Entre as várias mudanças que a nova Classificação traz, uma delas, em específico, impacta o universo empresarial. Na CID-11, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu que o burnout passa a ser uma doença ocupacional. Ou seja, relacionada ao trabalho. Anteriormente, na CID-10, ele estava inserido na categoria que se refere aos problemas relacionados à organização do modo de vida. Assim, segundo a definição da OMS, a Síndrome de Burnout será relacionada ao esgotamento que “se refere especificamente a fenômenos relativos ao contexto profissional” e não deve ser aplicado a outras áreas da vida, ainda que tal decisão possa ser questionada por estudiosos que encaram a saúde de maneira integral.
O termo burnout tem origem no inglês e, em tradução livre, pode ser entendido como “queimar por dentro”. Entre os sintomas mais comuns estão a exaustão extrema (física e mental), insônia, alterações de apetite e humor, dificuldades para se concentrar, sentimento de incompetência, aumento da pressão arterial entre outros.
Guilherme Spadini, psiquiatra e professor da The School of Life, conta que, apesar de ser estudada desde a década de 1970, a Síndrome de Burnout é polêmica do ponto de vista científico. A discussão gira em torno de o burnout ser encarado como um transtorno próprio ou apenas uma forma de transtorno depressivo associado ao trabalho. Dessa forma, para o psiquiatra, a mudança trazida pelo CID-11 é uma decisão mais sociológica do que científica. “É uma sinalização da OMS de que a saúde mental do trabalhador deve ser levada a sério, de que precisamos estudar mais e diagnosticar mais, gerando mais estatísticas e conhecimento a respeito do tema, mesmo que a gente não saiba, categoricamente, se é uma doença diferente das que já conhecemos”, aponta Spadini.
Segundo o psiquiatra, quando descolado do ambiente de trabalho, o burnout é um transtorno similar à ansiedade e à depressão e, portanto, é impactado por fatores similares. Entre eles, está o componente biológico e genético, uma vez que algumas pessoas têm maior sensibilidade aos estímulos geradores de estresse. Já os fatores externos são muitos. Ele lista os mais relevantes: “falta de suporte social, vínculos, relacionamentos e atividades de lazer, por exemplo, além da desconexão do trabalho com os valores pessoais. A falta de propósito no trabalho contribui muito para uma resposta negativa ao estresse”, afirma.
Para que não haja preconceito na hora de discutir o assunto, é importante não tentar traçar um perfil dos afetados pelo burnout. Isso porque, segundo Guilherme, a doença pode acometer qualquer um. Já dentro das empresas, as falhas institucionais que podem contribuir para o adoecimento dos profissionais estão ligadas à gestão de pessoas e ao clima institucional. Garantir que os colaboradores tenham valores e propósito alinhados aos da empresa é uma chave importante. “A ideia antiquada de motivar apenas pelo salário, de fato, não funciona bem. E aí tem que haver um entendimento real, não apenas no plano das ideias, de que a produtividade aumenta quando as pessoas são respeitadas, quando os colaboradores têm tempo para lazer e para cuidar de suas vidas pessoais e de suas famílias, por exemplo. Além disso, é preciso trabalhar as relações dentro da empresa, nos diversos níveis de comunicação, com líderes que não sejam apenas tecnicamente bons em suas áreas, mas que tenham as habilidades humanas e o alinhamento de valores para gerir um time com saúde”, analisa o professor da The School of Life.
Do outro lado do balcão
Daniel Rodrigues é especialista em recrutamento da Robert Half, empresa global de consultoria de recursos humanos. Ele narra, que do lado das empresas e seus funcionários, as mudanças trazidas pelo trabalho remoto são apontadas como fonte de estresse e adoecimento. “Na nossa casa a gente trabalha, almoça, trabalha e continua trabalhando”, reflete o executivo sobre o fim das barreiras entre casa e trabalho, movimento acelerado durante a pandemia de Covid-19. O uso excessivo dos meios eletrônicos para a comunicação também está entre as principais queixas – mensagens no Whatsapp, reuniões seguidas ao longo do dia – que ampliam o estresse dos profissionais.
No entanto, ele defende que as empresas estão, sim, mais atentas à saúde mental de seus colaboradores. No Guia Salarial, da Robert Half, 53% dos líderes afirmaram acreditar que seus colaboradores estão mais suscetíveis a crises de estresse, ansiedade e burnout. Ainda que seja difícil encontrar medidas para, efetivamente, diminuir a pressão e o estresse especialmente se considerado o contexto de incertezas no cenário macroeconômico, as empresas estão investindo em incluir benefícios e ferramentas de apoio psicológico. Por meio de parcerias com instituições de saúde, algumas companhias passaram a oferecer serviços como o de psicoterapia para seus profissionais. “Essas ferramentas conseguem oferecer um certo sigilo para o profissional”, explica Daniel.
Para além do apoio profissional, as empresas estão buscando melhorar a qualidade da interação entre seus profissionais, o que exige comprometimento das lideranças. Em alguns casos, esse processo passa por identificar comportamentos de gestores que possam ser causadores de estresse excessivo. “Muitas vezes o gestor precisa de ajuda ou pode ser o problema também”, aponta o especialista da Robert Half. Ele também destaca como essencial a adoção de uma conduta detectiva entre os gestores e equipes de recursos humanos. Desmotivação, queda na performance e faltas podem ser o indício de que algo está acontecendo com o colaborador. Nesse sentido, o sistema de avaliações periódicas e conversas atuam como uma ferramenta importante para que os líderes possam identificar os problemas e acolher os profissionais. Isso, claro, passa pelo comprometimento das empresas. “Precisa ter um interesse genuíno do gestor e do RH para suportar esse profissional”, defende Daniel.
Equilibrando os pratos
Por fim, o psiquiatra Guilherme Spadini também aborda como os profissionais podem encarar a rotina de trabalho de maneira mais saudável. “Primeiro, saber priorizar. Entender as situações em que o trabalho deve ser priorizado, colocando em segundo plano outras áreas da vida, e quando isso deve ser invertido. Não podemos nos deixar levar pelas demandas de forma impensada. É importante ser atento e deliberado na forma como alocamos a nossa energia. Procurar sempre ter alguma conexão pessoal com o trabalho, em termos de valores e propósito também é útil. Sem isso, o trabalho fica maçante e o burnout se apresenta mais facilmente”, aponta.
No entanto, o professor da The School of Life faz um alerta: “Por outro lado, quando temos essa forte conexão com o trabalho, há o risco de mergulhar de cabeça e não lidar bem com a ineficiência. É muito importante saber curtir o ócio, a diversão, o lazer. Precisamos ter tempo para nós mesmos, para outros planos, para cuidar de pequenas coisas, o que chamamos de pequenos rituais diários: exercícios físicos, regar as plantas, ler um livro, varrer o chão. E ainda tem as obrigações da vida que não são trabalho: cuidar da casa, se alimentar corretamente, pagar contas, trocar lâmpadas, enfim. O que quero dizer é que existe um equilíbrio para tudo”, reflete.
*Crédito da foto no topo: Shutterstock
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