Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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‘Sobre ternos, enigmas e erotismo’, por Roberto Pompeu de Toledo

PUBLICADO EM VEJA DESTA SEMANA

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

Os ternos, primeiro. Ninguém os ostenta tão finos, em toda a República, como o advogado e ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. Numa terra em que a regra é o guarda-roupa mambembe, e para a maioria o valor da roupa não vai além da comezinha função de cobrir a nudez, o ex-ministro é uma destacada exceção. Imagine-se um salão de Brasília, de São Paulo ou do Rio, em que os presentes estivessem com o rosto coberto. Só pelo impecável corte do terno, e ainda pelo colarinho, ou pelo rigoroso nó da gravata, seria fácil adivinhar: ─ “Ah. esse só pode ser o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos!”. O apuro no vestir tem sua correspondência nos modos do ex-ministro: cordial, articulado, fleumático.

Pois todo esse acervo de cuidado e elegância no momento mobiliza-se em favor do bicheiro Carlos Cachoeira. Fica bem, para Márcio Thomaz Bastos, atender tal cliente? Fica mal? Fica bem, para o país, ter um antigo ministro da Justiça sentado ao lado da figura central do maior escândalo do ano, a zelar, na CPI, para que o pupilo se mantivesse calado? Ficaria bem, para um ex-ministro da Justiça na Itália, ter um chefe mafioso como cliente? A justificativa-padrão é que todo réu tem direito a um advogado. Sem dúvida, mas este advogado? Resta a suspeita de malversação de terno, de colarinho, de nós na gravata, de bons modos, de sabença jurídica e mesmo, quem sabe, da dignidade da República.

O enigma, agora. Já que deputados e senadores não se mostram dispostos a debruçar-se sobre as falcatruas atribuídas a Carlos Cachoeira, poderiam inquiri-lo sobre sua infância, os sonhos de adolescente, os amores. A essas questões talvez ele respondesse, e isso ajudaria na decifração do enorme, crucial enigma que nos põe esse personagem: afinal, o que queria ele? Aonde queria chegar? Carlos Cachoeira, segundo o apurado até agora, herdou um ponto do bicho do pai, que por sua vez o tinha recebido do campeão do jogo do bicho carioca, o falecido Castor de Andrade.

Pois bem. A ambição de um bicheiro, normalmente, não vai além de comandar uma escola de samba. Carlos Cachoeira mirou mais alto. Duplicou os negócios ilegais com os legais. Estabeleceu-se na indústria farmacêutica e, ao que tudo indica, na empreita de obras públicas. Ao longo do caminho, embrenhou-se entre os políticos. O bicheiro tradicional também recruta políticos, mas não mais do que para proteger suas atividades de contraventor. Cachoeira queria mais. A rede de políticos a seu serviço sugere um aparato de infiltração nas estruturas do estado. As vantagens econômicas daí decorrentes são evidentes. As portas se abrem para negócios em que o estado é o grande comprador, como a indústria farmacêutica e a empreita.

Mas isso ainda não é tudo. Talvez até seja o de menos. As gravações da Polícia Federal indicam um gosto extremado por essa substância menos palpável, que é o poder. Cachoeira vinha bem nesse quesito. O governador de Goiás, num telefonema, chama-o de “liderança”. O senador Demóstenes Torres, em muitos, trata-o de “professor”. Nas conversas, os políticos soam como empregados, ou como reverentes vassalos. Mas Cachoeira ainda não estava satisfeito. Numa das gravações, trata com um assessor da compra de um partido político. Há muitos à venda no país, e ele só não fechou negócio porque considerou o preço alto. Sobra a questão: por que quereria um partido político? Essa questão se desdobra em outra: aonde pretendia chegar? E esta em outra ainda: aonde chegaria, caso seu caminho não fosse cortado pelas investigações? Uma aposta razoável é que acabaria imperador do Brasil.

O erotismo, por fim. A mensagem do “não se preocupe, você é nosso e nós somos teu” enviada pelo ex-líder do governo Cândido Vaccarezza ao governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, do PMDB, foi muito comentada por dois motivos. Primeiro, por desnudar o toma lá dá cá pelo qual um partido não deixará o outro em apuros, na CPI do Cachoeira, desde que o outro não deixe o um. Segundo, pelo claudicante português com que o deputado acabou largando o pobre “teu” ao desamparo de um singular. Faltou chamar atenção para a carga erótica da mensagem. Não é senão num estado em que se adivinham a entrega e o desejo que alguém se joga ao outro dizendo-o “nosso”, e declarando-se “teu”. Presidencialismo dito de coalizão é isso. Os casamentos que lhe são inerentes, para ser casamentos de verdade, só se abandonando ao regaço da sensualidade.

Fonte:http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/feira-livre/sobre-terno...

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