O GRANDE ERRO DAS COTAS
A partir de agora, uma em cada duas vagas nas universidades federais estará reservada para egressos do ensino público, negros, índios e pardos. É uma forma equivocada de corrigir distorções
A presidente Dilma Rousseff sancionou uma lei aprovada pelo Congresso que vai mudar radicalmente o ensino público superior no Brasil – e não necessariamente para melhor. Uma em cada duas vagas nas universidades federais passará a ser preenchida por critérios que desprezam o mérito.
Alunos que cursaram o ensino médio em escolas públicas terão direito a 120 mil das 240 mil vagas disponíveis nas federais. Esse número será distribuído segundo a cor da pele ou a autodeclarada etnia do candidato. Pretos, pardos e índios, não importa o seu desempenho escolar, passam a ter lugar garantido nos bancos das universidades na proporção da população verificada pelo Censo do IBGE em cada Estado.
Metade dessa cota vai para estudantes vindos de famílias de baixa renda.
O Brasil tem hoje 2 341 instituições de ensino superior, públicas e privadas. Desse total, apenas 59 serão afetadas pela Lei de Cotas – além das federais, o projeto inclui alguns cursos técnicos de ensino médio e profissionalizantes ligados ao Ministério da Educação.
Em termos absolutos, é bem pouco. Ocorre que, juntamente com as universidades públicas estaduais, as universidades federais são a mais importante usina de descobertas científicas, conhecimento e pesquisa do Brasil. Vêm delas, por exemplo, 86% dos artigos científicos publicados internacionalmente, segundo dados recentes.
Das dez instituições que mais emitiram pedido de patente entre 2004 e 2008, quatro delas eram universidades públicas – duas federais e duas estaduais. Nenhuma particular entrou no ranking. Isso só é possível porque é para elas que conflui a elite cultural, acadêmica, intelectual – e, sim, quase sempre econômica também – do país.
Agora, a Lei de Cotas poderá desviar esse curso. Em vez de ir para os alunos mais preparados, quase sempre egressos de escolas particulares, metade das vagas caberá aos menos preparados, vindos do deficiente ensino público.
A Lei de Cotas, tal como foi enviada para a sanção de Dilma Rousseff, não é ruim apenas porque põe em risco a produção de conhecimento no país e atropela a meritocracia. Ela é ruim também porque mascara e força a perpetuação de um dos problemas mais graves da educação no Brasil: a péssima qualidade das escolas públicas do ensino médio e fundamental. “Se tivéssemos um ensino básico decente, esses alunos conseguiriam competir de igual para igual com os alunos das particulares. Mas é claro que é mais fácil criar cotas do que investir na base”, afirma o economista Claudio de Moura Castro, especialista em educação e articulista de VEJA.
Agora, perde-se um poderoso mecanismo para pressionar governos em prol da melhora da escola pública
Um raciocínio em favor da Lei de Cotas diz que, com essa reserva de vagas, a tendência será que muitos pais tirem seus filhos de escolas particulares para colocá-los em instituições públicas.
Isso levaria a um aumento da cobrança de qualidade por parte de uma parcela da população com maior poder de reivindicação e a uma consequente melhora do ensino. Infelizmente, é pouco provável que isso ocorra.
Na prática, o efeito da lei será acabar com a competição – e a comparação – entre as escolas públicas e privadas. A cada ano, toda vez que saem os resultados dos vestibulares evidencia-se o enorme fosso entre a rede privada e a rede gratuita.
Agora, com a vaga em uma universidade garantida para os estudantes das escolas públicas, perde-se um poderoso mecanismo de pressão sobre os governantes pela melhora do ensino público.
A ideia de conceder estímulos aos que sempre viveram em desvantagem é boa e justa. Mas, ainda que se conclua que a universidade é o melhor lugar para essa ação, o critério racial não é o mais sensato para balizá-la. Nesse caso, muito mais justo seria que se expandisse o alcance do critério econômico – que na lei atual ficou com apenas um quarto das vagas.
Negros pobres e brancos pobres, afinal, têm exatamente as mesmas dificuldades. E os alunos das escolas públicas não têm mais problemas para entrar nas universidades federais porque são pobres – ou negros, índios, brancos, amarelos -, mas sim porque não conseguem superar a barreira imposta pelo ensino deficiente que receberam.
Em vez de corrigir essa questão na base, a Lei de Cotas põe o peso da correção de distorções sociais nos ombros da universidade, numa atitude populista que traduz a visão de que a universidade, assim como o conhecimento, não tem importância.
Há estudos indicando que o desempenho dos cotistas, no fim do curso, é semelhante ao dos alunos que entraram pela via normal. O volume de dados existentes se deve ao fato de que boa parte das universidades públicas, mesmo antes da lei, já praticava um sistema particular de cotas.
Os dados, no entanto, devem ser vistos com ressalvas. “As pesquisas que aferem rendimento de cotistas são muito discutíveis, porque são feitas pelas próprias instituições interessadas em comprovar que suas políticas funcionam”, diz o sociólogo Demétrio Magnoli. Para ele, é razoável pensar que alguns poucos alunos fracos em uma sala de aula alcançariam os demais através de um esforço maior. “Mas, com metade da classe fraca, quem terá de se adaptar serão o professor e o conteúdo”, diz.
O resultado recém-divulgado do Ideb, o principal termômetro da educação básica brasileira, mostra que a nota média dos estudantes que deixam o ensino médio foi de 3,4 na rede pública, ante 5,7 nas escolas particulares – um desempenho quase 70% melhor da parte dos últimos.
O próprio governo parece reconhecer, ainda que implicitamente, o risco que a nova lei impõe ao ensino de alto padrão no país. Sob o contestável argumento de que são vinculadas ao Ministério da Defesa, e não ao da Educação, instituições de excelência, como o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e o IME (Instituto Militar de Engenharia), ficaram livres das cotas. O que mostra que, quando o assunto é “sério”, o que se leva em conta é mesmo o mérito e a capacidade.
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