O Boletim Informativo Interface resgata artigo publicado por Flávia Guimarães Leardini - membro da Comissão de Estudos sobre Corrupção, Crimes Econômicos, Financeiros e Tributários do Iasp -, que foi originalmente ao ar em março deste ano no site Consultor Jurídico.
Ela critica e chama atenção para decisão do STF que não considerou quebra de dados o acesso a informações financeiros pela Receita Federal, "mas tão somente transferência de sigilo financeiro".
Confira a seguir.
Em tempos estranhos, de “tardes infelizes”, em que o garantidor da Constituição afasta direitos e garantias fundamentais, como a presunção de inocência e o direito ao sigilo financeiro, alguns pingos precisam ser colocados em alguns “is”.
No dia 24 de fevereiro, em mais uma tarde triste, o Supremo Tribuna Federal reconheceu como constitucional previsão legal contida na Lei Complementar 105/2001 que já conferia à Receita Federal autorização de acesso a dados cobertos pelo sigilo financeiro independentemente de decisão judicial.
Entendeu o STF, por maioria, em nome do “interesse público”, que o acesso a dados financeiros pela Receita Federal não acarreta quebra de dados (art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal), mas tão somente transferência de sigilo financeiro. E assim se relativizou mais uma garantia fundamental.
As decisões advindas do STF nas últimas semanas, ao invés de acalentarem o interesse público, no transcurso do tempo gerarão dúvidas e grandes preocupações. Afinal, qual outro direito e garantia fundamental será relativizado em seu nome?
Dentre as preocupações, uma bastante legítima se refere à guarda do sigilo das informações prestadas pelo contribuinte à Receita Federal e ao Banco Central do Brasil no âmbito da Lei 13.254/2016 – aquela que implantará um Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), recentemente sancionada pela presidente da República.
Apesar de muitos argumentos já terem sido anteriormente apresentados, cabe, neste momento, a análise quanto à possibilidade de o Ministério Público, com base na legislação atual, acessar ou não as informações constantes da denominada Declaração de Regularização Cambial e Tributária (Dercat) – termo utilizado pela Receita Federal na Consulta Pública 04/2016, publicada em 23/2/2016.
O artigo 4º, § 12, da Lei 13.254/2016, estabelece que a declaração de regularização não poderá ser, por qualquer modo, utilizada “como único indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou procedimento criminal” ou ainda “para fundamentar, direta ou indiretamente, qualquer procedimento administrativo de natureza tributária ou cambial em relação aos recursos dela constantes” — o que foi confirmado, como só haveria de ser, na mencionada Consulta Pública (texto ainda não definitivo, pois aguarda propostas de alterações).
Inaplicável, portanto, o artigo 1º do Decreto 2.730/1998; a Receita Federal não poderá encaminhar representação fiscal para fins penais ao Ministério Público, muito menos fornecer dados sigilosos sem prévia autorização judicial para fins penais.
Somado a este argumento, de forma ainda mais clara, a Lei 13.254/2016 determina que, na hipótese de exclusão do contribuinte do RERCT (art. 9º, § 2º), a instauração ou a continuidade de procedimentos quanto à origem dos ativos objeto de regularização, somente poderá ocorrer se houver evidências documentais não relacionadas à declaração do contribuinte. Portanto, mesmo diante da exclusão do contribuinte do Regime Especial, o Ministério Público não poderá ter acesso à declaração (Dercat).
Interessante e questionável, todavia, a Lei 13.254/2016 (art. 7º, §2º) veda à Receita Federal, ao Conselho Monetário Nacional, ao Banco Central do Brasil e aos demais órgãos públicos intervenientes do RERCT a divulgação ou o compartilhamento das informações prestadas pelos declarantes com os estados, o Distrito Federal e os municípios.
Quem são esses órgãos públicos intervenientes? Mesmo sem a certeza de quem são estes, um ponto há de ser esclarecido: a Lei não prevê explicitamente a intervenção do órgão público Ministério Público ou de qualquer outro pertencente à persecução penal, e esta não poderá se dar de forma implícita, em especial nesta seara.
É evidente que aqui não se defende um sigilo fiscal ou financeiro absoluto. A lei tenta assegurar ao contribuinte, conferindo maior segurança jurídica à adesão ao Regime Especial de Regularização, a impossibilidade de acesso dos órgãos de persecução penal às informações prestadas.
O Ministério Público, no entanto, poderá ter acesso à declaração do contribuinte por meio de quebra do sigilo, desde que demonstre indícios e elementos de provas preexistentes e os submeta à avaliação do Poder Judiciário.
Diferentemente da “transferência de sigilo”, a acusação tem o dever de demonstrar a necessidade e utilidade daquela medida extrema — quebra de sigilo —, tendo em vista a impossibilidade de obtenção da informação de forma diversa.
Apesar de parecer lógico e razoável o raciocínio apresentado, bem como a lei ser expressa neste sentido, sempre é bom reforçá-lo, na esperança de manutenção da interpretação das regras do jogo, em respeito à segurança jurídica e em nome do Estado Democrático de Direito.
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