Antonio Ermírio de Moares e seu Grupo Votorantim não faziam parte do capitalismo financeiro que triunfa no granito neoclássico da Faria Lima, nem eram conectados à cultura de startups de tecnologia de Campinas, Belo Horizonte e Recife. De certa forma, seus negócios baseados em plantas industriais e commodities encarnam aquela vocação irremediável do Brasil, mas que o País frequentemente rejeita e da qual tenta (ainda sem sucesso) ser menos dependente.
Mas quando a História for escrita, o nome de Antônio Ermírio provavelmente ficará associado a valores simpáticos e nobres: uma paixão pelo Brasil e pela atividade industrial, e uma vida de trabalho duro.
Acamado por Alzheimer, Antônio Ermírio já não participava do debate nacional nos últimos anos, e morre agora, no meio de uma campanha eleitoral que vai discutir (espera-se) temas que sempre lhe foram caros: a imperiosa reforma tributária, e a necessidade de uma revolução na saúde e na educação brasileiras.
Há alguns meses, quando o colunista ainda produzia podcasts para a gestora Rio Bravo Investimentos, entrevistei o professor da USP, José Pastore, que foi amigo de Antônio Ermírio por décadas e acabara de publicar “Antônio Ermírio de Moraes – Memórias de um Diário Confidencial” (Editora Planeta), baseada em seus arquivos pessoais.
Na conversa, Pastore ilustrou a importância que Antônio Ermirio teve na vida nacional, nos anos 70 e 80, com um episódio envolvendo o Plano Cruzado (1986).
“Um dia antes, à noite, o [Ministro da Fazenda] Dilson Funaro telefonou para o Antônio Ermírio e disse: ‘Eu preciso que amanhã cedo você vá a todas as televisões e jornais, dê entrevistas e converse com empresários porque nós vamos lançar um plano que vai acabar com a inflação.’ Ele questionou: ‘Mas qual é o princípio desse plano?’. Funaro respondeu: ‘Nós vamos desindexar a economia’. Aí o Antônio Ermírio respondeu: ‘Então, Dilson, você prepara as tropas, põe as tropas na rua, porque desindexar a economia não é fácil não, hein! Você está com o exército do seu lado?’ Ele falou, brincando. Aí o Dilson disse: ‘Não, estou falando sério, mas eu preciso muito da sua ajuda’. Antônio Ermírio: ‘É uma tarefa muito difícil, porque, se for baseado só numa desindexação lastreada em congelamento de preços, vai ser duro sustentar isso. Mas pode contar comigo, eu te ajudo, sou patriota e quero ver esse país desindexado’. No dia seguinte, ele entrou na televisão, no rádio, foi à Fiesp, e falou com todos os empresários. ‘Olha, gente, eu sei que vocês não gostam de congelamento e eu também não, mas têm que dar um voto de confiança, porque essa economia precisa ser desindexada. Eu peço para vocês esse voto de confiança’. E conseguiu uma boa adesão.”
Como se sabe, o Plano Cruzado naufragou meses depois, e a economia brasileira continua indexada mais do que seria desejável.
Pastore conta que Antônio Ermírio lia o dia todo, além de administrar suas empresas.
“Ele ficou, durante, eu diria, uns 65 anos da vida dele mergulhado nas melhores práticas administrativas e, também, nas melhores tecnologias. Ele era muito voltado para a modernização tecnológica. Até hoje ele diz: ‘Se não modernizar tecnologicamente, o Brasil terá problemas pela frente’.”
Mas o maior legado de Antônio Ermírio talvez seja seu envolvimento filantrópico. Diz Pastore, “O pai dele, e o avô dele também, sempre tiveram essa veia da responsabilidade social. Sempre disseram que produzir e pagar imposto não é suficiente para um empresário. É muito importante ajudar a comunidade a resolver seus problemas.”
Sobre a Beneficência Portuguesa, onde ficou 40 anos como presidente, Ermírio dizia: “Eu trabalho para esse hospital porque é um hospital filantrópico voltado para os pobres do SUS. Para rico eu não trabalho de graça, mas para pobre eu trabalho. Para mim, seria muito mais fácil assinar um cheque e dar para o hospital, mas o que o hospital mais precisa é de administração e do meu know-how de administrador. Vou lá ajudar a administrar”.
“Mas ele dava o cheque também, acabava fazendo as duas coisas,” emenda Pastore.
Sobre a educação, Ermírio dizia: “Olha, esse país aqui não pode prosperar sem educação, porque nós temos recursos naturais à vontade, mas isso aí sozinho não resolve. Nós precisamos ter a competência e o talento para resolver os problemas tecnológicos e os problemas de cidadania que o Brasil precisa para crescer economicamente e amadurecer democraticamente.”
Para os interessados em conhecer essa vida por detrás das manchetes de jornal, vale a pena ouvir o podcast, e ler o livro.
Por Geraldo Samor
Bem-vindo a
Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI
© 2024 Criado por Textile Industry. Ativado por
Você precisa ser um membro de Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI para adicionar comentários!
Entrar em Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI