Uma norma editada pela ANA (Agência Nacional de Águas) coloca em risco a segurança hídrica de empresas e condomínios instalados que utilizam águas subterrâneas (poços artesianos) em regiões onde existe uma rede pública de abastecimento.

A Associação Brasileira de Águas Subterrâneas, em ofício, alertou a agência e mobiliza seus pares e a sociedade, de maneira geral, para tentar ajustar essa normatização antes que setores importantes da atividade econômica sejam severamente atingidos.

Hoje, na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), por exemplo, estima-se que existam 13 mil poços tubulares privados que, no seu conjunto, extraem mais de 11 m³ por segundo. Isso representa cerca de 18% do consumo total da região.

Grosso modo, nenhum grande empreendimento da região sobreviveria sem o uso das águas subterrâneas. São hospitais, aeroportos, hotéis, shopping centers e indústrias que dependem desse recurso para garantir suas atividades.

Na última crise hídrica, com o colapso do abastecimento público, a RMSP manteve suas atividades econômicas em andamento, ampliando para 25 % o uso de águas subterrâneas no abastecimento total da região.

Nas recentes enchentes do Rio Grande do Sul, novamente, as águas subterrâneas se mostraram um recurso estratégico. Poços estão abastecendo as populações com água potável, além de representarem reserva fundamental para a operação de hospitais, centros de acolhimento e indústria.

Exemplo emblemático foi uma gigantesca cervejaria gaúcha que passou a produzir água enlatada para fornecimento à população. Trata-se de água de excelente qualidade, extraída de poços particulares, enquanto os recursos superficiais sofrem com o barro e a sujeira resultante da catástrofe.

Diante da emergência climática que se anuncia, não faz o menor sentido, deixar de lado um recurso como esse sob quaisquer justificativas. A fiscalização é necessária e bem-vinda. Porém, não é possível regredir no marco regulatório, como pretende a norma editada pela ANA.

A questão da exploração das águas subterrâneas está mergulhada em um emaranhado jurídico dos mais complicados. Com a edição da Lei Nacional de Saneamento Básico (LNSB), em 2007, surgiram interpretações de que seria proibido o uso das águas subterrâneas nas localidades que possuíam ou aparentavam possuir rede pública de abastecimento.

Depois de muita luta de todo o setor, o Decreto nº 7.217, de 20 de junho de 2010, deixou claro e garantido o direito de utilização das águas subterrâneas mesmo em áreas servidas pela rede pública de abastecimento.

Em complemento, foi editada a Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020, que alterou a LNSB, inclusive para prever que é autorizado aos imóveis não-residenciais e aos condomínios o uso de águas subterrâneas. Parecia, assim, que a polêmica tinha se solucionado e que o País passaria a atuar com a segurança jurídica necessária para garantir a segurança hídrica.

Agora, com a recente publicação na Norma de referência nº8 de 2024, da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA, retornamos o debate de 2007, regredindo 17 anos e ignorando as mudanças ocorridas em 2010 e 2020.

Mais de 97% das reservas líquidas de água doce do planeta se encontram sob o solo. Levando em conta que não temos água superficial suficiente nos grandes centros urbanos para o abastecimento das populações, o uso conjunto das águas subterrâneas e superficiais é, antes de tudo, uma medida de preservação dos recursos hídricos.

A ABAS, entidade com 46 anos, que congrega mais de 6,4 mil associados e afiliados (entre os quais profissionais, entidades e empresas que atuam no estudo, preservação e utilização racional das águas subterrâneas), apresentou um ofício à ANA sugerindo a correção dessa medida normativa, a partir do que é consenso no Brasil e no mundo.

“Não queremos embates jurídicos. Acreditamos na racionalidade dessa discussão que enfrentamos há tantos anos. Não há tempo de lugar para o retrocesso”, afirma José Paulo Netto, presidente da ABAS (foto).

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