O retrato do Brasil atual se reflete no desencontro de política monetária versus políticas públicas. Precisamos amadurecer se iremos tomar medidas que irão atender à recuperação do Estado brasileiro, que são as reestruturações econômicas e fiscais do país, ou viveremos sempre nos preocupando em atender a projetos políticos, como em governos anteriores.
Depois do circo de horrores que foi a aprovação da PEC 23 dos precatórios, agora passaremos por outra turbulência econômica com possível aumento salarial dos servidores públicos e uma PEC para redução da gasolina, diesel, gás de cozinha e energia elétrica.
São atitudes insustentáveis que postergam os problemas a curto prazo, mas a médio e longo tempo isso terá que ser debatido com um plano de ação mais pragmático. Os precatórios em si foram um malabarismo descarado. Privilegiar servidores de apenas uma categoria é mau-caratismo com dinheiro alheio. A questão é: até onde vão o amadorismo e a irresponsabilidade do Congresso em pensar em pautar tais medidas como o corte de impostos sem redução de gastos, sem um ajuste fiscal?
Estou seduzindo o leitor a ser contra o corte de impostos?
Pelo contrário; além de uma simplificação do sistema tributário, precisamos reduzir a quantidade de impostos, que chegam a ser cinco vezes o valor cobrado em países vizinhos, e, sem dúvidas, esse é um dos fatores principais que impactam no chamado “Custo Brasil”.
A preocupação com o assunto é a desistência da pauta sobre cortar gastos. Cortes de impostos, não reduzindo os gastos, geram déficit, endividamento e enfraquecimento da moeda. Corte de imposto sem corte de gastos é uma forma bonita de dizer “imprimir dinheiro”.
Para a grande maioria me falta sensibilidade com a alta dos preços dos combustíveis e energia elétrica. Pelo contrário; isso gera um outro sinal de alerta, pois já tentamos tais medidas e no final do processo pagamos o dobro (caos dos subsídios energéticos e combustíveis, 2015, era Dilma Rousseff).
É tanta confusão que a base de apoio do governo não sabe responder como iremos fazer com o Orçamento da União. Haverá um destaque na perda das receitas com essas medidas. Iremos autorizar os estados e municípios a se endividarem para cobrir essa renúncia fiscal e novamente burlar a LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal. Vamos deixar um rombo nas contas públicas e quem assumir o próximo mandato que arque com essa dívida. O Brasil realmente não aprende com seus próprios erros. O mercado precifica e precisamos decidir: partiremos por corte de gastos ou aumentaremos nossos impostos.
E fica sempre a dúvida: controlamos a inflação ou vamos pagar a conta do risco fiscal? O risco com o fiscal brasileiro tem ajudado a aumentar o preço do dólar, inflação, baixo crescimento e outras finalidades. É impossível ter um posicionamento exato sobre as contas públicas do governo e são dois caminhos: resolvemos o problema inflacionário ou assumimos o risco fiscal. Não dá para fazer mágica. “É difícil imaginar uma maneira mais perigosa de tomar decisões do que deixá-las nas mãos de pessoas que não pagam o preço por estarem erradas”, já disse Thomas Sowell.
Baixo crescimento e drible no teto diante do déficit primário
Segundo o IFI (Instituição Fiscal Independente), o déficit primário do governo central (receita menos despesas, desconsiderando os juros) poderá ficar em cerca de R$106,2 bilhões de reais para 2022. Três vezes maior do que o que se encerra em 2021, com resultado negativo de R$38,2 bilhões. A Instituição calcula que a União fechará com esse resultado.
Para o órgão, o que explica esse aumento está ligado a dois acontecimentos: o primeiro é o crescimento mais moderado da receita primária devido à perda do desempenho da atividade econômica e o panorama de aumento na despesa primária possibilitados pela PEC dos Precatórios, nas emendas constitucionais 113 e 114, que restringiram o pagamento de precatórios pela União e abriram espaço no teto de gastos – um risco também associado com novas despesas ou crescimento de novas despesas fixas, como o exemplo do reajuste do funcionalismo público.
“A aprovação da PEC dos Precatórios abriu espaço para aumento de despesas e piorou o quadro fiscal de 2022. O Orçamento aprovado prevê déficit de R$ 79,4 bilhões (0,8% do PIB). A projeção da IFI é ainda maior: R$ 106,2 bilhões ou 1,1% do PIB. Com a alta dos juros e o crescimento baixo, a manutenção de resultados negativos não será suficiente para estabilizar a dívida pública”, cita o IFI em seu relatório mensal enviado.
“A dívida pública bruta, por sua vez, apresentou queda em novembro, último dado veiculado pelo Banco Central. No entanto, a IFI projeta que a dívida deve ter terminado 2021 em 82,1% do PIB e deverá crescer em 2022, até 84,8% do PIB, em razão do forte aumento da taxa Selic e do custo médio dos títulos públicos”, afirmou a Agência Senado.
Diferentemente do que se deu em 2021, com crescimento de 4,6% do PIB, para este ano a projeção é de 0,5% em 2022. Uma nova onda da covid-19 e os efeitos do aumento da taxa básica de juros dos Estados Unidos sobre os preços dos ativos financeiros adicionam incertezas sobre a perspectiva de crescimento da economia brasileira.
A reforma administrativa ajudaria na redução do déficit primário do governo
Desde setembro seguimos com a tramitação da reforma administrativa parada no Congresso. Foi aprovada em comissão especial da Câmara dos Deputados; desde então, seguimos otimistas com uma das pautas mais aguardadas pelos empresários e economistas do país para saber quais serão os impactos no setor público.
É uma das decisões mais importantes que ajudaram a reduzir o impacto do descontrole fiscal provocado pela falta de orçamento. Os ajustes de corte de benefícios com a redução de faixa salarial para início de carreira é um dos principais critérios na proposta atual que ajudariam a reduzir o déficit primário do governo.
É preciso reduzir o segundo maior gasto do governo federal, que são suas despesas obrigatórias: o funcionalismo público.
Em 2019, 94,9% do que foi arrecadado foi designado para pagamento de despesas obrigatórias. São as folhas de pagamento, nosso segundo maior gasto, atrás apenas dos gastos previdenciários. A despesa com folha de pagamento é equivalente a 13,4 % do PIB (Produto Interno Bruto)
Por mais que a quantidade de servidores públicos no Brasil seja menor que a média da OCDE, não se justifica o fato do alto custo da mão de obra. Era para ser o contrário: se temos menos servidores, a folha salarial deveria ser reduzida ou equilibrada.
Temos um orçamento engessado, resultado de anos de populismos fiscais. Ao contrário do que muitos servidores pensam, uma reforma administrativa ajudaria a alinhar essas distorções em diversos graus de carreiras, onde a média salarial do Judiciário é o dobro do salário do Executivo e superior aos outros níveis do funcionalismo.
Ter que discutir onde alocar 5% do orçamento público atrapalha todo o mecanismo de funcionamento da máquina pública e os impactos cada vez são mais presentes: redução no orçamento de saneamento básico, tecnologia e ciência, infraestrutura e por aí vai. É indiscutível que precisamos alterar a maneira por que são feitos os incentivos para os servidores, aumentando a produção, reduzindo burocracia, melhorando a produtividade, com gastos realmente compatíveis aos orçamentos e equiparados à média paga pelo mercado de trabalho.
Para 2022, ainda restará espaço para as reformas?
Essa é uma pergunta que vale R$ 1 milhão e poderei dar minha opinião sobre o assunto; são apenas meus dois centavos, pois é impossível prever o futuro, ainda mais sem peso nas decisões políticas.
Não querendo ser pessimista, mas a política brasileira não nos dá espaço para respirarmos tranquilamente. Dificilmente sairá algo produtivo do nosso Congresso e, pelo contrário, o que vemos são vários flertes preocupantes, como o de Ricardo Barros, que defende a alteração das regras do teto de gastos por conta do crescimento da arrecadação do governo e, como esperado, disse que as necessidades também aumentaram (é claro, todos querem gastar nas eleições).
Perdemos uma grande oportunidade quando tínhamos Rodrigo Maia à frente da Câmara. Havia mais ânimo para uma reforma tributária mais ampla; além de 26 estados, junto ao Distrito Federal, movimentando um manifesto em prol da reforma mais abrangente e um relator trabalhando melhor no projeto. Por polarização, vaidade e protagonismo não surfamos nessa barca. Agora é ter o desprazer de ficar ouvindo o líder no Congresso dizendo que não há agenda para reformas e que o governo tem “pálido apoio” para tais medidas.
Estamos à deriva de um Executivo que não dá a mínima para as reformas importantes. Uma delas foi a reforma tributária do Rodrigo Maia e do Bernard Appy. Houve uma grande surpresa pelo esforço do congresso em comprar a ideia. Outro exemplo é a reforma da previdência em 2019, que só foi aprovada por pressão popular.
Pelo histórico da atual gestão e depois da cortina de fumaça em aprovar reformas fatiadas que sequer serão discutidas, parece que vamos amargar o ano divididos entre santinhos e marchinhas de carro de som eleitoral.
Encerro o texto com a máxima de Roberto Campos: “O importante para nós é maximizar a velocidade do crescimento da renda, da criação de empregos, da absorção de tecnologia. O resto é puro sentimentalismo.”
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