O rebaixamento da nota do Brasil pela agência Moody’s de classificação de risco vem juntar-se a uma saraivada de más notícias sobre o país.
Esse acervo ominoso que compila crescentes mazelas políticas, econômicas e morais passou a merecer desta “Folha de S. Paulo” um selo especial de cobertura e análise: “Brasil em crise”.
Observadores da cena nacional no exterior, de bancos de investimento a estudiosos de Brasil nas universidades, espantam-se com a complexidade da “crise” brasileira.
Noticia-se que a Presidência deseja entendimentos com a elite empresarial e partidos para além de sua base aliada de modo a atenuar a “crise”.
Movimentos sociais arregimentados pelo Planalto buscam contrapor-se às manifestações antigoverno, mas pregam o abandono do ajuste fiscal como medida de superação da “crise”.
Entidades patronais como Fiesp e Firjan cerram fileiras em torno do chamamento do vice-presidente por união como forma de dirimir a “crise”.
O que todas essas noções de “crise” apresentam em comum é a ideia de um conjunto de dificuldades formado pela convergência de obstáculos de diferentes natureza que se acumulam num mesmo período de tempo.
Mas será que é isso mesmo? No caso brasileiro, um Congresso plenamente antenado com o Palácio do Planalto (ou seja, sem “crise” política) produziria um resultado melhor para fins do desenvolvimento brasileiro?
Imaginemos que as pedaladas fiscais dos últimos anos tivessem escala menor, ou que a intervenção em preços públicos houvesse sido mais tênue, evitaríamos assim a “crise” econômica que nos aflige?
À luz das experiências internacionais exitosas de superação de grandes desafios fica patente que na classificação da atual crise brasileira continuamos a confundir conjuntura e estrutura.
Aquilo que tangencia a governabilidade presente, o ajuste fiscal ou a substituição na titularidade do Planalto compõem o medicamento contra uma “crise” entendida apenas como amontoado de “dificuldades temporárias”.
Ficando apenas na conjuntura, isso não exigiria necessariamente uma correção de rumos muito mais ambiciosa. “Escapar da crise” significaria tão simplesmente afastar-se de um esgarçamento mais danoso do tecido socioeconômico de modo a evitar tragédias gregas ou pesadelos bolivarianos.
As nações, contudo, não se desenvolvem apenas por evitar catástrofes. É preciso também ter a dimensão construtiva, o planejamento de longo prazo.
O afastamento de chefes de governo é por vezes desejável e mesmo imprescindível. Crises de conjuntura podem até ser desmontadas, mas isso não é o bastante para enveredar-se pelo bom caminho adiante. Seria ótimo àqueles que saírem às ruas nos próximos dias ter isso em mente.
Nesse contexto, a mais útil acepção de “crise ” é aquela que a define como período em que o velho ainda não morreu, mas o novo também não nasceu. Esse processo, no entanto, nada tem de “orgânico”. Aquilo que é velho não necessariamente desaparece – e o surgimento do novo tampouco é certo.
Thatcher pôs fim à “velha” sucessão de décadas de declínio britânico e lançou as bases para o competitivo Reino Unido de hoje. Já países como Argentina e Rússia encontram-se ciclicamente enredados em modelos de economia política que combatem a modernização com diligência. Nesses casos, a “crise” é uma endemia a sabotar permanentemente o “novo” e, portanto, a prosperidade.
É fundamental a leitura das portas que se abrem e fecham para o Brasil num cenário global recortado por novas geometrias de comércio e negócios e redes de valor intensivas em tecnologia. Redimensionar o Estado no Brasil para um papel menor, mas melhor. Nada disso tem integrado o receituário que se propõe para o enfrentamento da “crise” brasileira.
Estamos prisioneiros da armadilha do presente. Uma crise acaba quando se mudam não apenas as pessoas, mas os paradigmas.
Postado por: Marcos Troyjo
Fonte: Folha de S.Paulo
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