Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Cláudia Sousa Pereira

Hoje 1º de Maio, Dia do Trabalhador, falo-vos da minha relação com os sindicatos, estruturas que respeito mais pelo seu valor histórico do que por aquilo em que se foram tornando nos anos mais recentes. Faço-o com algum conhecimento de causa, não só porque o meu pai, que morreu cedo e por isso a trabalhar, era advogado em sindicatos ligados a uma central sindical – a UGT, e por isso por vezes chegavam à minha vida relatos de situações laborais que me confrontavam com a injustiça, como eu própria fui dirigente sindical de um sindicato afeto à Fenprof, aqui defendendo ativamente os direitos da classe profissional a que pertenço. E desta minha experiência, com o que sobre ela elaboro hoje a minha opinião, posso-vos dizer que quando deparei um pouco ao acaso com um provérbio sobre o mês que começa achei logo que estava tudo ligado. Diz o provérbio que «Maio é o mês em que canta o cuco» e já vos digo onde encontrei eu a ligação.
Das histórias que ouvi contar ao meu pai, a que mais me tocou não dizia respeito à relação laborar patrão-operário, muito embora as situações pouco sãs destas fossem também recorrentes. Recordo-me do drama vivido por um trabalhador da indústria têxtil a quem os colegas de trabalho martirizavam num bullying constante, escondendo-lhe peças de tecido na sua mala para que fosse acusado de roubo. E eu, com a cabeça cheia dos dramas narrados pelo escritor francês Émile Zola que transportava para a literatura a miséria da era industrial do século XIX, imaginava o dia-a-dia atormentado daquele trabalhador a quem o sindicato parecia ser o único a dar ouvidos. Aquilo era o meu caso real, mais próximo, do que falavam os filmes sobre as lutas de Chicago, cidade onde em 1886 se reuniram milhares de pessoas no primeiro 1º de Maio do Mundo, numa manifestação que tinha como finalidade reivindicar a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias, tendo início, também nesse mesmo dia, uma greve geral nos EUA.
Quando entrei como assistente-estagiária para o mundo laboral fiz-me então sócia de um sindicato, onde fui até muito ativa, chocada com o que, sendo considerada uma carreira de elite dentro da carreira docente, considerava-a (e considero) uma carreira precária, já que a entrada num quadro estável apenas se faz praticamente no final, depois de provas académicas e científicas ultrapassadas, e dependendo de vagas que podem nunca vir a abrir. Confesso que, face a outras precariedades e, sobretudo, face à inércia que se cola a muitos que conquistam cedo a estabilidade, ultrapassei a questão, que fui deixando mais abaixo nos rankings das minhas preocupações com a vida. Mas dessa passagem pela vida ativa de um sindicato várias coisas me foram desiludindo: a profissionalização de sindicalistas que se afastavam a olhos vistos da realidade da classe dos professores; o peso administrativo dentro do sindicato, que muitas vezes era resultado daqueles se tornarem quase sucursais de seguradoras com diferentes serviços de mutualismo e benesses sociais; bem como o conforto em que facilmente se instalavam quando mesmo não concordando, por exemplo, com muitos aspetos da formação contínua, rapidamente se transformaram eles próprios em centros desse tipo de formação. Claro que só a distância no tempo me dá agora esta perspetiva mais crítica e poder-me-ão sempre acusar de naquela altura ter sabido aproveitar a situação, mas a verdade é que envelhecer tem também esta particularidade de irmos ganhando mais consciência de algumas coisas da vida.
Para terminar, devo dizer-vos que quando assisto desde há uma década pouco mais ou menos, aos discursos quase a roçar o extorsionário de certos sindicalistas, estes me fazem lembrar a história do cuco; não pelo que este faz com as crias, pois em vez de construir ninho, deposita os seus ovos nos ninhos de outras aves que ficam com a tarefa de cuidar do jovem cuco até este ser independente, mas porque parecem sempre desejar ser esta espécie de hospedeiros que se apressam a ficar com os ovos dos outros, que atraem para o seu ninho, para poderem prolongar esse choco e dele receberem não só o seu sustento, mas os louros de por eles fazerem tudo. Não serão todos assim, não, mas que os há, há e é importante que, conscientes destes riscos, para mim são-no, quem continue a acreditar na necessidade de representar grupos profissionais e defender os seus direitos, num trabalho político e cívico inquestionável e importante, deva continuar ou começar a fazê-lo de forma a que essas estruturas não caiam num autismo que muitas vezes impede a solução equilibrada e moderada, em que o ótimo se torne inimigo do bom e onde o desejável não impeça o possível. E é por isso que o diálogo e a concertação social em torno das questões laborais devem continuar sendo isso mesmo: diálogo e concertação. Bom 1º de Maio a todos os que foram, são e procuram ser trabalhadores, estes infelizmente em tão grande número nos dias que correm.

Fonte:|http://www.dianafm.com/index.php?option=com_content&view=articl...

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