Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Como anda a jornada das mulheres na liderança?

Participação feminina no mercado cresce, mas é preciso atenção e estratégia para elevar sua presença em meio à lentidão e mesmo retrocessos na agenda da equidade.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, apesar de a taxa de participação de mulheres no mercado de trabalho ter alcançado 53,3% em 2022, apenas 39% ocupavam cargos gerenciais. No ano seguinte, o Observatório Nacional da Indústria mostrava que a mesma porcentagem se manteve na liderança, a despeito do nível de escolaridade duas vezes superior à dos homens. E a disparidade salarial segue uma realidade: o rendimento das mulheres é 79,3% do recebido pelos homens. 

O desfalque feminino no C-level é global: em 2023, 10% das cadeiras de CEOs nas 500 maiores empresas dos EUA eram ocupadas por elas. Ainda que o percentual seja baixo, é maior do que nos anos anteriores, quando ficou em 8%. Todavia, relatório do The Ready-Now Leaders, da Conference Board, revelou que empresas com pelo menos 30% de mulheres em cargos de liderança têm 12 vezes mais chance de se figurar entre as 20% melhores em desempenho financeiro. 

Patrícia Lima, CEO da Simple Organic, avalia que ser uma mulher à frente de uma empresa ainda significa lidar com vieses inconscientes e passar por desafios de credibilidade e cobranças muitas vezes maiores do que os enfrentados por líderes homens. “No Brasil, esse cenário se agrava em um ambiente empresarial que historicamente favoreceu homens em posições de poder. Mas acredito que as lideranças femininas têm trazido uma nova forma de gestão, baseada em colaboração, inovação e impacto social”, diz. Hoje, 80% das lideranças da Simple Organic são femininas. 

A segunda edição do Censo de Diversidade das Agências Brasileiras, parceria entre o Observatório da Diversidade na Propaganda (ODP) e a Gestão Kairós, mostrou que as mulheres continuam sendo maioria nas agências (57%) — número que cai para 19% quanto a mulheres negras. Entre CEOs, 24% são mulheres, diretoras são 52% e gerentes, 61%. Karina Ribeiro, CEO da VML Brasil, conta que opta por olhar oportunidades nas quais pode inspirar mudanças, desafiar o status quo e abrir caminho para que outras mulheres alcancem posições de liderança, construindo um futuro com oportunidades para todas as pessoas no mercado. 

Para Patrícia Lima, da Simple Organic, mulheres líderes enfrentam mais desafios de credibilidade (Crédito: Divulgação)

A CEO cita, também, que a pluralidade é um valor fundamental ao mercado, mas há silos e movimentos lentos, já que algumas áreas ainda reúnem mais homens. “Temos um caminho a ser percorrido, em saber reunir profissionais de diferentes origens e repertórios, para que trabalhem juntos e atinjam resultados incríveis justamente por conseguirem trazer o melhor de si à mesa. Quando conseguem fazer isso, as agências de publicidade têm um papel importante, porque acabam tendo muita visibilidade e porque produzem muito repertório para a cultura popular ao criar a comunicação de marcas massivas”, reforça. 

Retenção de talentos

O maior desafio, contudo, segundo Luiza Helena Trajano, presidente do Conselho do Magazine Luiza, não é provar capacidades, mas garantir que elas ocupem e permaneçam nos cargos estratégicos sem a necessidade de validação constante. “A cultura corporativa ainda impõe barreiras sutis, como redes de indicação masculinas e critérios subjetivos de promoção.

No entanto, a oportunidade está em agir estrategicamente: construir networking poderoso, fortalecer nossa presença em espaços de influência e adotar uma postura ativa na busca por posições de comando”, salienta. A presidente indica que as mulheres estão capacitadas e plenamente aptas a assumir não apenas cargos de liderança e em conselhos de administração das empresas, mas também cargos públicos. 

Ainda que os esforços para aumentar a quantidade de mulheres nas companhias sejam importantes, especialistas defendem que estratégias de diversidade, equidade e inclusão (DEI) devem focar não apenas no recrutamento, mas na manutenção dos talentos após as contratações.

“O ambiente, muitas vezes, é hostil e não está de acordo com as necessidades das mulheres. Não apenas em micromachismos, mas em uma falta de estrutura de prevenção ao assédio, conciliação com a maternidade e estrutura para mães”, exemplifica Maíra Liguori, diretora do Think Olga e Think Eva. “Se trabalhamos com uma política de vagas afirmativas apenas, sem o devido apoio, formação e adaptação do ambiente, gera-se um desconforto geral, como se houvesse algum tipo de privilégio para essas pessoas em detrimento da sua performance.”

Luiza Trajano ressalta que capacidade não falta às mulheres, mas apoio para se firmarem na liderança (Crédito: Reprodução)

Levantamento feito pela Think Olga, em 2023, revela que quatro em dez mulheres declararam estar insatisfeitas ou muito insatisfeitas com seu trabalho. Entre as queixas estão a baixa remuneração, sobrecarga de trabalho doméstico, falta de reconhecimento e jornada de trabalho excessiva. Destacam-se também a falta de plano de carreira e a pressão e competitividade no ambiente corporativo. 

Para Patrícia, da Simple Organic, os espaços de trabalho devem ser inclusivos e propícios ao crescimento. Entre os caminhos para a retenção, estão a definição de políticas concretas, como programas de mentorias, flexibilidade para equilibrar vida pessoal e profissional, e um compromisso real das lideranças com a pauta. Karina, da VML, aponta que líderes podem contribuir com parâmetros objetivos de avaliação de desempenho e a implementação de melhores práticas de remuneração. 

Culturas do tipo, segundo Claudia Vilhena, CMO de Carrefour Varejo e Sam’s Club, podem contribuir para a marca empregadora. “Empresas com culturas inclusivas são mais atraentes para profissionais qualificados que buscam locais de trabalho alinhados aos valores de equidade e respeito. Isso é especialmente relevante em um mercado competitivo, como o varejo, onde a retenção de talentos é crucial para o sucesso a longo prazo da empresa e com a entrada das novas gerações no mercado de trabalho”, diz.

De fato, a geração Z reivindica condições diferentes das que, por muito tempo, foram tidas como normais. Entre as demandas do grupo, estão a representatividade e ambientes favoráveis ao desenvolvimento profissional, com alinhamento de valores e propósito. 

Contextos locais

“Observamos uma tendência positiva de inclusão feminina, mas continuar implementando políticas voltadas à equidade de gênero no mercado é fundamental, ainda mais neste momento, que registra crescimento de uma agenda conservadora, que questiona os avanços e a efetividade das pautas de diversidade”, declara Claudia.

Em 2024, diversas empresas anunciaram reduções, modificações ou até mesmo o fim de políticas de DEI nos EUA (casos de McDonald’s, Google, Ford, Meta e PepsiCo, entre outras). As decisões foram tomadas pela pressão de grupos conservadores e potencializadas pela chegada de Donald Trump a um segundo mandato como presidente dos EUA. Nos primeiros dias após a posse, Trump desmantelou as iniciativas no governo federal. 

Viviane Duarte, fundadora e CEO da Plano Feminino, afirma que movimentos de retrocesso em tempos de mudanças econômicas e sociais são um fato histórico. “Cada mulher líder que já conquistou seu espaço está atenta, focada e de alguma forma mais estratégica para segurar o espaço que já é dela”, diz. “Não acredito que tenha um retrocesso, mas que agora teremos que ter mais estratégia e inteligência emocional para hackear esse sistema, não sair dos espaços que já ocupamos por merecimento”, pontua.  

E a intersecção entre gênero e raça deve ser levada em consideração. Estudo do McKinsey Global Institute mostra que a igualdade de gênero é capaz de injetar US$ 60 trilhões na economia e elevar o PIB mundial em 11%. “O assunto, mesmo que em descompasso, porque ainda traz muito mais benesses para mulheres brancas, sem deficiência, especialmente do norte global, também coloca em foco o quanto mais mulheres tivermos participantes na economia, as economias crescem”, alerta Luana Génot, fundadora e diretora executiva do ID_BR. Embora o mercado e a economia norte-americana sejam potentes e ações ali reverberem ao restante do mundo, a diretora acredita que a agenda deverá sofrer adaptações e adequações, para que não sejam caçadas por novas legislações. 

Viviane, da Plano Feminino: é preciso mais estratégia e inteligência emocional para hackear o sistema (Crédito: Divulgação)

O Brasil lida com um panorama mais favorável. Nos últimos cinco anos, testemunhou avanços na legislação pelos direitos das mulheres. Entre eles estão a lei da igualdade salarial, que combate a remuneração desigual no mercado de trabalho. Outras representam um avanço para mulheres em vulnerabilidade, caso da Lei 14.542/23, que destina 10% de vagas intermediadas pelo Sistema Nacional de Emprego (Sine) a mulheres em situação de violência doméstica ou familiar; e a lei 14.994/24, que eleva a pena para o crime de feminicídio a até 40 anos. 

“Tivemos uma evolução de discurso e debate. Obviamente, a legislação não acompanhou com a velocidade que precisamos, mas, sim, já representa uma grande mudança de paradigma”, avalia a diretora da Think Olga e Think Eva.

A iniciativa privada também tem endossado seu posicionamento perante a agenda. Em janeiro, entidades nacionais se manifestaram para reforçar compromissos com a valorização da diversidade, equidade e inclusão. Entre elas estão nomes como Movimento Mulher 360, Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, Instituto Ethos e Pacto pela Equidade Racial, entre outras. Juntas, as entidades representam mais de 500 empresas. 

Outras companhias também indicaram, individualmente, que seguirão com suas políticas ESG. A Natura afirmou em manifesto que a “vida não aceita retrocessos”: “Diante do recrudescimento da crise climática e das injustiças sociais, é urgente agirmos — conjuntamente e de forma consistente. Os complexos desafios sociais e ambientais contemporâneos não serão resolvidos apenas por governos ou organismos multilaterais, sem que a sociedade civil e o setor empresarial se mobilizem”, argumenta. 

Aline Lima, head de diversidade, equidade e inclusão na Natura, explica que, de fato, o manifesto foi motivado por um cenário global de crescentes crises climáticas e injustiças sociais. “Queremos liderar pelo exemplo, principalmente em responsabilidade socioambiental, inspirando outras organizações a seguirem um caminho semelhante”, declara.

‘Atualmente, as mulheres representam 60% dos colaboradores da empresa, sendo 22% delas negras. Mais da metade (50,5%) está em posições de liderança, entre diretoria ou vicepresidência, na América Latina. “O papel da Natura é fundamental na promoção e consolidação de uma sociedade mais inclusiva. Como uma empresa que se posiciona firmemente em prol da diversidade e inclusão, temos a responsabilidade de utilizar nossa plataforma para amplificar vozes diversas, promover representatividade e desafiar todos os estereótipos e preconceitos”, acrescenta. 

O poder da tecnologia

As redes sociais foram, e ainda são, espaços para fomentar o senso de comunidade e diálogo para causas sociais. Há um outro lado, porém, que levanta o debate sobre a violência contra as mulheres no digital. O relatório “Aprenda a evitar ‘este tipo’ de mulher: estratégias discursivas e monetização da misoginia no YouTube”, do NetLab-UFRJ para o Ministério das Mulheres, identificou que, de 601 canais problemáticos do YouTube — afunilados com base em uma análise de mais de 70 mil vídeos por meio da busca por expressões de controle, ódio, aversão, desprezo, subjugação, desumanização e violência contra as mulheres — 137 estiveram sob o panorama da “machosfera” entre 2018 e 2024. Influenciadores têm usado a plataforma de vídeos para propagar conteúdos misóginos.

“O cenário digital e online nunca foi muito acolhedor para mulheres”, avalia Bárbara Libório, professora de jornalismo na ESPM e diretora de conteúdo no Instituto AzMina, veículo focado na cobertura de temas relacionados ao recorte de gênero, considerando intersecções de raça e etnia, classe, orientação sexual e identidade de gênero. “Precisamos convencer os atores da Justiça como esse tema será tratado. No geral, a sociedade ainda tem pouco entendimento, ou entendimento muito diverso, do que é a misoginia”, defende. 

A sofisticação de ferramentas, como a inteligência artificial (IA), e a propagação de notícias falsas e desinformação tem adicionado uma camada de desafios sociais e tecnológicos. Algoritmos enviesados, deepfakes e pornografia de vingança são algumas das ameaças que mulheres enfrentam nesse ambiente. Uma das atividades do Instituto AzMina é exercer a pressão sobre plataformas e tomadores de decisão para a melhoria de mecanismos de denúncia e identificação de violências. Bárbara, no entanto, alerta para uma recente dificuldade de acesso a dados e mesmo de contato com equipes internas das empresas de tecnologia. 

 

Influenciadores propagam conteúdos misóginos no YouTube
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De 601 canais no YouTube, pelo menos 137 contam com conteúdo misógino 80% dos canais misóginos tem algum tipo de estratégia de monetização, com destaque para anúncios, vendas de produtos e doações em transmissão ao vivo
Juntos, acumulam 105 mil vídeos publicados e somam 39  bilhões de visualizações As mulheres mais atacadas nos conteúdos são as feministas, mães solteiras e mulheres acima dos 30 anos
89 canais promovem a ideia de que as mulheres devem ocupar
um papel secundário na relação com os homens

Fonte: Relatorio “Aprenda a evitar ‘este tipo’ de mulher: estratégias discursivas e monetização da misoginia no YouTube”, no NetLab-UFRJ para o Ministério das Mulheres

Big techs têm relaxado medidas de segurança e moderação em plataformas. A Meta — do Instagram, Whatsapp e Facebook — eliminou a checagem de fatos e transferiu a moderação de conteúdo às notas da comunidade. “Quando tiramos a moderação, transmitimos a mensagem de que pode, incluindo todas as violências de gênero. Mas, na prática, essas coisas já aconteciam”, afirma Maíra.

Em declaração, o CEO, Mark Zuckerberg, ainda afirmou que as empresas deveriam adotar mais a “energia masculina”. Viviane, da Plano Feminino, e ex-executiva da Meta, complementa: “A maior receita dessa empresa vem do microempreendedor, e a maioria deles no Brasil são mulheres. São essas pessoas que estão dando dinheiro para essas grandes companhias”.  

A tecnologia tem o poder de não apenas potencializar negócios e vozes, mas também ser uma facilitadora do combate à violência de gênero. Desenvolvido pela Azmina, o app PenhaS auxilia na identificação e denúncia da violência, bem como reúne dicas e notícias para informar sobre os direitos das mulheres. A Avon, por meio do Instituto Natura, conta com a Ângela, uma assistente virtual que auxilia mulheres via WhatsApp.

A Deb, IA do ID_BR, dedica-se a esclarecer dúvidas sobre questões étnico-raciais, e está sendo direcionada até mesmo a empresas e governos. Ações que capacitem mulheres na área também levam a uma tecnologia mais inclusiva. Algumas das atividades do Instituto Plano de Menina, que capacita e conecta meninas periféricas às companhias, incluem o ensino de programação e utilização das redes sociais a seu favor. 

O hoje pelo amanhã

É preciso que as lentes do avanço sejam direcionadas para outros agentes que também podem ser protagonistas de acordo com seu impacto na sociedade e economia. A Think Eva conta com uma área voltada a cultura organizacional — um pilar de metodologias que altera o contexto corporativo, impacta em compliance, estruturas de recursos humanos, códigos de ética etc. “Conseguimos entender a diferença das empresas que estão embarcadas de fato e interessadas nesse impacto concreto e nas que estavam na conversa porque sabiam que era a mensagem certa para se passar naquele momento”, relembra Maíra. 

Hoje, a consultoria trabalha junto a setores como mineração, energia e navegação. “São ambientes absolutamente masculinos que apresentam desafios concretos para mulheres, e em que falar de vieses inconscientes, por exemplo, faz muito menos sentido do que falar sobre violência doméstica”, finaliza. 

Passada a fase do letramento, discurso de combate e apontamento, a fase, agora, é de convivência e aplicação das políticas e demais esforços na prática. 

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