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Introdução sobre a democracia
Em sua viagem pelos Estados Unidos no século 19, o intelectual francês Alexis de Tocqueville ficou fascinado com um aspecto particular da sociedade norte-americana:
o princípio da igualdade. Evidentemente,
Tocqueville referia-se somente à parcela da sociedade formada por pessoas do
sexo masculino e da cor branca. Mas, mesmo assim, num mundo em que naqueles
tempos os preconceitos raciais e sexuais estavam institucionalizados, o que
Tocqueville viu nos Estados Unidos era surpreendente.
© istockphoto.com / Brianna May Atenas, na Grécia antiga, foi o berço da democracia
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O princípio da igualdade observado por Tocqueville é o sustentáculo da democracia, regime
que surgiu há mais de dois milênios na Grécia antiga. Nos tempos de
Sócrates,
Platão e
Aristóteles,
os cidadãos de Atenas, uma das mais importantes cidades-estado gregas, podiam
escolher diretamente seus governantes, através do voto.
Essa invenção
grega foi uma revolução nos valores, já que até então os governos eram
monárquicos ou aristocráticos, isto é, ou o poder transmitia-se dentro de uma
mesma família “por vontade dos deuses” ou ficava sempre nas mãos de uma elite.
Não que a democracia grega tenha alterado radicalmente esse quadro, já que eram
considerados “cidadãos” naquela época apenas dez por cento da população
ateniense, uma vez que mulheres, estrangeiros e escravos estavam excluídos, mas
ela plantou as sementes da igualdade de todos perante a lei e do direito à
escolha dos governantes e do livre pensamento.
A democracia grega não
resistiu ao avanço do Império Romano, e com a sua queda o sistema democrático
entrou numa longa hibernação que se estendeu por quase dois milênios,
atravessando toda a Idade Média. Foi somente com o Renascimento e o advento da
Idade Moderna que o poder absolutista das monarquias começou a ser questionado e
os princípios da democracia foram resgatados. Desde então o regime democrático
de governo se expandiu para todos os continentes e o conceito de democracia tem
se espalhado para várias instituições sociais.
© istockphoto.com / Maria Toutoudaki
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Considerada um dos grandes avanços da história, a democracia passou por inúmeras transformações ao
longo do tempo e também ganhou diferentes formas. Apesar de ainda ter várias
imperfeições, ela é a doutrina política que tem propiciado mais poder e
liberdade aos povos. Sobre os defeitos que a democracia ainda apresenta, o
primeiro ministro britânico Wiston Churchill comentou que “a democracia é a pior
forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de
tempos em tempos”.
Nas próximas páginas conheça como essa doutrina
política evoluiu desde sua origem na Grécia antiga até os dias atuais.
Democracia em uma frase
O termo democracia vem do grego “demokratia”. Seu significado original é “poder do povo”. Afinado com a raiz da palavra, o presidente
norte-americano Abraham Lincoln assim a definiu: “A democracia é o governo do
povo, pelo povo, para o povo”.
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A invenção da democracia
A democracia nasceu quando um nobre grego chamado Sólon decidiu propor em 594 antes de Cristo um novo sistema de governo para Atenas, uma das mais poderosas cidades-estado da Grécia antiga. A população ateniense estava cansada dos
regimes autoritários e das leis opressoras que vinham sendo impostas à cidade
desde que o legislador Drácon, patrocinado pela aristocracia que comandava
Atenas, promulgou um sistema de leis extremamente rígidas. Em oposição ao
pensamento de Drácon, Sólon elaborou uma constituição que estipulava que todas
as decisões referentes à vida dos atenienses deveriam ser tomadas com a
participação do povo, só que naquele momento o “povo” era constituído apenas
pelos “cidadãos” de Atenas, o que excluía as mulheres, os escravos e os
estrangeiros.
© istockphoto.com / Roman Kazmin O filósofo Platão foi um dos críticos da democracia grega
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Quando entrou em vigor, a constituição feita por Sólon possibilitou que os cidadãos atenienses
elegessem seus governantes e também que deliberassem em praça pública, chamada
de Ágora, sobre os principais assuntos que diziam respeito à vida da cidade.
Nessas assembléias eram tomadas as decisões e eram eleitos aqueles que
conseguissem o maior número de votos, já que todos os cidadãos eram considerados
iguais pela constituição ateniense.
No começo, o povo de Atenas acabou
elegendo alguns nobres que monopolizaram o poder e foram chamados de tiranos.
Mas eles não duraram muito, já que os atenienses baniram os tiranos assim como
qualquer político que tivesse um grande número de eleitores “cativos”. Um dos
expoentes da democracia grega foi Péricles, um hábil orador que nas assembléias
fazia parecer aos cidadãos que eles estavam tomando decisões, quando na verdade
estavam apoiando as propostas defendidas por ele. Várias vezes reeleito pelo
povo, Péricles tornou-se um dos mais importantes governantes atenienses e a
partir de sua liderança a cidade floresceu econômica, militar e
culturalmente.
© istockphoto.com / Marek Uliasz Moeda com a face de Péricles, expoente da democracia
ateniense
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Enquanto isso, os romanos, que eram bravos combatentes, ficaram durante quase um século lutando
entre eles próprios. Os patrícios, como eram chamados os homens pertencentes à
casta dos nobres, duelaram intensamente pelo poder com os plebeus, a classe
popular. Ao final, o governo romano tinha à frente dois cônsules, um eleito
pelos patrícios e outro pelos plebeus. Se os atenienses tinham inventado a
democracia, os romanos criaram a república, isto é, seu estado era organizado de
forma a servir a coisa pública. Em sua estrutura política, os romanos mantinham
assim como os atenienses uma assembléia na qual todos os cidadãos pudessem
participar, só que os votos não eram contados individualmente e sim por tribos
ou centúrias (divisão política formada por cem cidadãos). Mas essas assembléias
não eram soberanas, como eram as de Atenas.
Foi com esse modelo
político que Roma fez sua incrível expansão militar e econômica, conquistando
inclusive a Grécia, para se tornar no século 2 antes de Cristo o mais poderoso
império do mundo antigo. A democracia inventada pelos gregos sucumbiu frente ao
Império Romano e quase não seria mais posta em prática por um longo tempo que
durou até o final da Idade Média, quando os homens redescobriram a cultura
grega. No Renascimento, como foi chamado esse momento, a democracia ressurgiu
como uma das principais inspirações para os movimentos que passaram a contestar
o autoritarismo e a tirania política.
Democracia direta ou representativa
Em Atenas, todos os cidadãos votavam para decidir as questões políticas mais importantes. Essa participação
sem intermediários é chamada de democracia direta. Ela foi viável na Grécia
antiga por conta do tamanho das cidades-estado e de suas populações (Atenas
tinha na época 500 mil habitantes e nem todos eram considerados “cidadãos”, na
verdade, apenas dez por cento dessa população tinha direito a votar). Na era
moderna, as democracias são representativas, afinal as nações e as populações
tornaram-se bem maiores, o que, entre outras razões, inviabilizou a prática da
democracia direta. Assim, na democracia representativa, o povo elege seus
representantes e são esses que legislam e governam. Os partidos políticos são
uma das principais instituições da democracia representativa. Com os avanços
tecnológicos em comunicação, o exercício da democracia direta pode voltar a ser
viável, embora sua prática nos dias atuais seja motivo de polêmica entre os
estudiosos.
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A democracia moderna
Apesar de inventada pelos gregos, a democracia não era uma unanimidade entre eles, principalmente entre os mais
“sábios”. Importantes filósofos gregos, por exemplo, não gostavam muito dela. Na
“República”, Platão escreveu que "a democracia se estabelece quando os pobres,
tendo vencido seus inimigos, massacram alguns, banem os outros e partilham
igualmente com os restantes o governo e as magistraturas".
© istockphoto.com / DSGpro
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No final da Idade Média, no entanto, o modelo da democracia ateniense, por mais imperfeito que fosse, era
uma luz no fim do túnel em tempos de trevas. Quando as cidades italianas
floresceram com o comércio no início do século 15, seus habitantes foram buscar
nas culturas romana e grega várias referências. Era como se todo o pensamento,
ensinamento e arte da Antiguidade tivessem entrado em um sono profundo por mais
de um milênio e de repente despertassem. Essa redescoberta do período clássico
espalhou-se pela Europa e inspirou novas ideias, principalmente na
política.
Mas foi somente em meados do século 17, que a inspiração
democrática ateniense teve resultados práticos. Após a guerra civil na
Inglaterra (1642-1651), a inovação de um governo constituído por representantes
eleitos pelo povo começou a se tornar real no Parlamento britânico, que passou a
ter o poder de aprovar ou não as leis. Apesar dos avanços no parlamentarismo
britânico, ele somente se tornaria um sistema democrático de verdade a partir do
século 19 quando a extensão do direito ao voto alastrou-se progressivamente para
boa parte da população.
Enquanto a Inglaterra engatinhava em direção
à democracia é na sua maior colônia que a doutrina iria ganhar força e tornar-se
um exemplo para o mundo. Desde os tempos coloniais, os territórios ingleses na
América do Norte gozavam de relativa autonomia, inclusive com eleições de
representantes dos colonos para as casas legislativas e a forte convicção entre
eles de que não pagariam impostos caso não pudessem eleger seus representantes.
A crescente oposição entre os colonos e o governo inglês, principalmente após a
imposição de novas taxações, resultou na guerra e na Declaração de Independência
dos Estados Unidos em 1776. Imediatamente, os norte-americanos começaram a
redigir sua nova constituição e logo na abertura estabeleceram que o povo dos
Estados Unidos poderá governar-se somente a partir de representantes por ele
eleitos.
Ao nascer fundada nos pilares da doutrina democrática, a
experiência norte-americana tornou-se a primeira e a mais ampla da era moderna,
embora durante a maior parte do tempo ela tenha sustentado atitudes
antidemocráticas, como a exclusão do direito a voto para mulheres, negros e
indígenas. Mas no fim do século 18, a recém-nascida democracia americana era
fonte de inspiração para vários povos no mundo, da América do Sul à Europa. Os
princípios revolucionários e democráticos norte-americanos encorajaram, entre
outras, a luta pela liberdade que desaguou na
Revolução Francesa em 1789.
O sistema democrático desde
então passou por inúmeros aperfeiçoamentos. Um dos mais importantes foi o
sufrágio universal, que significou a extensão do direito a mulheres, negros e
indígenas em votar e serem votados. Outros avanços que fortaleceram a democracia
foram o voto secreto, a liberdade de expressão e a igualdade de todos perante a
lei. No começo do século 21, cerca de metade da população mundial vivia em
países com regimes considerados democráticos, baseados em instituições políticas
cujos representantes são eleitos livremente pelo povo.
Vantagens da democracia
Embora regimes democráticos tenham imperfeições, como ter possibilitado a ascensão de Adolf Hittler e o Partido Nazista – eleitos dentro
das regras em vigor na República de Weimar (como era chamado o governo da
Alemanha entre 1919 e 1933) – a democracia historicamente tem sido o menos pior
dos sistemas políticos. Isso por que os sistemas democráticos têm as mais
eficazes formas de proteger as pessoas de líderes autoritários e tirânicos. Além
disso, apesar de governar para a maioria, as democracias tendem a garantir os
direitos das minorias. Outra vantagem historicamente comprovada é que países com
governos democráticos não entram em guerra entre si e têm sido mais prósperos
economicamente do que os não
democráticos.
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