Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Líderes podem acelerar a transição para um mundo sustentável ( mercado ético)

 

 

 

30/08/2011 18:20:42

“Líderes podem acelerar a transição para um mundo sustentável”


Henrique Andrade Camargo, do Mercado Ético

Seria o líder um elemento fundamental para levar a sustentabilidade para dentro das corporações? De acordo com Ricardo Voltolini, jornalista e consultor nessa área, a resposta é sim. Ele acaba de lançar o livro “Conversa com líderes sustentáveis” (Senac-SP) e acredita que os mercados só adotarão boas práticas de Responsabilidade Socioambiental na medida em que forem surgindo lideranças apaixonadas pelo tema.

De certa forma, Voltolini vai provando a tese no decorrer de sua obra. Seja por meio de artigos que traçam um retrato geral do que seria um líder sustentável, ou pelo perfil de profissionais que trabalharam com o conceito em suas empresas – entre eles Fábio Barbosa, ex-Santander, Guilherme Leal, da Natura, e Héctor Núñez, ex-Walmart -, ele mostra que somente depois de alguém nas posições mais altas da empresa assumir a causa é que as coisas começaram a andar.

Nesta entrevista exclusiva ao Mercado Ético, Voltolini fala sobre o livro e explica a forma que vê como a mais eficaz de inserir a temática no core business da organização.

Leia abaixo!

Mercado Ético – Você trabalha com sustentabilidade há 14 anos. Como vê o interesse das empresas por essa temática no decorrer desse tempo todo?

Ricardo Voltolini – Passei dez desses 14 anos pastorando no deserto. Era um trabalho de conversar, convencer, ir às empresas, discutir os porquês… Por que a empresa deve investir em sustentabilidade? Por que deve ter compromisso com Responsabilidade Social e Ambiental?

Mais especificamente de quatro anos para cá, por conta de um fato importante em 2007, houve uma aceleração do senso de urgência nas empresas pela implementação da sustentabilidade na cultura e na gestão. O fato importante é que o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês) faz o famoso anúncio do aquecimento global. E esse anúncio vem cercado de uma série de expectativas pessimistas, cenário duro e cruel, com um horizonte muito curto para mudanças. Dizia que o planeta está aquecendo em um ritmo assustador. Que poderíamos chegar a um limite perigoso de aquecimento de 2°C, o que significaria um comprometimento da qualidade de vida no planeta. E esse cenário foi atribuído à ação humana. A partir desse momento, quando se coloca um certo tom de gravidade – e aí vem Al Gore com o filme “Uma verdade inconveniente” – o tema deixa de ser privilégio de um pequeno e seleto grupo de cientistas e ambientalistas acadêmicos iniciados em Responsabilidade Socioambiental e passa para Fashion Week, enredo de escola de samba… Os formadores de opinião fazem a informação girar. E o que percebi é que as empresas que vinham encubando uma preocupação com sustentabilidade passaram a tomar algumas medidas mais práticas.

ME – Mas há uma pressão legal também, não?

RV – Sim, evidente. Aí tem pressão legal, com leis ambientais, e da sociedade, que demanda novos comportamentos das empresas e dos mercados. Acho que a sustentabilidade no core business, no centro do negócio, vem logo depois da Responsabilidade Socioambiental. É quando a empresa percebe que é fundamental incorporar esses princípios na gestão dos negócios. Esse é o momento inclusive em que o termo sustentabilidade ganha notoriedade.

Isso aumenta a demanda por trabalhos que pensem o planejamento e a inserção da sustentabilidade na gestão, como desenvolver cultura da sustentabilidade, executivos de empresas para os grandes temas dessa área, espaços de planejamento e engajamento, mapeamento de emissões, uso de água. Há uma preocupação muito maior e muito mais intensa que se traduz em uma procura por esses serviços especializados. Então essas práticas começam a ir para o centro da empresa, onde passam a ser discutidas de um modo mais estratégico.

ME – Você acabou de lançar o livro “Conversas com líderes sustentáveis”. Fala-se muito que falta um grande líder em sustentabilidade, um Mandela, como ressalta o economista Fernando Almeida, uma das referências em sustentabilidade no Brasil. Você acha mesmo que isso faz sentido?

RV – Uma das conclusões do livro é que não se tem muita dúvida hoje sobre a importância de líderes em sustentabilidade. Eles fazem uma diferença enorme. Fizemos um estudo que mostra claramente que nas empresas onde esse conceito avançou mais, comparando com as demais, havia um líder sentado na cadeira de presidente, que tinha uma extrema afinidade e interesse pelo tema. Partindo dessa pesquisa, chegamos à conclusão de que a liderança é uma variável fundamental. Se há um líder, ele normalmente forma outros líderes, é um porta-voz ativo do tema. É alguém que pauta a empresa. É alguém que tem a coragem de propor a mudança e a persistência para conduzi-la no dia a dia, até porque elas não são simples nem fáceis.

ME – Algumas pessoas fazem uma analogia da liderança em sustentabilidade com os Apaches. No século XV, quando os espanhóis chegaram à América, conheceram os Astecas, ficaram encantados com eles e acabaram com aquele povo em dez anos. Com os Apaches foi um pouco diferente. O povo de modo simples era dividido em grupos pequenos, descentralizados e sem uma grande liderança. Só que para acabar com eles, os espanhóis demoraram 200 anos. Então pergunto: um grande líder é realmente necessário?

RV – Já ouvi muitas pessoas dizerem isso. Há importantes pensadores que não acreditam na importância de uma grande liderança. Eu diria que eu não falo somente de uma grande liderança. Falo de líderes. Um dos pensadores que menciono no livro, que me influencia muito, o Peter Senge, tem uma tese com a qual concordo completamente, que é o fato de que nas organizações mais sensíveis para mudanças sustentáveis, com ambientes mais abertos, elas acabam descobrindo líderes de sustentabilidade nas camadas periféricas. As vezes é um líder que não está em uma posição de comando, mas que surge, que emerge. No livro, há uma parte em que a Maria Luiza Kent, uma das entrevistadas no capítulo que fala sobre a história do Banco Real, diz algo muito relevante: “um fato interessante que descobrimos é que quando criamos o ambiente no banco para discutir sustentabilidade e envolver as pessoas surgiram líderes que não estavam nos postos de comando.”

Isso aconteceu porque aquelas pessoas tinham afinidade com o tema, porque pegaram para si, mobilizaram-se, botaram energia. Tudo isso são coisas fundamentais. Mas se considerarmos que as estruturas organizacionais são verticais e hierarquizadas, esse sujeito aqui em cima, que está no topo da empresa, ainda faz uma diferença grande. É ele que bate o tambor, que pauta, que cria a cultura. Não acredito que se implanta sustentabilidade somente com o CEO, mas também não se implanta sustentabilidade sem o CEO.

ME – Ate porque as decisões do CEO estão baseadas nas vontades dos conselhos.

RV – Exatamente. Mas um presidente de empresa que está com a mão na massa e acredita profundamente no valor da sustentabilidade para a gestão do negócio, certamente vai usá-la como um driver, um instrumento de navegação, um elemento para tomar decisões que estão mais afinadas com o que a gente chama de triple botton line. E quanto mais líderes assim, mais rápido será a transição do botton line para o triple botton line. Eu diria que isso é uma estrada e que estamos no início dela. Não no meio, nem no final. No começo, porque se pressupõe uma mudança de visão transformadora. Hoje, o pilar econômico é ainda o que dá o tom nas corporações. As empresas se avaliam e são avaliadas no mercado pelo resultado trimestral. Quando falamos em sustentabilidade, os ciclos são mais longos.

ME – Você falou em triple botton line. Mas existem correntes hoje que acham que essa abordagem não é tão completa diante das necessidades da sustentabilidade. A InterfaceFlor, empresa que se destaca por suas práticas sustentáveis, por exemplo, baseou suas ações no The Natural Step (TNS), que tem uma abordagem um pouco diferente. Em vez de ver três esferas separadas (financeira, social e ambiental), o TNS vê a área financeira inserida na social que, por sua vez, está inserida dentro da esfera ambiental. Qual a sua opinião a respeito disso?

RV – Tenho um enorme respeito pelo TNS. Acho uma visão elaboradíssima. Propõe uma reflexão profunda sobre o equilíbrio para valer dessas três esferas. Acho que o momento em que a InterfaceFlor escolhe essa ferramenta como uma lógica para a gestão do seu negócio pode ser classificado como revolucionário. O que é emblemático nessa discussão é que houve uma mudança importante na própria maneira de pensar o negócio. Ela sai de uma empresa que vendia carpete para uma que, hoje, aluga carpete. Quando você vende, significa que um dia aquilo será disposto. E todos sabemos dos impactos ambientais causados por esse produto, que é intensivo em derivados do petróleo.

Então, o que a empresa faz na verdade é reavaliar o ciclo de tal modo que passe a exercer um controle também sobre o descarte. É uma visão muito avançada e de certa maneira contribui também para diminuir o uso de recursos na produção. Então, não classificaria a Interflor como empresa mais sustentável do mundo, mas é emblemática. Primeiramente por ser uma empresa americana, segundo porque é pioneira e o mais interessante de tudo, é que, dentro da nova proposta de pensamento de seu negócio, sai de uma visão onde a lógica é vender para uma lógica de alugar. Vende o serviço que o carpete te proporciona e não o produto carpete. Guardada as devidas proporções, é algo muito parecido com a ideia de Philip Kotler, de mudança da fabricação de produtos focada nas conveniências do fabricante para um produto focado nas necessidades do consumidor.

ME – Voltando ao livro, na primeira parte você diz que os mercados só irão incorporar a sustentabilidade quando houver mais líderes apaixonados pelo tema. Você não acha que outros elementos podem exercer uma pressão ainda maior do que somente a paixão de um líder?

RV – Eu uso a palavra apaixonado aí em um sentido mais amplo do que somente paixão. Para começar, um bom líder em sustentabilidade deve ser, antes de mais nada, um bom líder. É o sujeito que tem o olhar muito atento ao próprio negócio, uma cabeça muito voltada para resultados, alguém que saiba comandar e inspirar pessoas, alguém que saiba converter recursos humanos e técnicos em bons negócios, que seja transparente e que consiga comunicar suas ideias de modo claro, que consiga ter um certo carisma, competência de management, ser bem informado. O que agrega quando a gente fala de um líder de sustentabilidade é que ele já pensa de um modo diferente. Ele já considera, por exemplo, a questão da interdependência como algo relevante. Ele sabe que um bom negócio para obter sucesso nos tempos atuais, não pode ser apenas focado no lado lucrativo, que gere valor para o acionista. Ele tem que ter um negócio para as pessoas que estão lá na empresa, para as comunidades, para a sociedade e para o planeta. E gerar valor para o planeta é economizar recursos, minimizar ou mesmo eliminar impactos. Também é um líder que, por ter uma afinidade com o tema, carrega aquilo como um valor, um princípio. Ao tomar decisões, considera todos os princípios de sustentabilidade. E o que observei nos retratos que fiz de cada líder é uma preocupação com a coerência entre aquilo que pensa, sente e seus atos. Então é um líder com um modo de pensar com alguns elementos que os diferem desse líder tradicional, que é competente, mas muito focado no negócio, nos fundamentos da velha economia prática. O novo líder está mais próximo do que chamamos de ecoeconomia.

ME – Em um dos quatro modelos mentais descritos por John Naisbitt, ele diz que não se obtém resultado resolvendo problemas, mas explorando oportunidades. Quais as grandes oportunidades que você vê para os novos tempos?

RV – Quando a gente começou a discutir sustentabilidade, ela estava muito colocada em uma dimensão de risco. Fazia-se para não perder alguma coisa. Os novos tempos estão nos levando a acreditar em que o tema já é visto como um campo de múltiplas possibilidades e oportunidades. O campo de inovação, por exemplo, pressupõe a criação de futuro. E quando falamos disso, quero me ater a uma ideia de Peter Senge, que para criar esse futuro de produtos mais sustentável e tecnologias mais limpas, muito provavelmente os velhos elementos de uma economia passada terão descontinuidade. É preciso romper, criar tecnologias disruptivas. Mas vejo oportunidade em vários campos. No setor automobilístico, por exemplo, vejo a experiência da Toyota, que hoje é vista como um das empresas mais sustentáveis do mundo, porque na década de 90, contra tudo e todos, criou a primeira tecnologia de motor híbrido. Há uma infinidade de possibilidades. De repente há negócios que existirão e que hoje desconhecemos completamente, mas que em cinco anos serão as grandes empresas do mundo. Outro bom exemplo para falar de oportunidades são a Siemens e a GE, empresas globais. Elas estão investindo grandes quantias em novas tecnologias. Há uma procura maior cada vez maior por produtos assim. Em todos os ramos que você imaginar, a sustentabilidade será driver de inovação.

ME – E qual a melhor estratégia para implementar a sustentabilidade dentro das organizações?

RV – Para cada empresa você terá diferentes caminhos. Mas uma primeira questão que normalmente trabalho nas empresas pode nascer de uma pergunta relativamente simples, cuja resposta pode ser bastante difícil. “O que estou fazendo em termos de processo, sistemas, políticas e estratégias, para garantir o direito das futuras gerações a ar limpo para respirar, solo fértil para plantar, água potável para beber, clima estável para viver e sociedade menos desigual?” É uma pergunta simples. A resposta pressupõe a construção de uma série de processos internos, que vão levar à economia de recursos naturais, diminuição de impactos na atmosfera, promoção do desenvolvimento humano. A empresa vai mudar o seu olhar a partir de uma pergunta simples, essencial e provocativa. Então é fundamental que sustentabilidade entre na cultura e se insira na gestão, no modo de pensar e fazer negócio. Cada empresa vai escolher um caminho, que tem mais a ver com o seu negócio. Fabio Barbosa diz que “não importa se é por conveniência ou convicção que as pessoas façam sustentabilidade, o importante é fazer”.

ME – Um ponto que talvez algumas pessoas possam achar controverso em seu livro é a escolha dos líderes perfilados, que por ventura possam dirigir empresas que não sejam vistas de forma tão sustentável assim. Como você vê isso? Todos os líderes e empresas do seu livro são realmente comprometidos com a sustentabilidade?

RV – Há muitos anos trabalhando com o tema sustentabilidade que eu admiti para mim mesmo como princípio, até porque não faria muito sentido eu continuar trabalhando com empresas, que eu não vou ter o papel de julgador. Por isso tenho horror a ranking. Por mais bem intencionados ou criteriosos que sejam, são sempre rankings. Alguém sempre atribui um sistema de critérios e notas para escolher determinadas empresas. O que eu fiz? Tive um conjunto de critérios muito pessoais e particulares. O primeiro é a de que nenhum daqueles líderes ali hoje é visto por diferentes stakeholders como empresas que não caminharam pela estrada da sustentabilidade. Também parto do princípio de que nenhuma empresa é 100% sustentável ou 100% insustentável. Alguns dos líderes ali do livro são absoluta unanimidade. Outros são líderes mais jovens. Escolhi aqueles que tinham um compromisso com o tema, que estavam a frente de grandes empresas e que trabalhavam para colocar o conceito no dia a dia. Em nenhum momento do livro falo algo diferente disso. Em todo processo de escolha sempre haverá alguém perguntando “por que é que fulano não estava ali”. Muitos outros líderes poderiam estar no livro, mas não estão talvez porque não tenham histórias interessantes para contar. E um livro precisa disso

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