Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Apreensão de mercadoria e procedimentos de fiscalização aduaneira

artigo escrito por Kelly Martarello (*) e publicado no site @comexblog

Por: Interface

É muito comum na prática do comércio exterior, em especial nas operações de importação de mercadorias, a Receita Federal do Brasil apreender mercadorias dos importadores, realizando a retenção dos bens pelo prazo de até 180 dias, enquanto realiza a fiscalização da carga ou da empresa, medida esta que consideramos desproporcional e arbitrária, conforme argumentos adiante expostos.

Antes de adentrarmos no tema, vale esclarecer que os atos de retenção são decorrentes do poder-dever que os auditores fiscais aduaneiros possuem, como agentes da administração pública, de garantir a regularidade das transações internacionais, combater as fraudes no comércio internacional e fiscalizar o correto recebimento dos tributos nas operações de comércio exterior (art. 237 da Constituição Federal).

De modo a regulamentar as atividades de fiscalização aduaneira, a legislação previu as possibilidades de retenção das mercadorias importadas por meio do art. 68, da Medida Provisória 2.158-35/2001, o qual possui a seguinte redação: “Art. 68. Quando houver indícios de infração punível com a pena de perdimento, a mercadoria importada será retida pela Secretaria da Receita Federal, até que seja concluído o correspondente procedimento de fiscalização”.

A Receita Federal do Brasil, por sua vez, disciplinou os procedimentos de fiscalização, expedindo duas principais normas que regulamentam os procedimentos de fiscalização aduaneira.

a-) PECA – Instrução Normativa 1169/2011: procedimento de fiscalização aduaneira no qual é realizada a análise detalhada da carga, realizando a fiscalização daquela importação específica. Neste procedimento a carga poderá ficar retida pelo período de 90 dias, prorrogáveis por igual prazo, o que totaliza o prazo total de retenção de 180 dias (art. 5° e parágrafo único da IN RFB 1.169/11).

b-) PECA – Instrução Normativa 228/2002:  procedimento de fiscalização aduaneira no qual é fiscalizada a empresa, o qual destina-se a identificar e coibir as ações fraudulenta de interpostas pessoas em operações de comércio exterior. Neste procedimento de fiscalização todas as operações de importação que estiverem em curso ficarão retidas pela Receita Federal do Brasil pelo período de 180 dias, podendo ser desembaraçadas somente na hipótese de o importador prestar caução no valor aduaneiro das mercadorias.

Assim, verifica-se das normas acima citadas que as mercadorias ficarão retidas quando houver suspeitas de infrações puníveis com a pena de perdimento.

Neste ponto afigura-se a primeira ilegalidade a ser apontada em relação a estas retenções: meras suspeitas de irregularidades não podem autorizar a retenção cautelar de mercadorias, haja vista que é patente a desproporcionalidade do ato da retenção cautelar e a medida da expropriação provisória dos particulares.

Com efeito, a retenção cautelar das mercadorias revela-se medida administrativa excessiva concedida aos agentes de fiscalização, os quais tem o poder de determinar a retenção dos bens de particulares com base em “meras suspeitas”, sem que haja um conjunto probatório sólido para embasar estas presunções, o que contraria de modo flagrante os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, em especial, as garantias constitucionais da proporcionalidade, ampla defesa, devido processo legal e livre iniciativa econômica (art. 5, incisos LIV e LV e art. 170 da CR/88).

Pois, somente se afigura válida a retenção dos bens quando houver elementos que revelem um conjunto indiciário consistente das infrações aduaneiras, sendo, portanto, ilegal os procedimentos de fiscalização aduaneira embasados em meras suspeitas subjetivas dos agentes fiscais ou mesmo quando não possuírem a devida fundamentação do ato administrativo de retenção dos bens.

Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça afastou a pena de perdimento se não for embasada em conjunto probatório eficiente, decidindo o seguinte: “pena de perdimento de mercadorias importadas, quando decretada à base de presunções e suposições, não pode subsistir; não basta a prova de que a empresa vendedora das mercadorias atuava habitualmente no comércio de mercadorias descaminhadas, sendo imprescindível a prova de que aquelas apreendidas estavam nesse rol” (RESP 15/596/DF, Rel. AriDJU de 10/06/1996, pág. 20303).

Ademais, tal medida também viola o princípio da proporcionalidade dos atos administrativos, pois impõe ao contribuinte importador a penalidade antecipada de expropriação de seus bens por até 180 (cento e oitenta) dias, privando-o de vender/usar os seus bens, mesmo após já ter pago integralmente todos os tributos que incidem na operação, bem como o fornecedor estrangeiro.

Neste ponto, questiona-se: e se ao final do procedimento de fiscalização aduaneira ficar constatado que o importador não cometeu nenhuma irregularidade? Como a Fazenda irá pagar o prejuízo ao contribuinte pelas despesas geradas pela retenção dos bens (demurrage, armazenagem, etc.), bem como os lucros cessantes pela venda que não se concretizou?

Diante destas premissas, conclui-se que a retenção dos bens pelos agentes fiscais aduaneiros pelo prazo de até 180 (cento e oitenta) dias, viola o princípio da proporcionalidade e da livre iniciativa econômica, eis que concede aos agentes fiscais uma margem muito grande de subjetividade na apreensão das mercadorias importadas, indisponibilizando bens privados e a circulação de riquezas.

Sem se falar que há uma clara desproporcionalidade entre a magnitude do interesse público garantido pela retenção cautelar e o grau de restrição dos direitos fundamentais do contribuinte, eis que poderia a autoridade aduaneira manejar instrumento de menor gravidade na esfera dos direitos fundamentais dos contribuintes, tornando da mesma forma eficaz o poder de polícia aduaneiro concedido aos agentes fiscais.

Aos contribuintes que forem penalizados com impedimento alfandegário que inviabilize suas atividades econômicas, podem e devem buscar as medidas judiciais pertinentes, de modo a cessar os atos administrativos desproporcionais e embasados em meros indícios.

(*) Kelly Martarello é advogada, especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de Curitiba (Unicuritiba) e UBA (Universidad de Buenos Aires) e Direito Aduaneiro e Comércio Exterior pela Univali (Universidade do Vale do Itajaí) e Direito Empresarial; pós graduada pela Escola da Magistratura do Paraná e curso de extensão em Processo Tributário pelo IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários). Experiência de 15 anos em consultoria e contencioso administrativo, judicial tributário e consultoria empresarial. Longa experiência em procedimentos de fiscalização federal, contencioso administrativo federal e investigação e aplicação de medidas de defesa comercial (antidumping). Email: kelly@martarelloadvogados.com.br

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