Imigrante e independente. Alicia Arteaga cria e confecciona suas próprias peças, além de produzir figurino para cinema e teatro // Reprodução
Alicia Arteaga sempre esteve acostumada com a falta de variedade de produtos para trabalhar seus figurinos em obras teatrais e cinematográficas em Cuba, o país onde nasceu, estudou e trabalhou por alguns anos antes de vir para o Brasil. Quando imigrou, em 2014, ela encontrou por aqui a oportunidade de ir muito além com suas criações como artista, designer e figurinista.
Foi por essa liberdade e curiosidade que Alicia, acostumada com a costura desde criança, decidiu então criar sua marca, a Macussa. “Eu incorporo nela todas as coisas que eu faço, do cinema e teatro, num formato menor, mais artesanal e com a comunidade”, explica ela, uma imigrante latina num lugar improvável na moda brasileira.
No site, a marca se apresenta como “a interação de duas culturas, cubana e brasileira”. Por meio da Macussa, Alicia reforça o espírito livre e capaz de improvisar: “A marca tem personalidade própria. Produzo a partir de coisas que as pessoas me dão, com o que é considerado lixo. Eu uso retalhos, de repente um bolso fica em um lugar que não é comum, uma roupa se transforma e vira outra coisa, às vezes é uma saia que vira um vestido ou o vestido que vira uma saia”. Alicia faz o que chamamos por aqui de upcyling.
As inspirações para as criações vêm desde a questão cultural de “trabalhar com o que tem” e o próprio repertório de vida da Alicia, até a convivência com brasileiros, que inspiram as criações. A estilista comenta que o trabalho artesanal da Macussa cria um ambiente muito individual, no qual o contato direto com os clientes a permite criar peças únicas, feitas sob medida. Por esse motivo, grande parte da clientela da marca aparece pelo bom e velho marketing boca a boca. “Os trabalhos e as pessoas que me chamam, ligam pra comprar, vão se expandindo pelos amigos, pelas pessoas que eu conheço diariamente aqui no Brasil”, afirma a figurinista.
CINEMA, TEATRO E CENSURA
O histórico de Alicia com produções teatrais e cinematográficas é longo. Formada em Estudos Socioculturais, pela Universidade de Havana, na época de faculdade ela entrou para um grupo de teatro. A necessidade de criar figurinos a fez se interessar mais por desenho e cursar duas pós-graduações, uma em Modelagem e outra em História do Vestuário, no Instituto Superior de Desenho de Havana. Um pouco depois veio sua grande paixão: o cinema.
“Eu sempre fui freelancer. Em Cuba, trabalhei em produções independentes de cinema, teatro, de dança. Também com o governo, mas poucas vezes. Cuba é muito difícil de trabalhar e estudar sem ser de maneira relacionada com o governo, porque está tudo institucionalizado. Mas lá tem uma galera, pequena, mas muito forte, de realizadores, de artistas plásticos, tentando fazer e propor novas estéticas, mas que são diariamente bloqueados e censurados e o mundo desconhece isso”, explica.
A dificuldade em se criar arte de maneira livre em Cuba começa desde as delimitações de onde os trabalhos podem ser exibidos e veiculados, até os diferentes tipos de censura impostas em canções, filmes, performances. O artista que “passa dos limites” é preso, vigiado, questionado e castigado. “Então a letra da sua canção pode ser um ‘problema’, ou seu filme não entrar no festival de Cuba, ou a polícia chegar antes e suspender seu show, a maioria das vezes sem explicação ou direito à reclamação”, conta ela. Os artistas que resistem tentam lutar por novas leis no cinema, para que suas músicas toquem nas rádios ou procurando lugares para realizar suas exposições. Soma-se a isso a dificuldade de encontrar até mesmo os materiais necessários para produzir tais obras.
A censura sobre a arte cubana dura mais de 50 anos. Nos anos 80, através da pintura, escrita e performance, nasceu uma onda de artistas rebeldes, que não guardaram suas críticas sobre a situação do país. Procurados pelo Ministério da Cultura, eles acreditavam que teriam chances de conversar, mas a repressão aumentou ainda mais: muitos foram mandados para o exílio nos anos seguintes. Atualmente, temas como homossexualismo e falta de alimento estão repercutidos entre os jovens artistas e a censura continua sendo um....
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O trabalho mais recente de Alicia, a coprodução alemã-brasileira Índigo, no qual trabalhou como diretora de arte e figurinista, filmado, em 2014, em Goiás, Amazonas e Pará, foi o que a fez conhecer mais o país e desejar ficar aqui. Hoje, fora da cena audiovisual, Alicia pensa na possibilidade de voltar para o vídeo, mas dessa vez com a Macussa, tendo a roupa como protagonista.
MULHER E MIGRANTE
Mas nem tudo são flores. Alicia relata desde a dificuldade em se inserir no mercado de trabalho pela sua origem, a malícia de empregadores em explorá-la com baixa remuneração e a estranheza com o mundo digital, tão desenvolvido no Brasil. Ela explica que, quando chegou aqui, teve dificuldade em encontrar emprego na área do audiovisual: “eu acho que é um circuito muito fechado e nós que somos migrantes temos um plus de documentação, do idioma, de cultura. Então, muitas vezes para as pessoas te contratarem, é mais difícil para elas confiarem”.
Alicia teve dificuldade para entender a burocracia brasileira, de ajustar os documentos para se regularizar e, por isso, esteve por um bom tempo ilegal no país. Ela conta que até hoje pede ajuda para os amigos para entender seus direitos e as leis brasileiras. A experiência com figurinos a levou a trabalhar em uma oficina de costura em São Paulo e, apesar da jornada de trabalho não ter sido tão exaustiva como enfrenta a maioria das migrantes na costura, as condições do local eram tão degradantes quanto. Ela era a única trabalhadora – desenhava, cortava, costurava e entregava as peças – mas fazia tudo num quarto pequeno, com pouca ventilação.
O trabalho era muito mal pago, e, por isso, Alicia transpõe o gosto da liberdade nas peças da Macussa. “Eu fiquei muito animada em fazer meu trabalho independente, tenho meu tempo, faço o que eu quero, está sendo muito legal”, afirma. Apesar disso, quando necessário, ela busca trabalhos em oficinas para poder completar a renda, pois a Macussa ainda é um trabalho um pouco instável.”Não faço produtos sem personalidade. Mas infelizmente parece que é isso que as pessoas querem consumir; sem saber de mais nada, de como foi feito ou por quê. Gostaria que a Macussa não caísse nessas armadilhas”.
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Por muito tempo Alicia participou de feiras, expondo suas roupas, apresentando a marca para a comunidade latina. “Estou aprendendo muito sobre como divulgar o trabalho, é bem difícil pra mim, mas está acontecendo. E essa coisa de fazer tudo você: de produzir, desenhar, divulgar, de vender, tem um monte de coisas nas quais você vai ser boa e em outras nem tanto. Mas a Macussa tem muito sobre aceitar o erro também”, explica Alicia. “Eu sinto que estou nesse processo ainda, que estou me encontrando com a Macussa e a Macussa comigo”. Atualmente, o foco da figurinista é abrir a loja online da marca e estudar meios de colocá-la em outras lojas de produtos artesanais. Alicia conta que não tem intenção de expandir a marca ao ponto de ter “um monte de gente trabalhando e repetindo as mesmas coisas”. A personalidade individual da Macussa é seu ponto forte.
Alicia se divide em outros projetos, além da marca principal. Atualmente, foca também na marca Lulu Caju, de roupas infantis.A artista também une forças com a banda Buscar una Banda, com a atriz cubana Lilibell Torrejon e o cantor brasileiro Eder Martins. “Eu faço o figurino, cenografia… O show faz parte da Macussa”. Ela integra também o Sarau das Américas, grupo de migrantes que se reúnem para promover poesias, apresentações e celebrar a cultura latina. Quando questionamos se conhece outra estrangeira que produza roupas como a Macussa, Alicia afirma que não: entre seus contatos estão muitos latino-americanos cantores, artistas, costureiras, que trabalham em ateliês, mas nada remotamente parecido com a sua proposta de juntar arte na costura.
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Improviso, independência e liberdade são os sentimentos traduzidos pela Macussa // Reprodução
A sociedade individualista, a vulnerabilidade como migrante e o espaço pouco aberto no mundo audiovisual não a impedem de continuar a desabrochar como artista em solo brasileiro. Já são quase três anos de ligação Cuba-Brasil. “Tenho muitos planos e projetos com a Macussa, mas acho que ela vai se encontrando pelo caminho. Eu misturo muito as ideias dos tecidos, das roupas de Cuba e do Brasil, gosto disso. Como encontrar nessas vivências diárias essas misturas que separa, mas ao mesmo tempo junta?”.
Formada em jornalismo, feminista, arrisca uma pincelada em aquarelas e escreve textos cheio de prosopopeia nas horas vagas. Apaixonada por culturas, positivismo, sorrisos e fé, vê a criatividade como um modo de salvar o mundo.
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