Ao longo deste período de pandemia da Covid-19, tenho analisado o comportamento de indicadores de produtividade no Brasil e no mundo. Nesta coluna, retomo a discussão em função de informações que foram divulgadas recentemente.
Um indicador importante é a produtividade total dos fatores (PTF), que leva em consideração não somente a produtividade da mão de obra, mas também a eficiência no uso de capital. Com base nos dados das Contas Nacionais Trimestrais e da Pnad Contínua, bem como da Sondagem da Indústria do IBRE/FGV, é possível construir um indicador de PTF de periodicidade trimestral.
Dois componentes fundamentais do cálculo da PTF são uma medida de utilização do fator trabalho, como horas trabalhadas, e informações sobre o uso do capital, como o grau de utilização da capacidade instalada. Em função da pandemia, no entanto, essas variáveis tiveram flutuações sem precedentes, tornando particularmente complexa a interpretação do comportamento da PTF.
Até o início da pandemia, a variação trimestral das duas medidas de horas trabalhadas (habituais e efetivas) disponíveis na Pnad Contínua era semelhante. No entanto, em função das medidas de distanciamento social necessárias para conter a propagação do coronavírus, desde o primeiro trimestre os dados passaram a revelar um descolamento entre as duas medidas, o qual foi particularmente forte no segundo trimestre, com redução muito mais pronunciada das horas efetivamente trabalhadas que das horas habitualmente trabalhadas.
Além da disrupção observada no mercado de trabalho, a pandemia também provocou um forte descolamento entre o crescimento do valor adicionado e do estoque de capital em uso. Esta discrepância foi a maior já observada e está relacionada ao recuo, para níveis historicamente baixos, do nível de utilização da capacidade instalada (NUCI) da indústria de transformação, com queda de 18,1% no segundo trimestre de 2020 em relação ao segundo trimestre de 2019.
Segundo os indicadores disponibilizados no Observatório da Produtividade Regis Bonelli do IBRE/FGV, a dinâmica da PTF no Brasil até o quarto trimestre de 2019 não muda de forma significativa em função das medidas de fator trabalho utilizadas. No entanto, desde o primeiro trimestre de 2020 tem havido divergência entre as diferentes métricas.
Em particular, no primeiro trimestre a PTF registrou redução de 1,7% na medida que considera as horas habitualmente trabalhadas como medida do fator trabalho, e alta de 0,5% na medida que considera as horas efetivamente trabalhadas. A diferença foi ainda maior no segundo trimestre. Embora todas as medidas apontem para uma elevação da produtividade, as magnitudes variam muito dependo da métrica considerada. Enquanto a medida de PTF que considera as horas habitualmente trabalhadas mostra crescimento de 2,8%, a métrica que considera as horas efetivamente trabalhadas indicou um crescimento de 16,9%.
Estes resultados devem ser interpretados com cautela, pois podem indicar um aumento temporário da PTF, que seria eventualmente revertido com a normalização da economia. Em particular, parte da elevação da PTF no segundo trimestre pode ser explicada pela profunda mudança no mercado de trabalho, que afetou principalmente os trabalhadores informais, de menor escolaridade e menos produtivos.
Além disso, é importante observar que a pandemia afetou particularmente o setor de serviços, que provavelmente difere da indústria de transformação tanto em termos do nível como da variação do grau de utilização da capacidade nos últimos meses. Em função disso, é possível que a queda do NUCI não reflita de forma adequada a variação no grau de ociosidade de todos os setores da economia.
Essa dificuldade na interpretação dos resultados da PTF também tem acontecido em outros países. Recentemente, o Federal Reserve Bank (FED) de São Francisco divulgou os resultados da PTF dos Estados Unidos referentes ao segundo trimestre de 2020. Os dados indicaram que, em termos anualizados, a PTF caiu 18,3% no segundo trimestre em comparação com o primeiro. Por outro lado, uma medida de PTF que faz um ajuste em função da redução do grau de utilização dos fatores de produção (-17,6% em termos anualizados) revelou uma queda bem menor da PTF, de 0,7% na mesma base de comparação.
Diante das discrepâncias significativas entre os diferentes indicadores de produtividade, vamos precisar aguardar a superação da pandemia e a normalização da atividade econômica para avaliarmos com mais segurança a evolução da PTF no Brasil.
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