Até o momento, 24 moradores de Petrópolis morreram antes de saber o que não foi feito. Ou melhor: até sabiam ─ mas nada puderam fazer, desde o verão passado, para reduzir a ameaça de morte iminente de suas famílias, ao primeiro temporal trazido pelo implacável ciclo das estações climáticas da Terra. Incrível: houve um verão também em 2013.
Eles ficaram em suas casas, permanecendo em local de altíssimo risco, não porque gostavam de viver perigosamente, mas por absoluta falta de opção de moradia ─ opção, aliás, anunciada com pompa pelo governo após a tragédia do verão de 2012. Espere ─ não foi em 2011? Ah, em 2011 e 2012? Na maioria das cidades serranas destroçadas pelas chuvas nos dois últimos verões, não foi erguida uma única casa, das centenas prometidas, para acomodar as pessoas que teriam de ser removidas das encostas mais ameaçadas.
Em seu profundo desconhecimento das coisas do mundo real, Dilma e o governo que acabou com a miséria no país achavam que a criação de uma força-tarefa de gabinete, constituída no ano passado em torno de ministros de seis pastas e composta por 35 geólogos e 15 hidrólogos, “para atuar nas áreas de risco dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, afetados pelas chuvas”, fosse suficiente para evitar novas tragédias.
Informou na época o Portal do Planalto: “A força-tarefa vai trabalhar na identificação das áreas sujeitas a deslizamentos e inundações, de onde as famílias devem ser removidas pela Defesa Civil”. Essa força plenipotenciária viria se juntar ao Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, na época comandado pelo pajé Aloizio Mercadante. Pena que ninguém atentou para a sigla do centro ─ CEMADEN. Uma sigla provavelmente cifrada, por uma letra equivalente a uma ordem oculta. Os 24 moradores agora mortos, porém, não leram o decreto no Diário Oficial ─ e jamais viram, à porta de suas casas, um desses luminares que não só preveriam como evitariam os danos causados pelas chuvas torrenciais deste e dos próximos verões.
Se os olhos nada viram, seus ouvidos foram agraciados com uma sirene prenunciadora de chuvas mais pesadas, recomendando a retirada. Numa época em que os satélites de meteorologia já conseguem prever a formação de zonas de instabilidade com quase uma semana de antecedência, a sirene da chuva foi a melhor resposta lulopetista aos avanços da ciência nessa área. Em Petrópolis, há 18 sirenes. Claudia Vicente, moradora do bairro de Quitandinha, o mais atingido de Petrópolis, garante que não ouviu nenhuma antes do chuvaréu: “Quando a sirene soou, as casas já estavam no chão”. Nas quatro casas levadas pela chuva, pelo menos 10 crianças ficaram soterradas. Duas morreram.
Mas, para Dilma, tudo funcionou como tinha de funcionar. No coração do Vaticano, mas indiferente à obrigação da virtude, à espera do iminente encontro com o Papa Francisco, cercado de falsos carolas do governo, ela soa como prevaricadora da verdade. Mas talvez não seja, intencionalmente. No mundo em que ela vive, a presidente realmente acredita que faz sempre o melhor ─ não tem arcabouço intelectual para perceber nada errado. Uma sirene ─ a versão sonora do CEMANDEM… ─ não pode ser, no século 21, o melhor preventivo de tragédias anunciadas, que requerem soluções de infraestrutura.
Dilma, sinceramente, só vê um erro na nova tragédia serrana: os moradores não deveriam estar lá. Morreram de teimosos e recalcitrantes. Quase bem feito. Nesta entrevista, dada a contragosto em Roma, depois de um lenga-lenga sobre a fome no mundo, tema no qual o Brasil lulopetista dá lições ao universo, ela já tinha dado as costas aos jornalistas quando um deles pergunta pela tragédia de Petrópolis, tão longe e ao mesmo tempo tão perto do Vaticano renovado por Francisco.
Com a desarticulação de sempre, ela fala das providências que tomou, direto de Roma, com o terço nas mãos:
─ Conversei também com o governo brasileiro….
Como? Há outro, além do dela? Para variar, uma má expressão da presidente. Ela explica: o “governo brasileiro” é quem ficou cuidando da casa, a ministra Gleisi ─ a mesma que, na primeira reunião cenográfica da Farsa-Tarefa, no ano passado, disse que “evitar mortes é nossa prioridade número 1″.
Bem, os 24 mortos desta semana aparentemente não entraram nessa prioridade. Eles não ouviram ou desprezaram a sirene. Mas a ministra-chefe da Casa Civil recebeu ordem da presidente para, segundo Dilma, agora sim, “prover todos os recursos para que não haja mais vítimas”. Neste e nos próximos verões. “Porque nós temos um sistema de prevenção”, celebra a presidente, produzindo matéria-prima para uma eventual confissão na Basílica de São Pedro.
Mas… “O problema é que muitas vezes as pessoas não querem sair”. Sair uma vez, ok. Muitas vezes é mesmo mais difícil. Falando sério: Dilma parece estar convencida de que as pessoas ficam lá, para morrer, porque querem. Ô, raça. “É uma situação muito difícil”,diz a meteorologista master do governo federal, “porque choveu 300 milímetros, que é mais, é quase o tanto que chove em um ano em algumas regiões do Brasil”. Em um ano? É mais do que chove no sertão da Bahia em 10 anos.
Que tal comparar Petrópolis com Petrópolis mesmo?
É esse o método que os meteorologistas usam para caracterizar chuvas acima do normal em determinada região. Nesse contexto, choveu em Petrópolis, num dia, o esperado por todo o mês de março. Uma senhora chuva ─ mas não prevista pelo “sistema de prevenção”, embora previsível. Um repórter, ao fundo, indaga o óbvio. Como falar em prevenção com tantos mortos? Não parece ter havido problemas com o sistema?
Dilma quase engata um “meu querido”, mas se segura, enfática: “Não, não estava com algum tipo de problema, não. A nossa prevenção avisa as pessoas”. Seria a sirene, de novo? Dilma não sabe bem como funciona a coisa, mas de novo passa um pito nas vítimas oportunistas: “Eu acho que vai ter de sê tomado (sic) medidas um pouco mais drásticas para que as pessoas não fiquem na região que não podem (sic) ficar”.
Medidas mais drásticas? Remover os teimosos à força? Tropa de choque? Quais foram as medidas mais amenas? Casas populares para realocar as famílias? Onde ficam? Nenhuma palavra, além do complemento do pito:
“Que aí não tem prevenção que dê conta se você ficar num determinado lugar mesmo sabeno que tem de sair”.
O dilmês, quase sempre folclórico, também pode ser muito cruel.
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