Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Cinco cidades brasileiras oferecem educação de qualidade em todas as escolas da rede pública. Como elas conseguem?


A mãe de Pedro Velena, de 10 anos, esperou dois anos por uma vaga na escola que ela considera a melhor da cidade. Sertãozinho, no interior de São Paulo, tem 17 escolas do 1º ao 5º ano. A mais famosa delas é a Professor José Negri, de onde saem medalhistas em olimpíadas de matemáti­ca, física e astronomia. Desde 2006, foram 87. Para Pedro, que diz adorar aulas de matemática e que quer ser engenheiro civil quando crescer, a escolha de sua mãe pela José Negri foi natural.

"Minha mãe é muito exigente. Nove e meio para ela é pouco" diz Pedro. Se ele tivesse sido matriculado em qual­quer uma das outras escolas da cidade, também teria boas chances de tirar no­tas altas. Mais importante que isso: teria garantido seu direito de aprender.

Sertãozinho faz parte de um sele­to grupo de cidades brasileiras que conseguem oferecer educação pública de qualidade com equidade entre as escolas. A distância entre a melhor e a pior escola nesses municípios é pequena. Mesmo a pior escola ensina, no mínimo, as habilidades básicas de por­tuguês e matemática para os primeiros anos do ensino fundamental. Essa ca­racterística garante um dos princípios essenciais de uma sociedade civilizada, onde todos recebem oportunidades para aproveitar seus talentos indivi­duais e se desenvolver.

A pedido de ÉPOCA, Ernesto Mar­tins, coordenador de projetos da Fun­dação Lemann, analisou os resultados da Prova Brasil de 2011, que avalia as habilidades e competências em portu­guês e matemática. Ele considerou o desempenho dos alunos do 1º ao 5º ano, séries quase totalmente de responsabi­lidade municipal. Usou como referência do nível de aprendizado básico os crité­rios elaborados pelo movimento Todos Pela Educação. Apenas cinco, num total de 929 cidades, têm 100% das escolas com nota média igual ou superior à recomendada. São elas: Sertãozinho e Lençóis Paulista, ambas em São Paulo, Foz do Iguaçu, no Paraná, São Lourenço, em Minas Gerais, e Sobral, no Ceará. O mesmo estudo foi feito para os resulta­dos do 9º ano, o último do ensino fun­damental. Nenhum município (nem os cinco acima) conseguiu garantir médias ideais para todas as escolas.

O indicador mais importante de qualidade de uma rede pública é os alunos terminarem a escola sabendo o que deveriam. Isso é raro no Brasil. Um estudo da Unesco com a Universidade Federal de Minas Gerais mostrou que, em 2009, 22% dos alunos das escolas públicas do Brasil concluíram o ensino fundamental sem habilidades básicas de leitura. E 39% sem conhecimentos essenciais de matemática.

É verdade que o país avançou. O índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que desde 2005 avalia o ensino público, mostra alguma melho­ra na média nacional. Ele é calculado levando em conta as médias da Prova Brasil e a taxa de aprovação dos alunos. Por trás dessa aparente melhora, porém, persiste uma grande disparidade regio­nal, mesmo dentro dos municípios. Tão importante quanto conseguir uma boa média nacional é ensinar habilidades de leitura e matemática a todos os alunos, sem se importar com seu perfil socioeconômico. "Não existe qualidade sem equidade", afirma Priscila Cruz, diretora executiva do Todos Pela Educação.

Garantir esse padrão mínimo de qualidade não é fácil. Basta olhar os resultados do Ideb. Alguns exemplos: a média do Ideb (do 5º ano) do Estado mais bem colocado, Minas Gerais, é 5,8 (a escala é de 0 a 10). A do pior, Alagoas, é 3,5. Entre municípios, a disparidade é ainda maior. Claraval, em Minas, ti­rou 8,3. Monteirópolis, em Alagoas, 2,5. "A equidade é hoje o maior desafio da educação brasileira", diz Cleuza Repulho, presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação. "Para os mu­nicípios, é um esforço gigantesco."

As cinco cidades que conseguiram esse padrão de qualidade para todos oferecem boas lições para o país. Os caminhos são particulares de cada localidade, mas é possível identificar ca­racterísticas ou estratégias comuns:

1 MANTER A POLÍTICA LONGE DA SALA DE AULA

Há uma condição comum a esses cin­co municípios, um item fundamental para que as reformas escolares se tor­nem viáveis: continuidade na política de educação. Como, nessa área, os re­sultados demoram anos para aparecer, é preciso tempo para identificar as falhas e corrigi-las. A mudança no comando municipal é mais rápida e, muitas vezes, interrompe a melhora. É a velha histó­ria: muda o prefeito, muda o secretário, muda a ideologia, e o que foi feito pe­los anteriores é desfeito para começar tudo do zero. É comum isso acontecer até mesmo entre executivos do mesmo partido. Nesse vaivém dos gabinetes, os mais prejudicados são os alunos.

Em Sertãozinho, a secretária Maria Dirma Francisco, no cargo desde 2001, passou por dois prefeitos em três man­datos. O atual, do PPS, ao perceber que o trabalho feito pela equipe de Dirma dava resultado, continuou o projeto do prefei­to anterior, do PSDB (ambos são rivais nestas eleições). "Ele confiou na equipe e deu liberdade para a gente trabalhar", diz ela. Também com 12 anos de ativi­dade, a reforma de Sobral resistiu a três prefeitos e quatro secretários, ainda que do mesmo grupo político, o PSB. Em Lençóis Paulista, a atual prefeita, em seu primeiro mandato, foi secretária muni­cipal entre 2005 e 2009.

Quando a política partidária respeita as necessidades da sala de aula, a solução começa com as indicações para cargo de diretor de escola. O diretor é figura-chave para que todo o plano das secretarias funcione. Uma das primeiras medidas tomadas por Margarida de Luca Alves quando assumiu a Secretaria de São Lourenço, em 2009, foi determinar que os diretores passassem a ser escolhidos pelos integrantes da própria escola. "Fi­quei assustada com a falta de critérios das escolhas", afirma ela. Em Sobral, os diretores passaram a ser selecionados por mérito também logo no começo das mudanças, em 2001. Quem já era dire­tor teve de passar pela mesma seleção: uma prova escrita, avaliações comportamentais e entrevistas. Resultado: a rede trocou 75% do total de seus diretores naquele ano - e passou a cobrar mais deles a responsabilidade pela eficácia do ensino em suas escolas.

2. AVALIAR SEMPRE E ESTABELECER METAS

Os planos de gestão da educação das cinco cidades campeãs de qualidade têm um único objetivo: todos os alunos pre­cisam aprender, não importa sua classe social. Para saber se o plano está dando certo, é preciso acompanhar o desem­penho de cada um dos estudantes. As avaliações sistemáticas são adotadas sem receio. As escolas das redes municipais participam das avaliações federais, como o Ideb, das estaduais e ainda têm uma avaliação própria, uma prova aplicada a todos os alunos, de todas as séries dos primeiros anos do ensino fundamental, no mínimo duas vezes por ano.

Como as avaliações são abrangentes e freqüentes, seus resultados também servem para mapear os alunos mais atrasados e como eles evoluem ao longo do tempo. A partir daí - e essa é uma estratégia adotada por todas as escolas de todas as cinco redes, - a recuperação é feita, aluno por aluno, imediatamente. Ninguém espera chegar o final do ano para recuperar o déficit de aprendizagem de uma criança. "É importante que o município olhe com atenção espe­cial para suas piores notas. É aí que ele precisará trabalhar com mais esforço" afirma Romualdo Portela, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), especialista em políticas públicas de ensino.

Em São Lourenço, os alunos são ava­liados três vezes por ano. Existe uma categoria de professor exclusiva para cuidar dos estudantes com dificulda­des. O professor recuperador trabalha o ano inteiro com o professor regular, no mesmo turno ou no contraturno, sob demanda. "Ensino o que o professor principal pede", diz Miriam de Almeida Mota Silva, professora recuperadora da escola Coronel Manoel Dias Ferraz, na periferia da cidade. Miriam é a respon­sável pela recuperação de Vanessa Lopes Silva, de 10 anos. Ela deveria estar no 6º ano, mas ainda cursa o 4º. Sua principal dificuldade era entender os textos que lê. Com as aulas de Miriam, a menina começa a ganhar mais fluência. "Com ela, consigo aprender o que não entendi na sala de aula", diz Vanessa.

Outro resultado das avaliações é o estabelecimento de metas. Cumprir os objetivos, nesses municípios, é uma obsessão. Em Lençóis Paulista, toda a rede trabalha com metas, do pessoal da cozinha aos alunos. Isso foi determina­do em 2005, quando a atual prefeita era secretária de Educação e criou o plano de gestão das escolas. Metas individuais são estabelecidas de acordo com as da escola e da rede. O diagnóstico vem da avaliação municipal, uma prova aplicada em todas as séries do ensino fundamen­tal, três vezes por ano.

Depois de 23 anos de magistério, a professora Fátima Cardim começou a trabalhar com metas. Sua missão neste ano é ensinar textos de diversos gêne­ros, como fábulas, cartas ou receitas. Os alunos e pais foram informados em março de que precisavam melhorar nesse quesito. A meta dela é ter 100% de sua classe com a habilidade. Na avaliação de março, foi detectado que 18 dos 20 estudantes não domi­nam os gêneros de escrita. Na segunda avaliação, feita em julho, apenas um aluno continuava com dificuldade. "O bom disso é que todas as pessoas estão envolvidas num único objetivo. Antes, meu trabalho era solitário."

3.POLÍTICAS SOB MEDIDA PARA CADA ESCOLA

Com os resultados das avaliações, é possível enxergar que escolas apresentam problemas específicos e criar, a partir daí, políticas sob medida. Essa é uma das principais estratégias para ga­rantir a equidade. Há cinco anos, Foz do Iguaçu tinha altas taxas de abandono e reprovação, infladas por determinado grupo de escolas. Localizadas em bair­ros próximos da margem do Rio Paraná e da Ponte Internacional da Amizade, entre Foz e Ciudad dei Este, no Paraguai, essas escolas perdiam seus alunos para quadrilhas de contraban­distas, que aliciam famílias inteiras para fazer a passa­gem de mercadorias ilegais entre um país e outro.

A partir daí, a secretária Joane Vilela, no cargo desde 2008, criou uma equipe for­mada por assistentes sociais e psicólogos, que trabalham com as crianças e suas famílias. Ao mesmo tempo, Foz do Iguaçu adotou um programa estadual em que cada escola preenche uma fi­cha com informações sobre os alunos que sumiram das aulas. Essas fichas os tornam visíveis, e a equipe pode atuar com mais eficácia e acompanhar caso a caso. Com um apoio extra da prefeitura, escolas velhas foram reformadas. Foi também criado um período para receber alunos que precisam realizar atividades fora do horário escolar, o contraturno. A taxa de abandono da rede caiu de 7%, em 2008, para zero, em 2011.

O rendimento dos alunos melhorou. Na Escola Municipal Pedro Viriato Parigot de Souza, numa área onde atuam tanto quadrilhas de contrabandistas como traficantes de drogas, o Ideb pas­sou de 4,2, em 2005, para 7,3, no ano passado. A Escola Municipal Elenice Milhorança, no Jardim América, um dos bairros vizinhos à região da Ponte da Amizade, saiu de 4,1 e chegou a 7 no mesmo período. A estratégia de mon­tar um plano para as escolas mais crí­ticas ajudou a puxar para cima a média de todo o município. Em 2005, o Ideb de Foz do Iguaçu foi de 4,2. A escola com a maior nota tirou 5,3. Em 2011, Foz ficou com 7, e a escola com maior nota tirou 8,6 - a melhor do país.

4.VALORIZAÇÃO DO PROFESSOR

Gestão, avaliação, metas, recupera­ção. Nada disso funciona se, dentro da sala de aula, o professor não está apto e estimulado a ensinamto mesmo tempo que promoviam as mudanças, todos os cinco municípios investiram na remuneração e formação dos mestres. Na remuneração, prevalece a bonificação de acordo com o resultado do desem­penho dos alunos. Sobral paga R$ 250 a mais por turma que atinge a meta. Se o professor tem duas turmas, ganha R$ 500. Em São Lourenço, um comitê avalia o professor levando em conta a frequência e a didática em sala de aula. Se ele tira nota igual ou maior que 7, ganha um bônus que pode chegar a 50% do salário. Sertãozinho paga 14º salário para os que têm alta frequência.

A formação dos professores é o fa­tor que mais demanda atenção. Sobral criou uma estrutura em que todo pro­fessor do 1º ao 5º ano assiste a aulas sobre como usar o material didático daquele mês. Antes de entrar em sala de aula, eles ainda discutem com os orientadores pedagógicos. Com pla­nos de aula afinados, o aproveitamen­to do tempo em sala melhorou. Antes, o professor chegava atrasado, gastava tempo organizando a turma ou dispensava os alunos mais cedo, por falta de ideias de atividades. As aulas, que duravam, na prática, duas horas, ago­ra rendem quatro horas, segundo o secretário Julio Alexandre.

Em Sertãozinho, foi criado um cargo novo: assistente pedagógico, para cui­dar do aprimoramento dos docentes. Eles saem da cidade em busca de cur­sos oferecidos por universidades para aprender técnicas didáticas usadas nas aulas. Quando voltam, transmitem o que aprenderam aos coordenadores pedagógicos de cada escola. E estes en­sinam aos professores. "Antes de fazer o aluno gostar da escola, tive de fazer o professor gostar de dar aula", diz a secretária Maria Dirma.

Com professores bem treinados, essas redes conseguem dar certa au­tonomia à prática em sala de aula. Os mestres precisam trabalhar com o ma­terial didático escolhido pela rede, em muitos casos, desenvolvem técnicas próprias de ensino. Em Foz do Iguaçu, as professoras Leda Márcia Dal Gin e Maria Isabel Gomes Vieira tomaram a iniciativa de dividir a mesma classe, de 5Ü ano, Uma ficou com as aulas de português e ciências. A outra, com ma­temática, geografia e história. "Várias vezes, conversando, percebíamos que tínhamos notado algum problema com um ou outro aluno. Ele não receberia a atenção necessária se uma não tivesse comentado com a outra", diz Leda.

O sucesso desses cinco municípios é, em parte, possível porque eles tinham condições especiais para isso. Trata-se de redes pequenas, com no máximo 51 escolas de anos iniciais. O secretário de Educação e os supervisores conseguem acompanhar pessoalmente as escolas, para controlar e cobrar resultados. Também parece mais fácil para municípios pequenos criar um ambiente em que todos se sentem responsáveis pelo aprendizado do aluno, inclusive as famílias. Sobral recebe apoio técnico e financeiro do Unicef. Apesar de ter médias altas no Ideb, essas cidades não são pepitas. São Lourenço tem uma alta taxa de defasagem escolar, que aparece como distorção entre a idade e a série do aluno. Um terço das escolas de Lençóis Paulista não alcançou a meta ou teve queda no Ideb em 2011. Todas estão com médias muito baixas nos anos finais (6º ao 9º ano) do ensino fundamental.

Mesmo assim, de alguma forma e com muito esforço, esses cinco municípios encontraram um caminho. Ele tem mais a ver com a gestão da rede que com pedagogia, um dado relevante em tempos de eleições municipais. A receita milagrosa não existe. Essas cidades estão apenas fazendo, com mais eficiência, algo básico para que alunos como Fedro, de Sertãozinho, de classe média, e Vanessa, que estuda na periferia de São Lourenço e tem mãe analfabeta, tenham chances iguais de aprender. Que sirvam de inspiração a outras.

Fonte:Autor(es): Camila Guimarães. Época

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