Dois dos principais assessores econômicos dos candidatos da oposição, Mansueto de Almeida e Eduardo Giannetti da Fonseca, são economistas com biografias e estilos diferentes, e densidade própria.
Mansueto, como é mais conhecido o conselheiro de Aécio Neves, faz seu doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT), tem uma carreira como funcionário público federal (no IPEA, de onde está licenciado) e, nos últimos anos, erigiu para si um púlpito no debate econômico nacional ao dissecar as manobras fiscais do governo Dilma em seu ‘Blog do Mansueto‘, que rapidamente se tornou leitura obrigatória para o mercado financeiro em geral e economistas em particular.
Cearense, Mansueto mudou-se para São Paulo nos anos 90 para fazer mestrado em economia na USP. Nos últimos anos, sua expertise em contas públicas e os efeitos negativos da política industrial fizeram dele uma voz requisitada junto a empresários e investidores preocupados com o rumo macroeconômico do País.
Giannetti, mineiro de nascimento, é prata da casa entre os empresários da FIESP e um intelectual (comb)ativo no debate de ideias. Frequentemente reconhecido como filósofo, é autor de livros como “Auto-engano”, “O Valor do Amanhã” e “A Ilusão da Alma”. Desde a campanha de 2010, o economista pela USP e doutor por Cambridge se tornou o principal assessor econômico de Marina Silva.
Homens com trajetórias diferentes, representando candidatos de partidos não exatamente parecidos, poderiam divergir até fazer pulsar a veia do pescoço.
Mas em seus debates nesta campanha, em vez de muito dissenso, data venia e ‘pera lá’, o que se vê é o oposto: Mansueto e Giannetti essencialmente falam a mesma coisa, divergem apenas na margem, e quase completam as frases um do outro.
Anos de contabilidade criativa, hipertrofia do gasto público e uso temerário do balanço do BNDES produziram, para o Governo Dilma, a união inequívoca da oposição, se não nas candidaturas, na crítica à chamada ‘Nova Matriz Econômica’, que tem gerado inflação alta e crescimento baixo.
Giannetti acha o que o Governo faz coisas tão enlouquecidas que só lhe resta tratar o assunto com uma dose de humor.
Falando das várias tentativas do Governo de gerar crescimento com crédito subsidiado, o que deve parir um PIBinho de 0,5% este ano, Giannetti gosta de lembrar um termo sarcástico criado pelo economista Mario Henrique Simonsen — o ‘Princípio de Contraindução’ — que propõe: “Uma experiência que dá errado várias vezes deve ser repetida até que dê certo”.
Ao lembrar que os gastos com seguro-desemprego, pensão por morte e auxílio-doença saltaram 18 bilhões de reais de um ano para o outro, Giannetti ironiza: “Quem olha esses números acharia que o Brasil está com alto desemprego, no meio de uma guerra, e sofrendo uma epidemia!”
Ele também denuncia alguns empresários para quem “é mais importante ter boas relações com Brasilia do que conseguir melhorar aquilo que fazem, através de investimentos em pesquisa e inovação. Isso é mercantilismo. Voltamos ao mercantilismo!”
Giannetti luta há anos contra os rótulos, incluindo o de ‘neoliberal’. Numa entrevista à Folha na campanha passada, detonou: “Uma idéia tão cara ao PT quanto a renda cidadã é uma idéia de um economista tachado de liberal, Milton Friedman. Outro economista tachado de neoliberal, como Hayek, tem uma idéia ainda mais avançada, que é uma renda mínima para cada cidadão, independentemente de ele trabalhar ou não. As pessoas usam esses rótulos achando que estão dizendo alguma coisa, quando nem sabem o que estão dizendo.”
Já Mansueto se dedica a desconstruir — como quem descasca uma fruta, meticulosamente, com faca japonesa — as chicanas que o Governo criou para esconder da sociedade a explosão de seus gastos.
Seu maior talento é explicar como todos nós pagamos pelos estímulos que o Governo tenta fazer parecer serem “de graça.” O caso clássico: a fábrica de ‘almoços grátis’ chamada BNDES.
Para permitir que o BNDES emprestasse mais, o Tesouro Nacional teve que injetar dinheiro no banco repetidas vezes nos últimos anos. Não tendo dinheiro vivo, o Tesouro emitiu títulos, que o banco então pôde usar como capital.
O custo dessa dívida, parte do que a oposição chama de ‘Bolsa-Empresário’, faz com que o custo da dívida líquida do setor público hoje seja o mesmo de 2002 — um ano em que a dívida do governo era quase o dobro do que é hoje.
“Ou seja, apesar da dívida ser quase a metade do que era, o custo continua alto, 17% ao ano, porque o subsídio dos sucessivos aportes de recursos do Tesouro nos bancos públicos e o custo de acumulação de reservas aparecem no custo,” diz Mansueto.
Em matéria fiscal, o Governo Dilma lutou para elevar a expressão “empurrar para debaixo do tapete” a um nível nunca antes visto na história deste País.
Com uma singela portaria ministerial em 2012, o Governo criou uma regra que qualquer cliente do Magazine Luiza ou das Lojas Renner adoraria usar. A portaria estabelece que os subsídios de juros concedidos pelo BNDES só passam a ser devidos depois de 24 meses. Ou seja — melhor explicar isso em itálico — todo o subsídio dado pelo Governo no final de 2012, 2013 e 2014 passou a ser devido pelo próximo governo, e não pelo atual. Não será surpresa se os candidatos de oposição logo falem de uma “herança maldita” do PT.
Pelas contas de Mansueto, de acordo com o balanço do BNDES divulgado semana passada, só essa conta já está em 21,5 bilhões de reais, comparado a 13,8 bilhões no ano anterior.
Nos últimos dias, Mansueto descobriu a última malandragem do Tesouro, envolvendo o Bolsa Familia, que é pago pela Caixa com recursos repassados pelo Tesouro.
Quando o Tesouro atrasa os repasses, seu saldo no final do mês fica negativo na Caixa. (Quem nunca?) Mas, na contabilidade pública, isso faz parecer que existe mais dinheiro no caixa do Tesouro do que de fato há, inflando artificialmente o tamanho da economia que o Governo fez no mês, o chamado superávit primário, e iludindo a sociedade.
De 2007 a 2011, o governo atrasou repasses para a Caixa uma única vez. Em 2012 e 2013, atrasou quatro vezes por ano. E neste ano, quatro vezes em cinco meses.
Numa crítica à ‘base acadêmica’ dos condutores da política econômica atual, Giannetti recentemente contou uma história sobre a Faculdade de Economia da Unicamp para ilustrar a incapacidade dos economistas heterodoxos — que hoje mandam em Brasilia — de entender (ou aceitar) a realidade.
Em 1978, a Unicamp organizou um seminário sobre macroeconomia e convidou Celso Furtado, já àquela altura uma instituição do pensamento econômico de esquerda no País. Furtado, que vivia em Paris, veio ao Brasil fazer a palestra, e Giannetti, na época estudante da USP, foi até Campinas ver o homem.
No final, segundo Giannetti, o organizador do evento agradeceu a fala de Furtado, mas disse a ele: “Professor, todos esses temas que o senhor tratou aqui — inflação, balança de pagamentos, taxa de câmbio — são problemas da burguesia… Nós aqui queremos discutir a luta de classes, o imperialismo…” Em artigo publicado semana passada, próceres da Unicamp se irritaram com o relato, que consideram uma caricatura grosseira.
Por Geraldo Samor
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Ao lembrar que os gastos com seguro-desemprego, pensão por morte e auxílio-doença saltaram 18 bilhões de reais de um ano para o outro, Giannetti ironiza: “Quem olha esses números acharia que o Brasil está com alto desemprego, no meio de uma guerra, e sofrendo uma epidemia!”
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