Dos três fatores que originam a desigualdade de renda (a distribuição entre o capital e o trabalho, a desigualdade dentro da mão de obra e a desigualdade no trabalho), é possível que os dois últimos sejam os de mais relevância hoje em dia, já que parecem ter se intensificado desde meados dos anos 70. Embora as evidências dessas mudanças não sejam conclusivas, as tendências mal sejam visíveis e as fontes de informação sejam objeto de controvérsia, suas possíveis consequências na natureza do trabalho e no futuro da mão de obra merecem análise.
A preocupação sobre o futuro do trabalho concentra-se em duas questões interconectadas: o crescimento sem geração de emprego, que tem relação com a quantidade de mão de obra; e a polarização, relacionada com a qualificação da mão de obra que o mercado poderia exigir no futuro.
O crescimento sem emprego está devidamente documentado. Nos Estados Unidos, por exemplo, a variação porcentual do emprego não agrícola vem diminuindo de maneira contínua desde os anos 40, em especial a partir dos 70: desde o ano 2000 é negativa. Mas as mudanças no emprego não foram uniformes na escala de qualificações: se estávamos acostumados a que o emprego e os salários aumentassem invariavelmente de acordo com o nível de qualificação dos trabalhadores, pesquisas realizadas pelo economista David Autor, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), mostram que entre 1980 e 2005 tanto o emprego quanto os salários aumentaram mais nos extremos da escala do que no centro: a economia parece usar cada vez menos trabalhadores de qualificação intermediária.
Acreditávamos que emprego e salários aumentavam de acordo com o nível de qualificação, mas pesquisas de David Autor, MIT, mostram que entre 1980 e 2005 tanto o emprego quanto os salários aumentaram mais nos extremos da escala do que no centro
Em relação à polarização, desde as últimas décadas do século passado, sugiram duas novas forças para ampliar seu alcance: por um lado, a entrada das grandes economias emergentes no mercado mundial aumentou imensamente a oferta de mão de obra de baixa qualificação; e, por outro, o desenvolvimento de novas tecnologias da informação tornou possível que algumas tarefas pudessem passar a ser realizadas a distância. Como resultado, muitos trabalhos foram automatizados, em especial na faixa intermediária de qualificação, enquanto os serviços profissionais que não exigem presença física ficaram vulneráveis. Os trabalhos que exigem a presença física de mão de obra, tanto qualificada quanto não qualificada, continuam estando protegidos.
Todas as grandes mudanças dão lugar a ganhadores e perdedores e nem sempre os que mais perdem são os que estão na parte mais baixa. Com a introdução dos teares mecânicos na indústria têxtil, por exemplo, não foram os trabalhadores sem qualificação os que perderam, mas sim os luditas, os artesãos que faziam panos em casa. De um modo similar, quando foram criadas as primeiras linhas de montagem em princípios do século XX na indústria automotiva, os perdedores não foram os trabalhadores sem qualificação, mas os altamente qualificados, que podiam realizar séries de tarefas de alta precisão. Ou seja, a polarização não é realmente algo novo, embora hoje em dia possa ter um alcance muito maior do que já teve no passado.
Considerando-se a situação no longo prazo, seria possível dizer que, depois de tudo, a história da Revolução Industrial foi um grande êxito, não apenas por aumentar o bem-estar material, mas também por ter criado muitos mais postos de trabalho dos que existiam há 200 anos.
Para que essas transições, porém, sejam menos prejudiciais, o melhor é atuar diretamente sobre as duas forças principais: a oferta e a demanda. No lado da oferta, a educação já não é a resposta, pois um título superior não garante trabalho bem remunerado, embora continue sendo ingrediente essencial para responder adequadamente à questão do trabalho. No lado da demanda, é preciso levar em conta que a tecnologia não é necessariamente inimiga da mão de obra. É verdade que pode substituí-la, mas também pode ajudar no rendimento do trabalhador, potencializá-lo e prolongar sua vida laboral.
É preciso ter consciência de que o progresso tecnológico não é ditado por um poder externo: é algo endógeno de nossas sociedades. Poderíamos argumentar que ninguém diz a um cientista puro qual deve ser o assunto central de sua curiosidade; é verdade, mas a inovação não é ciência pura. Ela é inspirada e financiada pela sociedade em geral, por meio dos governos e instituições públicas de pesquisa, que podem ajudar a orientar a tecnologia em direção a um rumo útil. Se o progresso tecnológico dá a impressão de ser cego é por opção.
Mais do que cegos, os mercados são míopes. Parece que investidores e empresários têm dificuldades em ver além do futuro imediato, o que leva a erros: não existem mercados que se estendam ao infinito, condição necessária para sejam eficientes.
Assim como os luditas que destruíram as primeiras máquinas não puderam prever o final feliz da industrialização, os empresários podem não conseguir ver as vantagens de uma sociedade harmoniosa. Acostumados, como estamos, a deixar essas previsões nas mãos das instituições públicas, que têm o dom da permanência, é necessário que assim seja, se quisermos evitar um sofrimento desnecessário diante das atuais mudanças.
Alfredo Pastor é professor de economia da IESE Business School
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