Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Novo olhar sobre a coisa julgada tributária

Fonte: Valor Econômico

Tão logo divulgado o Parecer PGFN/CRJ nº 492, de 2011 - aprovado pelo ministro de Estado da Fazenda -, surgiram inúmeras vozes analisando, discutindo e, algumas delas, criticando o seu conteúdo. Nada mais natural, dada a relevância do tema nele tratado; e nada mais salutar, pois é certo que o debate, no qual resta implícito o exercício do direito de crítica, permite que se compreenda melhor o objeto discutido e se perceba, com mais nitidez, os seus desdobramentos, especialmente os de ordem prática.

 

Ocorre que o debate travado em torno o Parecer nº 492 tem trazido à tona temas que não se identificam com aquele efetivamente por ele tratado, o que termina por dificultar a exata compreensão do seu verdadeiro objeto, tornando o debate um tanto "fora de foco". Tem sido comum, por exemplo, associar a tese defendida no parecer com a polêmica tese da "relativização da coisa julgada inconstitucional", afirmando-se que, através dele, a PGFN pretende legitimar cobranças em desrespeito à coisa julgada, como se a finalidade subjacente à sua elaboração fosse a de "arrecadar a todo custo". Nada mais equivocado.

 

Ora, "relativizar" a coisa julgada contrária à posterior jurisprudência do STF significa rever ou desconsiderar os seus efeitos pretéritos, já produzidos antes do advento do precedente da Corte. É o que pode ocorrer, por exemplo, por meio da ação rescisória e da impugnação à execução de sentença (arts. 485 e 475-L, parágrafo 1º do CPC, respectivamente). Não é isso, nem de longe, o que defende o parecer.

 

Não é verdade que o parecer 492 promove a relativização da coisa julgada

 

Nele, defende-se, apenas, que: (i) as decisões transitadas em julgado que disciplinam relações jurídicas tributárias continuativas deixam de produzir efeitos a partir do momento em que alteradas as circunstâncias fáticas/jurídicas existentes ao tempo da sua prolação e que; (ii) o advento de alguns precedentes do STF configura uma circunstância jurídica nova, capaz de fazer cessar a eficácia vinculante dessas decisões transitadas em julgado, o que permite, por exemplo, que se realizem cobranças tributárias em relação a fatos geradores ocorridos após o advento do precedente do STF, e não antes dele.

 

E a afirmação posta no item "i" acima não representa qualquer novidade: ela se funda na cláusula "rebus sic stantibus" subjacente às sentenças em geral, cuja existência, que pode ser considerada como uma natural consequência do que se entende por "limites objetivos" da coisa julgada, não acarreta, sob qualquer ótica, a sua "relativização".

 

A afirmação posta no item "ii", por sua vez, também não pode ser considerada uma novidade por completo. É que há muito a doutrina e a jurisprudência pátria têm considerado que os precedentes do STF, formados em controle concentrado ou difuso de constitucionalidade, neste último caso, desde que seguidos por Resolução do Senado, configuram circunstâncias jurídicas novas capazes de alterar o sistema jurídico vigente, o que as torna aptas a fazer cessar a eficácia vinculante das anteriores decisões transitadas em julgado que lhes forem contrárias. Até aí, portanto, não há nenhuma novidade.

 

O que o parecer realmente traz de novo é a tese de que algumas decisões proferidas pelo STF em controle difuso de constitucionalidade, mesmo que não seguidas por Resolução Senatorial, também possuem o condão de fazer cessar a eficácia vinculante das anteriores coisas julgadas. Parte-se do pressuposto de que, dada a atribuição, conferida ao STF, de proferir a palavra final acerca da compatibilidade das leis com a Constituição, os precedentes oriundos do seu Plenário, quando submetidos ao art. 543-B do CPC, ostentam os atributos da objetividade e da definitividade, de modo que o seu advento possui o condão de conferir à norma por eles apreciada um atributo novo: a condição de norma definitivamente interpretada pelo órgão responsável por dar a palavra final sobre o tema. Sob essa ótica, o advento desses precedentes impacta, de certo modo, o sistema jurídico vigente.

 

Pode-se até discordar dessa tese, mas uma coisa é certa: ela se encontra em compasso com a tendência de se aproximar a natureza, e, até mesmo, a extensão da eficácia vinculante das decisões proferidas pelo STF nas duas modalidades de controle de constitucionalidade, naquilo que se tem denominado de "objetivação do controle de constitucionalidade das leis". Ao seguir essa tendência, o parecer presta tributo à força normativa da Constituição, além de prestigiar, em seu grau máximo, a autoridade dos precedentes oriundos da Suprema Corte.

 

Essa atitude já vinha sendo observada pela PGFN em sua atuação judicial e, com o parecer, passa a ser a postura adotada por toda a Administração Tributária Federal. Em termos práticos e simplificados, isso significa dizer que, a partir do parecer, ao Fisco Federal restará vedada a realização de cobranças de tributos declarados inconstitucionais pelo STF, seja em controle concentrado, seja em controle difuso de constitucionalidade, quando observado o art. 543-B do CPC.

 

Não é verdade, portanto, que o parecer nº 492 promove a relativização da coisa julgada: diversamente, a tese nele contida funda-se, simplesmente, na ideia de limites objetivos da coisa julgada. Também não é verdade que, com o parecer, a PGFN pretende "arrecadar a qualquer custo": ora, como o parecer aplica-se tanto contra, quanto a favor da Fazenda, os reflexos práticos por ele gerados certamente podem ser diretamente benéficos tanto para o Fisco, quanto para os contribuintes. Em realidade, ao final dessa equação, só há ganhos, na medida em que, através dela, saem fortalecidos valores caros à sociedade brasileira, como a isonomia, a justiça, a força normativa da Constituição e o respeito à autoridade das decisões do STF.

 

E esse entendimento pode, naturalmente, ser criticado, mas os argumentos utilizados para refutá-lo devem focar-se no seu real objeto, sob pena de se desvirtuar o debate, impedindo-se, assim, que se apreenda o verdadeiro alcance prático do parecer.

 

Luana Vargas Macedo é procuradora da Fazenda Nacional

 

Este artigo reflete as opiniões da autora, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

 

Da mesma forma, este artigo reflete as opiniões da autora, e não do autor deste blog, o qual não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.


 

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