislativa. Na contrapartida, no entanto, ficou estabelecido que a fábrica deveria se responsabilizar pelos serviços de educação, saúde e segurança pública da vila operária e da população. Eis o começo da desgraça social e de toda confusão.
É que, para fazer a segurança da população, a fábrica constituiu uma milícia privada que, seja cumprindo ordens ou à revelia dos seus chefes, cometeu os mais diversos tipos de desmandos na comunidade, proporcionando assim um regime de arbitrariedades que perdurou por mais três décadas na região.
A milícia era sempre constituída de homens truculentos e, no mais das vezes, analfabetos ou semi-analfabetos que não tinham conhecimento para o exercício de outras funções (tecelões, mecânicos, etc.) e muitas de suas ações foram tão trágicas que ainda hoje fazem parte das péssimas lembranças de antigos operários e de boa parte da população.
Em 1922, por exemplo, dois anos antes de a fábrica ser inaugurada, a vítima mais conhecida da milícia privada de Rio Tinto foi o embarcadiço Francisco Mendes. Após derramar, acidentalmente, uma xícara de café num restaurante, Chico Mendes recebeu voz de prisão e a reação dos vigias da fábrica ilustra bem o que era Rio Tinto naqueles tempos:



“Chega de conversa! Toca pra frente e vamos para
o Quarto 14. É lá que queremos conversar com você...!!!
O citado quarto era justamente o matadouro oficial,
e o Mendes bem sabia disso. Dizem que daquele quarto,
jamais escapou um só...”.

O relato é do escritor João Batista Fernandes em “O Pai do Vento”, página 181, último dos quatro livros que o escritor escreveu e lançou sobre a cidade de Rio Tinto. Chico Mendes, segundo Batista Fernandes, nem chegou ao tal “Quarto 14”. Depois de lutar por quase uma hora com o grupo de vigias na rua que hoje ainda tem o nome de Mangueira, o embarcadiço foi atingido por um tiro de rifle na nuca e tombou morto, a cerca de trinta metros do portão da companhia.
A comunidade vivia sob um clima tão pesado que exploração do trabalhador e abusos trabalhistas (demissão, perseguição, etc) praticamente não representavam nada. Eram um mal menor.
E esse clima de “patrão do terror” versus “operários do medo” não vingou somente durante os anos que a segurança esteve a cargo da companhia. Tanto é assim que, mesmo depois de o Estado ter assumido os serviços de segurança, pelos anos 40, 50 e até 60, como responsáveis ou infiltrados nos serviços de segurança da comunidade, os vigias da fábrica ainda haveriam de cometer muitas barbaridades iguais ou bem parecidas com àquela que vitimou Chico Mendes.
Prova disso foi o que se constatou em 1949 no rumoroso “Caso de Capim Azul”, registrado da página 171 a 180 do mesmo livro de João Batista Fernandes. Dois viajantes que visitavam Rio Tinto foram presos, seqüestrados e trucidados até a morte perto de Mataraca, numa comunidade conhecida por Capim Azul. E dos cinco homens que estavam com o Tenente Serpa (então delegado de Rio Tinto), dois eram vigias e um outro era motorista que, na “operação”, dirigia um caminhão de propriedade da fábrica.
Os exemplos acima citados e inúmeros outros que marcaram o doloroso e sangrento processo de formação sócio-industrial de Rio Tinto, constituem o período que a população da cidade, especialmente os moradores mais antigos, ainda costumam chamar hoje de “Tempo da Morosa”.
A palavra “morosa” – que significa indisposição para o trabalho, preguiça, lomba -, chegou aos setores da fábrica através dos seus donos e diretores, que não admitiam ver um operário parado no horário de trabalho. Quem fosse pego na morosa ou se demorando demais no banheiro, por exemplo, levava bordoada ou era posto no olho da rua. Era assim que, pelos corredores e até mesmo pelos sanitários, alguns chefes de setores, vigias e diretores da fábrica sempre abordavam os operários.
E além do “Quarto 14”, espécie de tribunal dos vigias da fábrica, antigos operários e moradores falam ainda hoje também de outros locais e expedientes de punição e tortura, Entre estes se inclui o conhecido “Cacimbão da Mata do Burro”, onde trabalhadores e/ou moradores “desobedientes” teriam desaparecido, jogados que foram nas caladas da noite. No dia seguinte, os “capatazes” da fábrica se encarregavam de explicar a quem perguntasse que o “operário desaparecido” havia ido embora, trabalhar e morar noutro lugar.
Na parte interna da fábrica, esse mandonismo era assumido por qualquer diretor da empresa, mas na parte externa, no que funcionava como milícia privada responsável pela segurança da vila, o comando esteve no começo com o senhor Apolônio Sales e, numa segunda fase, por Ornilo Costa. O chamado Quarto 14, citado em mais de um livro de Batista Fernandes, funcionava num cubículo que ficava ali por detrás da antiga loja de Seu Quinca, numa das esquina da Rua da Mangueira.

CORONELISMO URBANO

Sob a justificativa de que dava emprego, moradia, comida barata, educação, saúde, segurança, lazer e que se constituía em uma verdadeira “mãezona” dos operários e de suas famílias, a fábrica, seus diretores e seus vigias é que estabeleciam as leis e os horários do lugar. Em Rio Tinto, que virou cidade a 6 de dezembro de 1956, o clima era assim, principalmente, nos anos eleitorais, já que, desde quando havia se estabelecido na região, a fábrica também disputava com os usineiros Fernandes de Lima, do vizinho município de Mamanguape, a hegemonia política da região.
O caso de Rio Tinto, que caracteriza aspectos de “coronelismo rural” transportado para um contexto urbano, é exemplificado e explicado em vários livros de sociólogos brasileiros, entre os quais podemos destacar o professor Sérgio Buarque de Holanda. Está na página 48 de “Raízes do Brasil”:

“A autoridade do proprietário de terras não sofria
réplica. Tudo se fazia consoante a sua vontade,
muitas vezes caprichosa e despótica”.



Outro exemplo digno de citação está na página 55 do livro “A Paraíba Republicana – Estrutura de Poder na Paraíba (1889-1945)”, das professoras Rosa Maria Godoy Silveira e Eliete de Queiroz Gurjão podemos encontrar não só registros como também algumas das razões que explicam o estabelecimento, naquele período, do “coronelismo” em toda a região:

“Nos municípios... o prestígio do coronel evoluiu na
razão direta de sua capacidade de fazer favores
(dar emprego, ceder terras, dar proteção policial,
facilitar assistência médico-hospitalar, etc),
e aplicar atos de violência sempre que julgasse
necessário”.



Em um outro momento, o mesmo livro faz referências também ao problema das isenções fiscais. Elas não se referem objetivamente a Rio Tinto, mas vale enfatizar porque, pelo visto, naquele período, pareciam ser algo corriqueiro na política administrativa estadual. A citação está nas páginas 37/38 e relata o seguinte:

“A Lei número 34 de março de 1896 autorizava o
presidente (no caso, o governador do Estado) a subvencionar,
por meio da emissão de apólices, o estabelecimento de uma
usina do Vale do Mamanguape e outra no Vale do Camaratuba...
...Tal apoio do Estado se ateve à isenção fiscal ”.

Tais medidas geraram um dilema. É que, através delas, além de se omitir de suas obrigações, o Governo do Estado fazia de conta que criava incentivos para o desenvolvimento regional, e os empresários, por sua vez, faziam de conta que cumpriam os compromissos assumidos em termos de segurança para a população.
E isso não porque não soubessem ou não quisessem, mas pela própria maneira de ser do patronato, sempre mais voltado à exploração e ao objetivo do maior lucro, do que a um trabalho de preocupação com a humanização das relações de trabalho. Prova disso está na página 149 dos “Manuscritos Econômicos e Filosóficos”, de Karl Marx:



A propriedade privada não sabe transformar a
necessidade básica em necessidade humana; o seu
idealismo é a ilusão, o capricho, a extravagância”.



Mas o pior disso tudo é que, apesar de se preocupar muito com o crescimento dos seus negócios, assentada no contexto do coroneslimo “...a indústria não prospera, não eleva seus padrões técnicos e tem de apelar, continuamente, para a proteção oficial”, enfatiza Victor Nunes Leal, na página 258 do livro Coronelismo, Enxada e Voto – O Município e o Regime Representativo no Brasil.
Prosperando ou não, quando a realidade é de dominação a tendência do empregador é procurar se impor totalmente, nesse caso, não apenas no sentido de explorar, como também no de procurar manipular, adestrar e moldar o trabalhador aos regimes e regras de convivência sociais que lhe convém.
E o resultado disso, como se pode imaginar, é o trabalhador transformado em máquina ou numa mercadoria qualquer. E, desse aspecto, quem também trata muito bem é Michel Foucault, a começar das considerações que reproduzimos abaixo e que estão da página 118 a 119, do livro “Vigiar e Punir”:

“O homem máquina... ...é, ao mesmo tempo, uma redução
materialista da alma e uma teoria geral do adestramento,
no centro dos quais reina a noção de docilidade que une
ao corpo analisável o corpo manipulável...” “...Esses
métodos que permitem o controle minucioso das operações
do corpo, que realizam a sujeição constante de suas
forças, e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade,
são o que podemos chamar as disciplinas...” “...A disciplina
fabrica assim corpos submissos e excitados, corpos dóceis.
A disciplina aumenta as formas do corpo (em termos
econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças
(em termos políticos de obediência)”.



Mas como já ficou especificado desde o começo, o caso em questão não enseja somente o aspecto do controle do trabalhador e da vila operária, mas também as formas e as maneiras de punições que vêm como conseqüência e que também são tratadas mais adiante pelo mesmo Michel Foucault:



“Na essência de todos os sistemas disciplinares, funciona
um pequeno mecanismo penal. É beneficiado por uma
espécie de privilégio de justiça, com suas leis próprias,
seus delitos especificados, suas formas particulares de sanção,
suas instâncias de julgamento. As disciplinas estabelecem
uma infrapenalidade; quadriculam um espaço
deixado vazio pelas leis; qualificam e reprimem um conjunto de
comportamento que escapava aos grandes sistemas de
castigo por sua relativa indiferença”.



OMISSÕES HISTÓRICAS



Estas observações de Foucault, registradas na página 149 do mesmo livro, nos remetem, inclusive à lembrança do citado “Quarto 14”, local para onde a milícia privada da fábrica de Rio Tinto costumava levar suas vítimas. Já foram vários os livros lançados sobre Rio Tinto e o Vale do Mamanguape em geral, mas, de certa forma, é lastimável, que, apesar das citações de João Batista Fernandes, nenhum deles tenha se dedicado com afinco ao estudo dessa realidade de truculência.
Ao contrário disso, até hoje o que tem ocorrido é uma tentativa de se acobertar tal realidade, trocando-a pela chamada “Era da Fartura”, forma como os Lundgren gostavam que Rio Tinto fosse visto pelo resto da Paraíba, do Brasil e até do mundo.
É verdade que existia uma fartura de emprego e de comida – prova disso era o “Balcão” onde os operários compravam alimentos de primeira necessidade a preço de custo -, mas é verdade também que isso tinha um preço.
O mandonismo imperava e, a exemplo de muitas usinas da região, na relação empresa-comunidade, o tratamento era de choque e de choque permanente. Como se pode perceber nesse pequeno apanhado de dados que nos demos ao trabalho de fazer, não existia uma relação normal de domínio e de poder. Não eram apenas os donos da fábrica que, às vezes, abusavam e extrapolavam na sua relação com a vila operária.
Além deles, em nome da segurança pública e até mesmo da paz social, todo um aparato de subalternos e de “ignorantes mais realistas do que o rei” fez e desfez o que bem quis durante muito tempo.
Em sendo assim, da sua fundação até meados dos anos 60, além de debaixo dos chicotes administrativos e trabalhistas dos Lundgren, Rio Tinto também esteve sob o domínio de uma milícia truculenta e nefasta, e foi por isso que, ao invés de vila ou cidade, também tomamos a iniciativa de denominar aqui de A República dos Vigias.

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Comentário de Sam de Mattos em 17 março 2011 às 16:38

LUIS BENTO - Parabens pelos seus comentarios, por por as coisas em perspectiva historica e por esfregar as nossas caras na realidade de um presente - em muitos aspectos - ainda pior. Parabens. SdM

Comentário de Carlos Roberto Araújo Daniel em 17 março 2011 às 16:04
Concordo, e foi exatamente isto que tentei dizer, a violência hoje é camuflada em forma de bolsas famílias e similares.
Comentário de Carlos Roberto Araújo Daniel em 17 março 2011 às 13:35
Mudaram os atores, mudaram as práticas, mas cabe uma pergunta, será que a maneira como hoje não só os pobres, são tratados, maltratados, humilhados e principalmente manipulados pela força política e desonesta do nosso país, não é tão cruel quanto? ou até mais mesquinha? Vale a pena meditar sobre o caso, não que os Lundgren's estivessem certos, mas, pelo menos algo davam em troca, e hoje? 
Comentário de Textile Industry em 17 março 2011 às 13:13
Sou testemunha das Preguiças, trabalhei lá no início dos anos 90 e elas ainda eram preservadas.
Comentário de Sam de Mattos em 17 março 2011 às 10:51

Lindo artigo socio-textil. Mais uma prova do Coronelisno do passado que ainda perdura em certas areas em 2011. E um dos nuitos tentaculos do PUDEH. A mais nova serpente na cabeca dessa Medusa e o Roubo em forma de Coorporacoes e multi nacionais. A nao ponham a culpa no Vaticano: Ai. ai, ai que

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