Um dos maiores experimentos do mundo da semana de quatro dias úteis de trabalho chegou ao fim no final de fevereiro. O estudo foi realizado por 61 empresas sediadas no Reino Unido e envolveu cerca de 3 mil funcionários. O resultado? Um sucesso: 92% das empresas que participaram decidiram dar sequência ao programa.
O projeto piloto foi conduzido pela 4 Day Week Global, uma organização sem fins lucrativos que promove a adoção de uma semana útil de apenas quatro dias ao redor do mundo. Durante seis meses, os participantes trabalharam 32 horas semanais, sem perda de remuneração.
Os resultados do estudo também comprovaram que as mudanças mantiveram a produtividade e aumentaram a qualidade de vida dos trabalhadores. O documento também indicou que o equilíbrio entre vida pessoal e profissional e o bem-estar dos funcionários melhoraram, além de reduzir a intenção de deixar o emprego em 92% das empresas com a nova carga horária.
Essa não foi a primeira vez que testes desse tipo acontecem. Em 2015, a Islândia já havia realizado um programa também bem-sucedido de redução de jornada. Os testes foram conduzidos pelo governo da Islândia e pela Câmara Municipal de Reykjavik, capital do país. No total, cerca de 2,5 mil trabalhadores foram envolvidos no processo, ou o equivalente a 1,3% da força de trabalho da Islândia.
Outros testes similares também aconteceram em outras partes do mundo. No final de 2020, a Unilever da Nova Zelândia passou a testar uma semana de quatro dias de trabalho com pagamento integral. No final de 2019, a Microsoft do Japão também entrou na tendência. Em um país conhecido por jornadas de trabalho que frequentemente levam funcionários à exaustão, a companhia promoveu um final de semana de três dias durante o verão. Os resultados: 40% de aumento em produtividade a 23% de redução de custos de eletricidade para a companhia.
Para explorar como o modelo está sendo explorado no Brasil, o IT Forum conversou com empresas do país que estão em diferentes níveis de maturidade quando o assunto é a redução de jornadas de trabalho – de companhias de fora que importaram modelos para sua operação local, até empresas brasileiras que já adotam o formato há meses ou há vários anos.
Provedora global de serviços de suporte de software corporativo, a Rimini Street é uma das organizações que trouxeram o modelo de quatro dias úteis ao Brasil a partir de sua matriz, nos Estados Unidos. A iniciativa é apelidada de “Fabulous Friday” e é considerada uma evolução na abordagem disruptiva da empresa para a aquisição de talentos – quando foi fundada, há 17 anos, a Rimini já tinha o modelo de trabalho 100% remoto como o padrão.
“Nos últimos anos, principalmente por conta da pandemia, a mais alta gerência, incluindo o fundador da empresa, Seth Ravin, observou o impacto na saúde mental das pessoas. Esse período foi muito estressante, nas nossas vidas pessoais e no trabalho”, conta Edenize Maron, gerente-geral Latam da Rimini Street. “Foi daí que surgiu a iniciativa, no ano passado.”
Edenize Maron, gerente geral Latam da Rimini Street (Imagem: Divulgação)
Antes de adotar o modelo, a Rimini realizou dois testes, ambos de um mês de duração, em agosto e em dezembro do ano passado. Durante esses testes, a companhia monitorou fatores como alterações na produtividade dos colaboradores e continuidade de serviços prestados aos clientes. Ambas avaliações foram consideradas um sucesso, o que levou a Rimini a decidir incorporar a semana reduzida ao longo de todo o ano de 2023.
“Tem um fator estratégico também de termos mantido este modelo. Durante a pandemia, muitos projetos de tecnologia começaram a sair da gaveta para avançar o digital”, pontua a executiva. “Isso gerou uma demanda incrível por recursos de tecnologia, então nós enfrentamos uma guerra por talentos. A semana de quatro dias é um super atrativo, ela muda radicalmente a vida das pessoas. É também um fator de retenção.”
Na Rimini, a semana reduzida é aproveitada tanto por colaboradores de times de marketing, vendas e recursos humanos, quanto pelo time de suporte e tecnologia. A empresa adota um sistema de escalas, intercalando times que ficam de folga na segunda ou na sexta, para garantir continuidade de projetos e atenção ao cliente. Foi implementado também um programa de treinamento de lideranças para conscientização do projeto.
“Não adianta o fundador e o presidente da empresa se envolverem, se os líderes não cascatearem esse entendimento”. “Isso pode gerar algum desconforto. Então, estamos focados que essa forma de pensar seja absorvida por toda organização. Esse é o grande desafio”, explicou Edenize.
Apesar de ainda não adotar o modelo em seus negócios, na GoTo, empresa de software de conferências web e reuniões on-line, o trabalho remoto e flexível sempre esteve em pauta. Essa ambição culminou no chamado “Self Care Day”, que, ao que tudo indica, pode ser um ensaio para o novo formato de trabalho.
Em 2020, a aceleração da ideia de ter um dia para cuidar de si e da saúde mental ganhou reforço com a chegada da pandemia. Foi quando a companhia implementou globalmente o “Self Care Day”, que acontece toda primeira sexta-feira do mês. “Na pandemia, primeiro nos preocupamos com as tecnologias para trabalhar de casa e depois veio a questão psicológica. As pessoas estavam trabalhando de forma remota, mas em quais condições? Elas estão bem fisicamente e psicologicamente?”, questiona Vanessa D’Angelo, head de Marketing para Latam GoTo, em conversa com o IT Forum.
Vanessa D’Angelo, head de Marketing para Latam GoTo (Imagem: Divulgação)
No período, o RH começou a observar que a produtividade aumentou sobremaneira no home office, mas, ao mesmo tempo, identificou que os colaboradores trabalham muito mais. Assim, surgiu a ideia do “Self Care Day” em março de 2020, mantido até hoje em todas as operações da empresa no mundo.
“É um dia para a pessoa fazer o que quiser: ficar com a família, viajar, fazer massagem, assistir Netflix. Acaba sendo um diferencial da empresa”, contou ela. Vanessa indica que áreas de atendimento ao cliente, que são críticas, também participam e fazem um revezamento para usufruir do benefício. “Temos visto em nossas pesquisas que esse formato contribuiu muito para a retenção de talentos também”, completou, reforçando que até clientes e parceiros sabem e entendem que toda primeira sexta-feira do mês é um dia importante para os colaboradores da GoTo.
Além do “Self Care Day”, Vanessa indicou que o Marketing global da empresa optou por adotar todas as quintas-feiras como um “dia de produção”, em que não são agendadas reuniões virtuais. “Esse é um dia para parar, planejar, pensar, estruturar alguma ação. Minha agenda está bloqueada e as pessoas respeitam.”
Um estudo de 2022 encomendado pela GoTo para a Frost & Sullivan endossou que a produtividade segue em alta nesse formato flexível de trabalho. Segundo o levantamento, os líderes de pequenas e médias empresas seguirão adotando uma abordagem híbrida. A pesquisa indica que os níveis de produtividade obtidos com o modelo saltaram 75% de 2020 a 2021, sendo o modelo de trabalho que a maioria dos entrevistados considerou mais adequado para maximizar a produtividade.
De acordo com o mentor empresarial e especialista em neurolinguística, Gustavo Medeiros, o modelo de trabalho de quatro dias é promissor, mas são necessários cuidados. “Reduzir a jornada de trabalho semanal para quatro dias pode contribuir para melhorar a qualidade de vida e produtividade dos colaboradores por possibilitar uma melhor divisão entre vida pessoal e profissional, mas esse novo cenário exige uma melhor organização para ser realmente benéfico”, alerta.
Exemplo disso é a Eva, startup mineira do segmento de benefícios que começou a testar o modelo há oito meses, mas se organizou antes de fazê-lo. “Nós construímos alguns marcos para medir o sucesso dessa decisão”, explica Marcelo Lopes, CEO da companhia, em conversa com o IT Forum. “Não foi uma decisão trivial, já que você abre mão de horas de trabalho.”
Segundo Lopes, a companhia definiu um período de seis meses para o teste do novo modelo de jornada de trabalho reduzida. A partir daí, foram criados indicadores internos para mensurar o sucesso ou fracasso do projeto ao final do período. Também foram estabelecidas melhores práticas, como a não realização de horas extras – afinal, de nada adiantaria colaboradores trabalharem um dia a menos na semana, mas trabalharem horas a mais nos dias restantes.
Marcelo Lopes, CEO da Eva Benefícios (Imagem: Divulgação)
A empresa também mudou o modelo de contratação de colaboradores no período, reduzindo a jornada de 40 horas semanais para 32 horas nos contratos, e estabeleceu um modelo de escalas para atender aos clientes em todos os dias da semana. Ao final dos seis meses de teste, os resultados positivos desejados foram atingidos, e a jornada reduzida passou a ser permanente.
“Conseguimos perceber que, mesmo reduzindo a jornada de trabalho em um dia, seguimos todos os planejamentos que havíamos feito”, afirmou Lopes, falando sobre os benefícios que foram observados. “A redução de absenteísmo, já que a pessoa consegue se organizar para resolver seu problema na segunda ou na sexta. E a gente também entende que os resultados da empresa como um todo também são mais saudáveis. A construção de produtos não esgota o time ao término de uma entrega.”
Na ponta oposta de quem começou testes há pouco tempo, está a Crawly, startup também mineira focada no desenvolvimento de soluções para busca, coleta e análise de dados não estruturados. A experiência da Crawly com uma semana reduzida de trabalho já está no seu quinto ano. Os primeiros testes com o modelo começaram em 2018, com partes da equipe. Desde 2020, todos os times da startup já trabalham neste modelo.
A trajetória foi trazendo lições para a organização e gerou ajustes ao modelo de jornada reduzida. Desde a última vez que a companhia conversou com o IT Forum, em 2021, a empresa promoveu uma mudança considerável no sistema: antes, a startup dividia suas equipes em dois grupos, metade da equipe trabalhando de segunda à quinta, e a outra metade, de terça à sexta. Hoje, toda a empresa trabalha em uma jornada única, de segunda à quinta e em horário comercial.
“A gente viu que isso simplificou algumas questões relacionadas à comunicação dentro das equipes”, explica Pedro Naroga, CTO de cofundador da Crawly. “É uma questão de eficiência. No passado, aconteceu de pessoas que estavam trabalhando na sexta precisarem de infos da equipe de segunda. Então nós padronizamos a semana.”
Pedro Naroga, CTO de cofundador da Crawly (Imagem: Divulgação)
Na startup, a semana de quatro dias se aplica a todas as equipes da empresa, inclusive àquelas com interface direta com clientes – como suporte e vendas. As únicas exceções são os quatro diretores, que trabalham os cinco dias da semana. “Como somos uma empresa ainda pequena, de 30 pessoas, a diretoria ainda lida muito de perto com clientes. Então, se um cliente pedir uma reunião na sexta-feira, nós conseguimos fazer para evitar a remarcação”, disse Naroga.
De acordo com o executivo, os últimos cinco anos têm sido de bons resultados desde a adoção da semana útil de quatro dias. Um dos destaques é como o modelo ajuda na retenção de profissionais, um desafio grande para o setor de TI de todo o mundo. “A retenção na área de tecnologia é muito complicada. Obviamente, a semana de quatro dias não é suficiente – estamos sempre procurando formas de continuar competitivos no mercado por meio de benefícios –, mas a questão da sexta-feira é absolutamente essencial. As pessoas percebem um ganho muito grande na qualidade de vida. Pensar em abandonar isso doí”, brinca o CTO.
Os resultados atingidos pela Crawly nos últimos anos também atestam como a jornada reduzida não prejudica a eficiência operacional da companhia, na avaliação de Naroga. “Nós estamos em uma fase de crescimento bem acelerado. Em 2022, mais do que dobramos nosso faturamento em relação a 2021. Para este ano, já entramos com contratos garantido para crescer, ao menos, 80% em relação ao ano anterior”, pontua. “A semana de quatro dias é um fator fundamental para esse crescimento, é um modelo muito mais sustentável do ponto de vista de recursos humanos.”
Rafael Romer e Déborah Oliveira
https://itforum.com.br/noticias/semana-de-quatro-dias-brasil/
Para participar de nossa Rede Têxtil e do Vestuário - CLIQUE AQUI
Bem-vindo a
Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI
© 2024 Criado por Textile Industry. Ativado por
Você precisa ser um membro de Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI para adicionar comentários!
Entrar em Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI