Ao assumir o Federal Reserve, banco central norte-americano, Janet Yellen foi clara: seu único objetivo será defender os interesses soberanos dos EUA. O que nunca deixaram de fazer, mesmo quando travestidos de invasores em defesa da democracia.
Assunto menor para momento tão importante, não mencionou que essa soberania inclui não pagar o que devem ao Brasil, após condenação na OMC (Organização Mundial do Comércio), em 2005, por irregularidades na concessão de subsídios aos produtores de algodão.
Não honrar passivos internacionais é algo que em passado não muito remoto fez brasileiros tremerem de medo. A Argentina o fez e até hoje é mal recebida em círculos diplomáticos e financeiros tradicionais. “Onde os fracos não têm vez”, por certo.
Depois de substituírem a Inglaterra na hegemonia mundial, colocarem a economia a seus pés com a II Guerra e o Acordo de Bretton Woods, e eliminarem a polarização da Guerra Fria, agora, os EUA se veem ameaçados de dividirem seu protagonismo com a China, em sua ascensão a maior economia do planeta.
Calma, americanófilos de plantão, sem pânico. Arsenais de guerra continuarão contando mais do que economias para manutenção de poder. Se você tivesse que escolher entre perder a casinha lá na Marambaia ou a vida, qual seria a opção?
Na última safra, o Brasil investiu forte na cotonicultura. Desestimulados com os preços do milho, os agricultores atacaram de soja e algodão. Enquanto a área de milho diminuiu 5%, soja e algodão aumentaram 7% e 22%, respectivamente.
Mesmo agora, com as segundas safras em plantio e enfrentando problemas climáticos pontuais, estão previstos redução na área de milho e aumento na de algodão. A meu ver, uma aposta equivocada. A manada produtora foi nessa direção e acredito que, muito cedo, o milho recuperará seus preços.
A produção brasileira de caroços e plumas concentra-se 85% nos estados de Mato Grosso e Bahia. A CONAB prevê o Brasil colher 2,5 milhões de toneladas de caroço de algodão e 1,6 milhão do produto em pluma.
Com a demanda interna de pluma estagnada nos últimos anos, próxima de 900 mil toneladas, efeito de câmbio defasado e importações prejudiciais às indústrias têxtil e de confecções, um volume significativo precisará ser direcionado à exportação.
É aí que os EUA entram em cena.
Em processo de tirar a cabecinha para fora do pântano que a sugou em 2007/2008, a economia norte-americana volta a ensaiar hábitos paquidérmicos para afastar seus concorrentes no comércio internacional.
Assim como, anualmente, o Brasil divulga seu Plano de Safra, o governo dos EUA acaba de apresentar, para aprovação no Congresso, o “Farm Bill”. Depois de ensaiar restrições a subsídios e incentivos para amainar os perrengues de lá, não é de duvidar que o plano venha cheio de traquinagens para trazer os perrengues para cá.
Um deles, no algodão. Segundo a ABRAPA, Associação Brasileira dos Produtores de Algodão, mecanismos de garantia de preços e seguros podem causar distorções de até 15% nas cotações do produto.
Quer dizer, não pagam e ainda apertam o torniquete.
Há quem critique nossa dedicação ao Mercosul e a diversificação de nossos destinos de exportação, supondo verdadeira a pérola que fez inesquecível o embaixador Juracy Magalhães (1905-2001): “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”.
Ao Brasil foi dada autorização de retaliar os EUA em itens à nossa escolha. Temerosos, bonzinhos ou cordiais, vimos adiando cumpri-las, valendo-se de acordos e promessas, que se transformaram em prestações mensais, há cinco meses atrasadas. Casas Bahia?
Nesta semana, o ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, em reunião na CAMEX, Câmara de Comércio Exterior, considerou o momento ainda não adequado para retaliar. Depois de nove anos.
Desconsiderou, inclusive, duas sugestões enviadas por mim.
Na área de produtos, impor taxas altíssimas para importação de molhos barbecue. Quem sabe evitaríamos estragar o sabor de nossas carnes.
E, na área de propriedade intelectual, internarem os deputados federais Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Marco Feliciano (PSC-SP) numa comunidade Amish norte-americana. Por 30 anos.
Fonte: Carta Capital