Desde os anos 80, o brasileiro se acostumou a promoções. Saiba como o varejo tem encarado esse desafio de alargar as espremidas margens de lucro.
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Douglas Pires, da Mobly. Desafio de precificar 210 mil SKUs em sua plataforma (crédito: Douglas Luccena)
As oscilações de preço nos anos 80 por conta da inflação causaram ao consumidor brasileiro uma espécie de trauma que ele carrega até hoje e que, segundo especialistas, criaram nesse consumidor um modelo mental de consumo que privilegia sistemas de promoções, ainda que sejam as famosas “tudo pela metade do dobro”.
O setor de alimentação é um dos que mais sofrem com as margens apertadas de lucro. Essa realidade motivou o professor a estudar até que ponto o alargamento das margens de lucro no varejo alimentar é tolerado pelo consumidor sem que ele reduza o consumo.
Segundo o estudo, em supermercados para os públicos A e B, a discrepância de preços para cima é tolerada pelo consumidor quando não ultrapassa os 11% de aumento em relação à concorrência. Para os estabelecimentos voltados aos consumidores C e D, essa discrepância não pode passar de 2%.
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A capacidade de dominar os preços dos alimentos foi o grande diferencial para o atacarejo ganhar espaço nos últimos anos entre os consumidores de menor renda. Na outra ponta, lojas de proximidade foram mais eficientes em calcular com exatidão o aumento de preço tolerável ao consumidor de maior renda.
Segundo Fowler, “quando a gente fala de varejo, a margem de lucro já é pressionada. A gestão de preço, é, portanto, a chave”, o que pode explicar o fechamento em série de super e hipermercados. Espremidos entre as lojas de proximidade e os atacarejos, esses modelos de loja têm mais dificuldades de precificar de maneira eficiente seus 40 mil SKUs em média. Um atacarejo tem cerca de 7 mil.
A maneira de precificar produtos no varejo tem sofrido uma mudança profunda, estimulada pelas novas tecnologias que permitem uma inteligência muito maior sobre o resultado dos produtos nas lojas. Isso vai além com os programas de fidelidade, que permitem remarcar os preços para cada consumidor em específico. “Hoje, a realidade é marcar por cliente, por meio de aplicativos e programas de fidelidade. Com a captura de informações de comportamento de cada indivíduo, eu começo a entender melhor esse cliente e fazer ofertas só para ele”, detalha Paulo Ferezin, sócio-diretor da KPMG.
Para Ferezin, o futuro da precificação está diretamente ligado à capacidade de entender a rotina de compra do consumidor. “O varejo vai partir de um modelo de precificação diretamente relacionado ao entendimento que ele possui da rentabilidade que cada cliente oferece a ele. Eu vou saber, como um banco sabe hoje, qual rentabilidade ou prejuízo que o cliente deixa”, avalia o especialista.
Os programas de fidelidade capazes de personalizar preços podem significar o fortalecimento da já estabelecida cultura da promoção, tão presente na rotina de compra do consumidor brasileiro. E foi esse comportamento de consumo que trouxe dificuldades para o Walmart no mercado nacional.
Para Ferezin, além da cultura promocional do Brasil, o Wamart sofreu por não bancar sua tradição de preço baixo todo dia, que o consagrou como o maior varejista do mundo. “Não houve, efetivamente, uma aplicação com persistência e consistência, da estratégia de preço baixo todo dia. É difícil falar que ela não deu certo. O Walmart Brasil nunca foi consistente com essa estratégia. Ele alternava entre preço baixo todo dia e high-low”, avalia o consultor da KPMG.
A Mobly, varejista de móveis e utensílios domésticos que opera na internet, tem como desafio precificar de maneira eficiente os 210 mil SKUs do seu site, número que cresce exponencialmente. Em maio, eram 150 mil SKUs. Metade desses produtos é de sellers e, portanto, precificada por terceiros. Os outros 105 mil têm seus preços verificados a cada 15 dias pela empresa, que recalcula a depender do desempenho do produto.
A exceção fica por conta das promoções. “Nós temos aproximadamente 5 mil SKUs todos os meses em campanha promocional, negociados diretamente com o fornecedor. Esses produtos fogem à regra dos 15 dias, e o fato de ter uma negociação com a indústria permite que a gente repasse reduções de preços ao consumidor sem afetar a margem de lucro”, explica Douglas Pires, diretor-comercial da Mobly.
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Para conseguir reduzir os custos logísticos e alargar as margens de lucro, a Mobly aposta em produtos exclusivos desenvolvidos pela própria varejista, que hoje respondem por cerca de 20% de tudo o que é vendido pela empresa.
A chinesa Daiso chegou ao Brasil com a proposta de quebrar a crença de que o brasileiro só consome sob o sistema de high-low. Segundo Reginaldo Gonçalves, gerente-geral da Daiso no Brasil, a política do preço baixo todo dia torna-se possível pelas condições de negociar com seus fornecedores. “O grande poder de aquisição de produtos pela empresa para abastecer as mais de 5.500 lojas Daiso pelo mundo torna as negociações mais satisfatórias”, explica o executivo.
Mesmo diante do volume de compra da varejista chinesa e do poder de barganha diante dos fornecedores, Gonçalves admite que o Brasil oferece dificuldades relevantes, que achatam a já apertada margem de lucro do sistema de preço baixo todo dia. “Mesmo com todos os esforços, sentimos muitas dificuldades em praticar os preços reduzidos com todas as variáveis de custos de importação e tributações. Isso pede que nos concentremos em calcular os faturamentos focados nos centavos”, aponta.
A persistência da Daiso no sistema de margens apertadas de lucro se justifica pelo volume de vendas e indicativos de que o consumidor brasileiro vá, enfim, romper com o modelo mental de mudanças rotineiras de preço, imposto desde a época da hiperinflação. “Na percepção apurada dos clientes de hoje, na Daiso, os preços sempre estão em promoção”, anuncia Gonçalves.
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