Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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“Financiamento climático precisa sair do piloto automático”, diz secretário-executivo adjunto da Fazenda

Em entrevista, Rafael Dubeux detalha esforços do Brasil para liderar agenda verde, mobilizar US$ 1,3 trilhão em financiamento, estruturar o Fundo Tropical das Florestas e integrar mercados de carbono.

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Sibipiruna. Quando florida, essa árvore brasileira de grande porte parece um pé de algodão-doce amarelo. Nativa da Mata Atlântica, ela é uma das primeiras espécies a surgir em áreas degradadas, sendo, por isso, muito usada em reflorestamento. É também o nome da sala onde Rafael Dubeux, secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda, recebeu a equipe de jornalismo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para falar sobre os esforços do governo em preparar o terreno para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém (PA), e como o Brasil quer florescer como liderança verde no cenário internacional. 

O Ministério da Fazenda lançou na 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, COP28, o Plano de Transformação Ecológica – agora, chamado de Novo Brasil. O programa distribui políticas públicas e ações estratégicas em seis eixos temáticos (finanças sustentáveis; adensamento tecnológico; bioeconomia e sistemas agroalimentares; transição energética; economia circular; e nova infraestrutura verde e adaptação) buscando fomentar a neoindustrialização. 

Para a COP30, o Ministério da Fazenda tem trabalhado para responder aos apelos por uma conferência bem-sucedida, que resgate o multilateralismo. Na esteira do Plano de Transformação Ecológica e da presidência brasileira do G20, a pasta informou que trabalha para canalizar pelo menos US$ 1,3 trilhão para o financiamento climático de países em desenvolvimento até 2035. 

Na COP29, os países concordaram em destinar ao menos US$ 300 bilhões por ano para ações climáticas em nações em desenvolvimento. Também ficou acordado o esforço global para mobilização dos US$ 1,3 trilhão e a entrega, por Azerbaijão e Brasil, de um plano com caminhos para alcançar esse montante durante a COP30.

Unidos pelo mesmo princípio do multilateralismo, outros dois projetos têm recebido a atenção da pasta para a conferência em Belém. O primeiro, o Fundo Tropical das Florestas (TFFF) – fundo de renda fixa internacional construído a partir da ideia do investimento com retorno, de modo a incentivar os países desenvolvidos a se envolver com a proteção das florestas mesmo em um momento de restrições fiscais. 

A proposta é que o TFFF aloque os recursos dos investidores em títulos públicos de diversos países, como o Brasil, com um retorno anual em dólares estimado de até 8%. A maior parte dessa rentabilidade seria distribuída aos cotistas, enquanto a restante iria para os países de renda média e baixa, que protegem suas florestas – o que seria monitorado por satélites. 

Uma vez constituído, o TFFF, segundo o ministério, tem a meta de captar US$ 125 bilhões (aproximadamente R$ 700 bilhões). Até o momento, 12 países demonstraram interesse em aderir à iniciativa. 

O segundo projeto prevê a integração dos mercados de créditos de carbono para evitar que alguns países usem barreiras comerciais sob o pretexto de proteger o meio ambiente. 

Na entrevista a seguir, Rafael Dubeux fala sobre os bastidores dessas iniciativas e explica como o Brasil está se posicionando para entregar uma COP de resultados e “enraizar” de vez a economia de baixo carbono:  

Rafael Dubeux, secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda

Qual o papel do Ministério da Fazenda na elaboração do relatório que visa garantir o financiamento climático de US$ 1,3 trilhão anuais até 2035 para os países em desenvolvimento? 

Rafael Dubeux: O Brasil está liderando o processo de elaboração do roadmap de como chegar nessa meta. Isso envolve dois eixos: um mais técnico e um mais político. A parte técnica trata de como a gente poderia estruturar instrumentos financeiros que tornem viável a mobilização desses recursos — é algo que envolve instituições como o Banco Mundial, o FMI, a OCDE e o setor privado.  

Já a parte política envolve o engajamento de outros países, especialmente os países em desenvolvimento, mas também os desenvolvidos, para construir consensos e uma visão comum.  

Quais são os principais desafios para mobilizar esse volume de recursos? 

O principal desafio é sair do piloto automático. Hoje a gente vê muitas iniciativas pequenas, muitos projetos isolados, mas pouco impacto em escala. Além disso, há muita realocação de recursos — ou seja, dinheiro que já existia e que é reetiquetado como climático.  

O que a gente precisa mesmo é de dinheiro novo, e para isso os instrumentos financeiros precisam ser redesenhados para lidar com os riscos dos países em desenvolvimento. Caso contrário, o capital continuará fluindo só para onde o risco é mais baixo, o que geralmente exclui grande parte do mundo em desenvolvimento. 

Qual o papel do setor privado nesse esforço? 

O setor privado é fundamental. Não tem como pensar em alcançar US$ 1,3 trilhão anuais apenas com recursos públicos. O que a gente quer é construir uma arquitetura que permita ao setor privado investir mais em ações climáticas, principalmente nos países em desenvolvimento. Isso passa por reduzir o risco de investimentos, melhorar a previsibilidade dos fluxos e criar instrumentos financeiros inovadores — como garantias, blended finance, fundos estruturados, entre outros. É aí que o setor público, incluindo os bancos multilaterais e os países desenvolvidos, entra como viabilizador.

Em entrevista, Rafael Dubeux, secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda, falou dos esforços do governo em preparar o terreno para a COP30

O Fundo Tropical das Florestas (TFFF) se insere dentro do esforço maior de mobilização dos US$ 1,3 trilhão?  

Sim. O fundo é uma das peças dentro desse quebra-cabeça. A lógica é que o roadmap vai apresentar um conjunto de instrumentos e soluções complementares. O fundo é um deles, voltado especialmente para a preservação de florestas tropicais. Ele responde a uma demanda importante de países em desenvolvimento que possuem grandes áreas florestais e que precisam de apoio para manter essas áreas preservadas. 

Qual é a lógica por trás desse fundo?  

A ideia é ter um fundo multilateral, com governança transparente, onde os países desenvolvidos coloquem um volume significativo de capital — e esse capital não seria gasto diretamente, mas investido, com rendimentos sendo utilizados para fazer pagamentos periódicos a países que preservam suas florestas.  
Ou seja, é uma forma de criar um fluxo de recursos estável e de longo prazo, com menos volatilidade. Os países que mantêm suas florestas em pé receberiam esses pagamentos de forma recorrente, o que também permite planejamento de políticas públicas voltadas à conservação e ao desenvolvimento sustentável. 

O fundo estará operacional até a COP30?  

Neste momento, estamos discutindo o desenho técnico do fundo com apoio do Banco Mundial, que está ajudando com estudos e modelagens. A proposta tem sido bem recebida nas discussões com outros países e instituições. A nossa expectativa é que, até a COP30, a gente já tenha um modelo mais amadurecido, talvez até com estrutura de governança definida. Se conseguirmos que ele já esteja operacional até lá, ótimo. Mas o fundamental é chegar com uma proposta sólida, robusta e viável. 

Rafael Dubeux, secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda

O Brasil tem defendido a formação de uma coalizão de países interessados em um mercado internacional de carbono. Poderia explicar melhor essa iniciativa?  

Sim. A ideia é que os países que têm interesse em criar ou operar mercados de carbono com regras claras e ambientais robustas possam começar a interagir entre si — mesmo antes de se fechar um acordo global definitivo. Isso pode ajudar a estabelecer boas práticas, sinalizar para o mercado e gerar aprendizados. A coalizão não substituiria o acordo multilateral, mas pode funcionar como um catalisador. Estamos discutindo isso com outros países, inclusive da América Latina. 

As decisões nas COPs exigem consenso entre quase 200 países. E esse consenso é difícil de alcançar porque existem interesses muito diferentes em jogo. Alguns países têm grandes mercados de carbono, outros querem regras mais rígidas, outros têm preocupações com soberania ou com o impacto econômico das medidas.  

Em relação ao mercado de carbono nacional, em que pé está a regulamentação? 

O Ministério da Fazenda está coordenando um grupo interministerial para a regulamentação do mercado. Isso inclui estudos sobre o impacto econômico, definição de setores prioritários, formas de monitoramento, e como esse mercado pode se conectar com os mercados internacionais. Queremos que o Brasil tenha um mercado eficiente, com integridade e que também ajude na competitividade da nossa economia. 

Qual é o papel da indústria nessa agenda de transformação ecológica? 

A indústria é central. Nenhuma transição ecológica será bem-sucedida se não for também uma estratégia de desenvolvimento produtivo. Por isso, o Plano de Transformação Ecológica tem como eixo transversal a neoindustrialização. Queremos estimular inovação, eficiência energética, economia circular e novas tecnologias limpas. E é por meio da indústria que esses avanços ganham escala. 

E qual é o papel da COP30 nessas agendas? O que o Brasil quer mostrar ao sediar essa conferência?  

A COP30 será uma oportunidade de mostrar que é possível desenvolver com a floresta em pé. E isso envolve desde instrumentos de financiamento, como esse fundo, até modelos produtivos como bioeconomia, concessões florestais, sistemas agroflorestais, mercado de carbono, hidrogênio verde, SAFs, entre outros.  
Estamos preparando uma série de iniciativas que mostram que é viável ter desenvolvimento econômico e conservação ambiental ao mesmo tempo. É a COP da floresta, e queremos que ela deixe um legado concreto, tanto para o Brasil quanto para o mundo. 

Com a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, as discussões em torno da agenda verde enfraquecem? 

Essas mudanças sempre têm impacto, claro. Mas o processo está em andamento, e a transição para uma economia de baixo carbono está em curso no mundo inteiro. Mesmo nos EUA, você vê estados e empresas comprometidos com metas de descarbonização, como é o caso da Califórnia.  

O importante é construir mecanismos que sejam resilientes a essas oscilações políticas. Por isso a ideia do fundo é tão relevante — ele pode oferecer estabilidade e previsibilidade independentemente de quem estiver no governo de um país ou outro. 

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