Após entrar em vigor no dia 29 de janeiro, a lei anticorrupção (12.846/2013), que responsabiliza e pune empresas envolvidas em atos de corrupção contra órgãos públicos, está alterando a estrutura administrativa de companhias.
No Grupo Libra, operador portuário e de logística, por exemplo, os funcionários dos setores jurídico, desenvolvimento organizacional, auditoria e RH começaram a receber lições em temas como integridade financeira, combate ao suborno, conformidade com as leis locais, governança corporativa, relação com fornecedores e clientes e conflitos de interesse.
A diretora de desenvolvimento organizacional da companhia, Claudia Falcão, 49, explica que a partir dessas ações serão feitas várias mudanças para se adequar à lei. Funcionários em posições de risco, que têm contato com o setor público, serão treinados para lidar com situações como pedidos de propina.
Raquel Cunha/Folhapress | ||
Antonio Rezende, da Whirlpool, verifica idoneidade de fornecedores |
"Mapeamos as zonas de risco, incluindo fornecedores. Queremos mitigar um risco importante."
As penas da lei vão de multas (de 0,1% a 20% do faturamento bruto) ao fechamento da empresa, mas a legislação também estabelece atenuantes para as companhias que comprovadamente tiverem um sistema de combate à corrupção ou que se denunciarem espontaneamente.
Segundo Luis Granato, gerente da empresa de recrutamento Michael Page, a procura por profissionais especializados cresceu 30% neste início do ano. Ele considera que há uma falta no país de especialistas em "compliance" (responsáveis pela obediência às leis). No mercado, a remuneração média de um gerente dessa área varia entre R$ 15 mil e R$ 25 mil.
Cuidado externo
Companhias multinacionais já possuíam um setor de "compliance" por causa de normas internacionais. Mas agora, com a nova lei, estão fortalecendo suas equipes.
Antonio Rezende, 48, vice-presidente jurídico da Whirlpool Latin América, conta que mais um advogado será contratado para checar contratos com fornecedores diretos e indiretos. "Verificar a idoneidade do fornecedor é bom para nossa imagem."
Denúncias
O incentivo à denúncia de irregularidades dentro das companhias também é outra ação que atenua as penas. A AES Brasil, do setor de energia, possui um canal de denúncias para funcionários informarem supostos desvios.
Segundo Ana Freire, 42, diretora de "compliance" da AES Brasil, é garantido o anonimato e a investigação é confidencial. "O funcionário recebe um protocolo para acompanhar o andamento da sua denúncia. Isso estimula a participação e coíbe erros."
A diretora jurídica da TAM, Aline Messias, afirma ter terceirizado seu canal de denúncias para dar mais idoneidade ao processo. Todos os casos são investigados com a coordenação da equipe de "compliance", mas com o envolvimento e colaboração das áreas de auditoria interna, segurança corporativa, RH e demais departamentos que possam colaborar com eventuais investigações.
Leonardo Soares/Folhapress | ||
Ana Freire, da AES Brasil, criou um canal de denúncias anônimas |
Acertos e falhas
O tamanho das companhias deve definir a quantidade de investimento necessária para se adequar à lei, na opinião de Jorge Abrahão, diretor-presidente do Instituto Ethos. Mas mesmo pequenas empresas que lidam com o setor público deveriam se precaver com cuidados básicos, ele orienta.
A sugestão é a criação de um código de conduta amplamente divulgado e treinar os funcionários.
"O que não dá para praticar é fazer de conta que há um respeito à ética. Depois estoura lá na frente e as multas e danos à imagem podem inviabilizar a empresa."
Para a advogada Alessandra Gonsales, do escritório WFaria, a falta de regulamentação da lei anticorrupção e alguns dos seus artigos trazem insegurança jurídica.
Por exemplo, a legislação define que a fiscalização pode ser efetuada por órgãos federais, estaduais e municipais, mas há preocupação de que pequenas cidades não tenham estrutura para isso.
Outro ponto: penas para as empresas que dificultam a investigação ou fiscalização, tema considerado subjetivo.
"A lei não traz parâmetros claros do que seria necessário para redução da pena e como seria um programa ideal de combate à corrupção."
Em nota, a Controladoria-Geral da União informou que o decreto de regulamentação está praticamente pronto e deve sair nos próximos dias.
Já no caso dos Estados e municípios, depende de cada um. A do Estado de São Paulo foi publicada no dia 30 (60.106/2014).
Fonte: Folha de Sao Paulo
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