Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Teçume, ou como criar um negócio em que ribeirinhas na Amazônia vendem artigos para o mundo fashion

Os acessórios da marca, feitos de cipó, ajudaram a triplicar a renda das artesãs. Ainda há entraves, mas aos poucos elas vão tecendo os caminhos para se sustentarem.

Quem faz a Teçume (da esq. p/ a dir.): Maria Rita dos Santos, Maria da Paz, Valda Días, Adriele Prado, Marilene Guimarães, Nilvaneide Regis, Adite Paixão, Cleia Costa, Marcineide Ferreira e Monica Guimarães.

Quem faz a Teçume (da esq. p/ a dir.): Maria Rita dos Santos, Maria da Paz, Valda Días, Adriele Prado, Marilene Guimarães, Nilvaneide Regis, Adite Paixão, Cleia Costa, Marcineide Ferreira e Monica Guimarães.

Em uma pequena cidade a 102 quilômetros ao sul de Manaus, seis mulheres de comunidades ribeirinhas se reúnem uma vez por semana para tecer acessórios que têm feito sucesso no mundo da moda. Com pouco menos de 40 mil habitantes, Careiro é a sede da Teçume, marca social criada em 2015 pela ONG Casa do Rio. Lá, as artesãs com idade entre 30 e 60 anos produzem bolsas, leques, botões, caixas de óculos, entre outros adereços que levam o selo próprio da marca ou fazem parte de coleções de estilistas famosos como Cris Barros e Giuliana Romanno. Feitos com cipó ambé, planta da região Amazônica muito utilizada no artesanato, cada item demora de 1,5 hora para ser produzido, como é o caso do leque, até 1,5 dia, no caso das bolsas maiores.

Assim como o processo de produção, que segue a linha conhecida na indústria como slow fashion, o crescimento e amadurecimento da Teçume como negócio social também pode ser definido como “slow empreendedorismo”. Tudo é feito com a paciência e cuidados necessários para inserir mulheres acostumadas ao trabalho braçal na roça, ou que nem sequer sabiam ler e escrever, no mercado de moda. Quem fala sobre isso é o diretor de comunicação da Casa do Rio, Jeff Ares:

“Pela própria natureza dos produtos, a Teçume não pode ser uma marca muito grande”

Se hoje a Teçume é mais conhecida e firma parcerias com grifes famosas, no princípio, é claro, não foi bem assim. Tudo começou em 2011, quando Thiago Azambuja, fundador da ONG, passou uma temporada na região do Rio Tupana, sempre na região do Careiro, participando de um projeto de educação com jovens. Como parte do processo de integração dos participantes, pedia para os pais levarem algo que sabiam fazer e, frequentemente, as mães levavam os utensílios tecidos por elas: peneiras,vassouras, cestos, paneiros (cestos).

Teçume é fashion: nas redes sociais, a diretora da Vogue, Daniela Falcão, elogia a bolsa Teçume de sua diretora de moda, Donata Meirelles.

Caminho completo: nas redes sociais, a diretora da revista Vogue, Daniela Falcão, elogia a bolsa Paricá (vendida a 200 reais na Artiz, em São Paulo) customizada pela marca Esther Giobbi e usada por sua diretora de estilo Donata Meirelles.

Aquilo chamou a atenção de Thiago, que montou um projeto para um edital de valorização de artesanato da Caixa Econômica Federal. Mas a história não foi para frente. Em 2014, quando os jovens já tinham terminado a escola, surgiu outro edital, dessa vez da Brazil Foundation, voltado a empreendedores sociais e à criação de projetos de geração de renda. Thiago, então, resolveu enviar o mesmo projeto de 2011: dessa vez deu certo (e ele recebeu 28 mil reais para realizá-lo). Com apenas algumas adaptações ao projeto original, em abril de 2015 surgia a Teçume.

Com o apoio da designer Luly Vianna, proprietária da marca Saissu (que significa “amor ao planeta” em tupi guarani e também faz moda em uma cadeia sustentável), as artesãs amazonenses criaram o primeiro produto da Teçume, a bolsa Paricá. “Nós buscamos fazer um artesanato bem feito, bem trabalhado, com qualidade”, conta Luly, que atribui ainda mais um motivo para o sucesso dos acessórios:

“Fazer artesanato só por fazer não fecha a conta: é preciso criar desejo e charme, prezar pela estética dos produtos”

As artesãs assinam embaixo e reconhecem a importância do bom acabamento de cada item. Maria Rita Ferreira dos Santos, 50, diz que seu desejo para o futuro é principalmente aperfeiçoar cada vez mais o trabalho, não necessariamente fazer a marca crescer ou aumentar o faturamento, que tem sido positivo. No ano passado, e Teçume faturou mais de 10 mil reais em peças vendidas, valor que ajudou a triplicar a renda familiar de cada artesã. “Comprei um celular para minha filha, uma máquina de lavar, ajudo a pagar o rancho de comida”, conta Maria Rita, que tem oito filhos e nunca frequentou a escola.

TECENDO NOVAS VIDAS

Assim como Maria Rita, outras artesãs não sabiam ler ou escrever, o que dificultou a gestão da marca no início. Um exemplo real dessa barreira: elas produziam os itens, participavam de feiras e faziam as vendas, mas não conseguiam acompanhar o fluxo do caixa — nem sequer anotar o que foi vendido. Ficou evidente a necessidade de alfabetizar essas mulheres para que elas pudessem gerir a marca por conta própria.

Uma artesã organiza as peças já prontas, em Tupana, longe de Manaus. O transporte para o Sudeste só acontece quando Thiago ou Lily visitam o local.

Artesã trabalha nas peças da Teçume, produzidas na região do rio Tupana, a mais de 100km de Manaus. O transporte para o Sudeste só acontece quando Thiago ou Luly visitam o local.

Thiago criou, então, o Projeto Rosa, cujo objetivo era ensinar as artesãs, além de outros adultos da região, a ler e escrever. Com o valor gerado pela venda de 25 bolsas — a 500 reais cada uma —, no ano passado 20 pessoas foram alfabetizadas no projeto, que durou cerca de nove meses. Maria Rita está entre as que participaram das aulas e, embora tenha aprendido a escrever o próprio nome e consiga ler com certo esforço, afirma que ainda tem dificuldade para soletrar e “juntar” as palavras. “Preciso continuar treinando”, diz.

Mas, se ler e escrever permanecem um desafio para Maria Rita, um fato é certo: as artesãs aprenderam muito sobre empreendedorismo, valorização do próprio trabalho e estão mais seguras de si. “As mulheres da Amazônia são muito fortes, mas submissas. O fato de elas sentirem o trabalho valorizado trouxe autoestima e uma união que faltava na região. Elas aprendem a opinar e a se impor”, conta Luly.

Acostumadas ao trabalho na roça, as artesãs da Teçume não sabiam ler. Estão aprendendo. O próximo passo é um curso para dominarem também o WhatsApp.

Acostumadas ao trabalho na roça, muitas artesãs da Teçume não sabiam ler. Estão aprendendo. O próximo passo é um curso de computação.

Outra artesã, Maria Alexandra dos Santos, 49, que ao contrário de Maria Rita completou o Ensino Médio, pensa de modo semelhante: “Os maiores benefícios que a Teçume me trouxe foram ter uma forma de ganhar meu próprio dinheiro e ser reconhecida pelo meu trabalho”. Ela, que aprendeu a tecer sozinha, copiando uma cesta para recolher ofertas na Igreja, chegou a tentar vender o trabalho por conta própria.

A união mencionada por Luly é importante para definir o futuro da marca. Isso porque, por enquanto, tudo é feito de modo bem informal. Embora Thiago e Luly tenham claro que não devem interferir na gestão da marca, isso não é totalmente possível por enquanto.

O registro fiscal dos produtos, por exemplo, é feito pela Saissu, pois as artesãs ainda não decidiram se vão se organizar em cooperativa, associação e/ou grupo produtivo, para então formalizarem a Teçume como Microempreendedor Individual (MEI).

Outro problema é que a maioria delas é registrada como pescadora ou agricultora, e poderiam ter de esperar mais tempo para se aposentar caso mudem o registro para artesãs. É um processo lento, mas que tem um objetivo claro para todas, como afirma uma das artesãs, Nilva Neide Régis Guimarães de Oliveira, 45:

“Como o Thiago sempre nos lembra, precisamos aprender a andar com nossas próprias pernas. Um dia vamos chegar lá”

Se uma parte dos desafios, como a alfabetização e a busca por independência, vão sendo enfrentados para que a Teçume possa ser gerida inteiramente pelas artesãs, há um problema para o qual ainda não foi encontrada uma solução clara: a distribuição dos produtos.

NÃO É FÁCIL IR DA FLORESTA PARA O MUNDO

Por causa da distância de Manaus, enviar por correio encareceria muito o custo das peças. Por isso, a marca ainda depende das visitas periódicas de Thiago ou de Luly para que transportem as encomendas para São Paulo. Atualmente, além das encomendas que podem ser feitas diretamente com as artesãs, duas bolsas da Teçume são vendidas na Artiz, espaço no Shopping JK Iguatemi, em São Paulo, que reúne produtos de artesanato apoiados pela Rede Artesol. O primeiro modelo criado pela marca, a Paricá, é vendido no local por 200 reais – embora o preço cobrado pelas artesãs seja de 100 reais. As vendas da marca geram, em média, 3 mil reais por mês.

Além do transporte da floresta para os grandes centros, existe também a dificuldade em transportar o modo de produção slow fashion para o mainstream. Jeff, que também é responsável por fazer a ponte entre os produtos da Teçume e o mundo da moda, fala de como é essa intersecção:

“As marcas querem e precisam trabalhar no Terceiro Setor e com responsabilidade social, mas não sabem por onde começar”

E aí a Teçume se depara com barreiras como o tempo de produção, que conflita diretamente com o calendário de moda, cujas coleções mudam em ritmos cada vez mais rápidos. Outro problema é o pagamento, que no mercado em geral é feito até 90 dias após a entrega. “Mas as artesãs não podem esperar esse tempo todo, pois dependem do dinheiro para sobreviver. É preciso fazer o mercado entender”, conta ele.

Na visão de Luly, o esforço tem valido a pena. “É muito bacana isso de a Teçume se abrir para a moda, porque cada estilista tem uma visão diferente para o artesanato”, diz. Mesmo longe de São Paulo, as artesãs sentem que estão no caminho certo e que as parcerias com o mundo da moda, ou o “mainstream”, têm sido importantes para isso.

Embora a Teçume esteja em busca de mais artesãs, e de fato seja procurada por mulheres que desejam aprender a técnica, as cinco dão conta do serviço. Elas se orgulham de ter entregue recentemente 150 telas de peneiras para estilistas, conta Maria Alexandra. Mas o esforço é conjunto e envolve até membros da família, como o filho de uma delas, Marcos Alexandre dos Santos, que cuida do WhatsApp para intermediar o contato com São Paulo, e também ajuda a fazer a contabilidade. Agora, por pedido delas mesmas, estão tendo aulas de computação. Pouco a pouco, caminham para consolidar a Teçume como uma referência em acessórios de artesanato da Amazônia. Sem pressa, trama a trama.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Teçume
  • O que faz: Objetos de artesanato, moda e design sob encomenda
  • Sócio(s): Maria Alexandre dos Santos, Nilvaneide Regis Guimarães de Oliveira, Edite Paixão Colares (Branca), Maria Rita Ferreira dos Santos, Marilene Nascimento Prado e Valdecira Maria da Silva Reis
  • Funcionários: 6 (as artesãs)
  • Sede: Careiro (AM)
  • Início das atividades: abril de 2015
  • Investimento inicial: R$ 28.000
  • Faturamento: R$ 3.000 mensais, em média
  • Contato: (92) 99415-7886, Marcos Alexandre dos Santos

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