Peça mais importante dentro da Lava Jato, a empresa autoriza acordo de delação premiada de seus executivos e afirma que negocia acordo de leniência. Decisão é fundamental para o futuro dos negócios
A palavra xepa nada mais é do que um resto de comida não consumido. Foi com ela que a Polícia Federal (PF) batizou a 26ª fase da Lava Jato, deflagrada na terça-feira 22, um desdobramento da Operação Acarajé, que prendeu o marqueteiro João Santana e sua esposa Mônica Moura e averiguou o pagamento de propinas. Naquela investigação, documentos encontrados com Benedicto Barbosa da Silva Junior, CEO da Construtora Norberto Odebrecht, apontavam a existência de um departamento organizado, dentro do Grupo Odebrecht, utilizado para repasses ilícitos relacionados a obras públicas. Sob suspeita estão desvios de recursos em contratos da Olimpíada, como a revitalização do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, e da Copa do Mundo, como a construção da Arena Corinthians, em São Paulo. O “resto” da PF mexeu com os ânimos da família Odebrecht. No mesmo dia em que a Operação Xepa estava em curso, o Grupo distribuiu uma nota de oito parágrafos afirmando que decidiu por “uma colaboração definitiva com as investigações da Operação Lava Jato”. Será uma reviravolta.
Há algumas semanas, a cúpula da empresa vinha amadurecendo a ideia de fechar um acordo de delação premiada com a Justiça. Emílio Odebrecht, presidente do Conselho e pai de Marcelo Odebrecht, preso desde junho do ano passado, teria usado todos os argumentos necessários para convencer o filho a aceitar a decisão. Teria apelado, até, para a questão de que, como pai de família, Marcelo não poderia deixar os filhos e permanecer na prisão. Agora, a questão deixou de ser pessoal e passou a ser de sobrevivência para os negócios. Segundo maior grupo privado do País, com faturamento de R$ 108 bilhões em 2014 (último dado disponível), a Odebrecht corre sérios riscos. O mercado de crédito está fechado e o endividamento de quase R$ 100 bilhões pode ficar insustentável, mesmo para uma organização com atuação diversificada em 14 áreas e presente em 28 países.
A manifestação da Odebrecht foi criticada pelo Ministério Público Federal, que se apressou em esclarecer que não existe negociação iniciada sobre acordos e que a simples revelação pública sobre o desejo de falar não resulta em qualquer consequência jurídica. Mas a decisão da empresa tinha objetivos muitos claros: acalmar o clima de instabilidade que tomou conta dos cerca de 130 mil funcionários, que se assustaram com a prisão de diretores e secretárias; mostrar ao mercado financeiro que a empresa é capaz de honrar seus compromissos se colaborar com as investigações; e também garantir um acordo que possa permitir ao Grupo continuar trabalhando em obras públicas, o grande filão para as empreiteiras. A Controladoria Geral da União (CGU) estava prestes a considerar a empresa inidônea, o que a proibiria de celebrar contratos com governos. Mas uma negociação iniciada em dezembro, confirmada pela CGU, evitou que o órgão encerrasse o processo administrativo contra a Odebrecht. Até o momento, apenas a Andrade Gutierrez fechou o acordo de leniência com a CGU e vai pagar uma multa de R$ 1 bilhão para ressarcir os prejuízos da Petrobras com a corrupção descoberta pela Lava Jato. A Camargo Correa assinou com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) o Termo de Compromisso de Cessação de Prática, por conduta anticompetitiva no mercado de obras civis e montagens industriais no setor de óleo e gás. Pagou mais de R$ 800 milhões em multas.
A delação de Marcelo Odebrecht é aguardada com ansiedade pela população e temor pelos políticos: qual é o efeito catastrófico que ela poderá causar no País? Poderá resultar na prisão do ex-presidente Lula, que recebeu dinheiro da empresa para dar palestras? Irá respingar na presidente Dilma? Um aperitivo do que está por vir apareceu nas planilhas apreendidas com Benedicto Barbosa. Os registros detalhavam, com valores e contas correntes, os repasses para mais de 200 políticos, identificados por nomes ou apelidos, e 18 partidos. A responsável pelo chamado Setor de Operações Estruturadas, a funcionária Maria Lúcia Tavares, foi presa no início do mês e ajudou a PF a desvendar os relatórios. Na lista, aparecem tanto petistas, como os ministros Aloizio Mercadante e Jaques Wagner; peemedebistas, como Eduardo Cunha e Renan Calheiros, presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente; e peessedebistas, como Aécio Neves e José Serra. Sozinhos, porém, esses documentos não provam nada. Será preciso cruzá-los com os dados enviados para o Tribunal Superior Eleitoral para verificar se os eventuais pagamentos foram registrados como doação eleitoral.
Desde o início da Lava Jato, a Odebrecht afirma ter identificado a necessidade de implantar melhorias em sua governança corporativa. Para isso, ela diz que vem tomando uma série de medidas de gestão e processos. Com a CGU, por exemplo, foi feita uma consulta, no início deste ano, para entender os procedimentos para a empresa se enquadrar na Pró-Ética, uma adoção voluntária de medidas para promover um ambiente corporativo mais íntegro, ético e transparente. No ano passado, 97 companhias se inscreveram e apenas 15 se adequaram, como 3M, Dudalina, Santander e Siemens. A Odebrecht tem até 13 de maio para se candidatar. No final do ano passado, a Organização das Nações Unidas (ONU) recebeu uma carta da companhia se comprometendo a seguir os 10 princípios do Pacto Global sobre direitos humanos, trabalho, meio ambiente e combate à corrupção. A Construtora Norberto Odebrecht foi aceita em janeiro deste ano. “Seguimos aperfeiçoando nosso sistema de conformidade e nosso modelo de governança”, diz a nota da empresa. “Vamos, também, adotar novas práticas de relacionamento com a esfera pública.”
O caminho que a Odebrecht seguir poderá se transformar num marco para o setor privado nacional. Assim como a Tecnologia Empresarial Odebrecht (TEO), criada por Norberto, fundador e patriarca da família, se tornou um caso de sucesso de gestão e copiado pelos concorrentes, as cartilhas de ética e transparência que forem desenvolvidas dentro do Grupo servirão de modelo de comportamento a ser seguido na construção. “Essa operação terá como efeito principal uma mudança de paradigma, com uma melhor governança nas empresas e a disseminação e fortalecimento dos mecanismos de compliance”, afirma José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção. O economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, Rafael Cagnin, concorda: “Existe uma elevação da incerteza nesse setor. Há uma pressão para mudar a forma de operar das empreiteiras”.
O desafio da Odebrecht só é comparado ao da gigante alemã Siemens, que foi considerada culpada, em 2008, de um esquema altamente sofisticado para o pagamento global de propinas em contratos públicos. Investigadores americanos e europeus descobriram que a prática de compra ocorria na Ásia, na África, na Europa, no Oriente Médio e nas Américas, como na conquista do fornecimento de equipamentos de energia na Itália, nas obras de infraestrutura de telecomunicações na Nigéria e nos cartões de identidade nacional na Argentina. A estimativa é que a empresa tenha desembolsado mais de € 2,5 bilhões em multas, em todos os mercados, para minimizar os estragos causados por sua corrupção. Além disso, a companhia passou a disseminar a cultura anticorrupção em todas as suas atividades. Hoje, a empresa afirma ser preciso prevenir, colocando em prática todas as suas políticas; monitorar e controlar se nenhum princípio está sendo violado; e responder se qualquer funcionário desrespeitar o programa.
Foi esse compromisso de revisão global de processos e práticas nos negócios que incentivou a subsidiária brasileira da Siemens a procurar, em maio de 2013, as autoridades do Brasil para denunciar um cartel formado para disputar as licitações dos metrôs de São Paulo e do Distrito Federal. A multinacional alemã fazia parte do esquema. O superfaturamento dos equipamentos teria gerado um prejuízo de mais de R$ 570 milhões aos cofres públicos nacionais. Em seguida, a empresa acertou um acordo de leniência com o Cade e se livrou de ser condenada, criminalmente ou administrativamente, em troca da revelação de todo o esquema ilícito.
A Siemens, porém, ficou com fama de dedo-duro. Após as denúncias, ela foi bombardeada por todos os lados. Concorrentes torceram o nariz para o acordo, enquanto órgãos e autoridades pediam a devolução dos valores superfaturados. A oposição pressionava e acusava o governador Geraldo Alckmin (PSDB) de fazer parte do esquema. Ele, no entanto, se defendia, apontando a sua gestão como vítima de um crime. Um ano depois, o presidente da companhia no Brasil, Paulo Stark, em entrevista à DINHEIRO, afirmou: “Os poucos que agiram de forma errada fizeram por conta própria e foram demitidos.”
Para acabar com essa marca pesada sobre ela, a Siemens investiu em campanhas para evidenciar seus pontos fortes e sua tradição no Brasil. “Mais do que o acordo de leniência, a Siemens evidenciou que esse tipo de ação não fazia parte da sua natureza”, diz Eduardo Tomiya, diretor-geral da consultoria Kantar Vermeer, especialista em gestão de marcas. Por meio de nota enviada à DINHEIRO, a multinacional alemã afirmou que “sua natureza colaborativa e transparente ficou evidenciada nos auxílios a órgãos como o Cade e o Ministério Público.” Os números, no entanto, mostram que a saída não é tão simples. Em 2015, a filial brasileira da Siemens acumulou um prejuízo de R$ 29,3 milhões, mais que o dobro do ano anterior. A receita caiu 20%, para R$ 3,47 bilhões. A essas perdas ainda precisarão ser somadas as multas do futuro julgamento sobre o esquema de corrupção, previsto para acontecer somente em 2017.
Outra empresa envolvida no escândalo do cartel do metrô foi a francesa Alston. A companhia foi acusada de cometer fraudes de R$ 1,75 bilhão em contratos firmados para as reformas das linhas 1 e 3 do Metrô de São Paulo e de modernização de 98 trens da CPTM, entre 2008 e 2009. As investigações ainda correm no Ministério Público paulista, mas a empresa já começou a mudar. A maior das suas divisões de negócios, a de energia – que também foi citada na Operação Lava Jato por conta da venda de uma turbina para a Petrobras – foi vendida para a americana GE, por US$ 4 bilhões, em novembro. Já a divisão de transportes mudou de comando na América Latina e hoje tem o francês Michel Boccaccio na liderança. “Internamente, temos uma política de comunicação intensa do nosso código de ética”, diz ele. “Lembro disso em todas as reuniões, promovemos treinamento e reunimos um grupo para discutir o assunto todos os meses.”
A Alston também criou, globalmente, um grupo de embaixadores da ética, do qual todos os funcionários podem participar voluntariamente. Os embaixadores assumem a função de divulgar em cada departamento o código de conduta da empresa e encontrar formas para que ele seja aplicado no dia a dia. Vinte pessoas do Brasil fazem parte do grupo. Para o público externo, Boccaccio passou a fazer palestras comentando sobre o plano de conduta da empresa. Além disso, a multinacional francesa se filiou ao Grupo de Trabalho do Pacto Empresarial pela Integridade e Contra a Corrupção, criado pelo Instituto Ethos. A Odebrecht não será a primeira na história a ter de mostrar que sua longa estrada é mais firme que os buracos e atalhos no caminho.
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Parabens à Angela Merkel que exige ética nas empresas alemãs.
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