Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Vida e obra da estilista marcaram a história do Brasil

Por João Braga

 

As décadas de 1960 e 1970 foram  muito transformadoras no que tange às questões tecnológicas e sociais e, por extensão, também na moda. É naquele primeiro decênio que a tal antimoda, posteriormente chamada de moda jovem, vai se estabelecer e passar a direcionar novos padrões estéticos e comportamentais. Internacionalmente falando, tanto a conquista espacial entre EUA e URSS e também a Guerra do Vietnã, fatos da história social, econômica e política, vão influenciar novas posturas jovens associadas às roupas de moda. Enquanto o tecnológico da linguagem espacial direcionava uma moda à base de tecidos de fibras sintéticas e cortes aerodinâmicos, o outro lado da moeda favorecia o aspecto artesanal, intencionalmente despreocupado, e tecidos de fibras naturais que criavam o que viria a ser a moda hippie. Estes jovens norte-americanos descontentes com a Guerra do Vietnã, e suas possíveis convocações, eram filhos do pós-Segunda Guerra Mundial, ou seja, os baby boomers, que negavam os conflitos bélicos e, numa atitude comportamental pacifista e transgressora, deram novos rumos à postura jovem, fazendo surgir então o movimento hippie por volta de 1965. Estes, por viverem em comunidades, acabaram dando origem à moda comum aos dois gêneros, isto é, à moda unissex, na segunda metade dos anos 1960. Na década seguinte, a moda jovem continuou a todo o vapor, delineando novas realidades normalmente associadas a uma moda transgressora, criativa, jovem e de muita inovação. No Brasil, essa vontade de mudança não era diferente, todavia o cenário político, econômico e social estava muito delicado e conturbado. Juscelino Kubistcheck inaugurara a nova capital federal, Brasília, em 1960, afastando os políticos dos grandes centros urbanos que estavam muito próximos às regiões litorâneas; Jânio Quadros tinha sido eleito em 1960 e tomara posse em 1961, ficando aproximadamente sete meses na presidência da República. Com sua renúncia, o vice-presidente, João Goulart, subira ao poder depois de conturbadas e complexas negociações de ordem política. Todas essas mudanças podem ser consideradas as origens e os antecedentes daquele que viria a ser o golpe militar que instaurou a ditadura no Brasil a partir de 1964, e que iria durar até 1985. Nesse cenário de grandes transformações no mundo e também no Brasil, surgiu um nome na moda nacional que viria a ser o grande arauto da moda genuinamente brasileira. Tratava-se de Zuzu Angel. Nascida Zuleika de Souza Netto na cidade mineira de Curvelo, em 1921, essa menina se mudou com a família para Belo Horizonte e, na juventude, conheceu Norman Angel Jones, um canadense naturalizado norte-americano, com quem se casou em 1943, mudando-se então para a cidade de Salvador. Ainda na capital baiana, teve seu primeiro filho, ao qual deu o nome de Stuart Edgard. Posteriormente, em 1947, mudou-se para o Rio de Janeiro e na então capital do país teve duas outras filhas: Ana Cristina e Hildegard Beatriz. Jovem, ainda em Minas Gerais, já tinha aprendido o ofício de costureira e foi com essa prática que Zuzu Angel começou a ganhar a vida. Nos anos 1950, o mineiro Juscelino Kubistcheck de Oliveira tinha sido eleito presidente do Brasil e, ao mudar-se para o Rio de Janeiro, levara consigo um séquito de mineiros, inclusive uma tia de Zuzu que era amiga da então primeira-dama, dona Sarah, que acabou introduzindo Zuzu na alta sociedade carioca. Zuzu, com seu domínio técnico de costureira e com sua criatividade sempre aflorada, começou a costurar para fora, além das roupas que fazia para a própria família. Das iniciais saias, passou às blusas e, quando percebeu, já fazia parte da criativa e inovadora moda carioca. Com identidade própria em seu trabalho de moda, Zuzu já tinha até escolhido um anjo (devido ao sobrenome de casada) como identidade visual de suas criações. Logo ganhou fama e prestígio, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Sem nunca perder suas raízes, Zuzu investia e se inspirava em brasilidades, numa profunda difusão de cores em estampas de pássaros, borboletas, flores, folhagens tropicais, além das rendas, da valorização do artesanato e até mesmo da temática nacionalista, com personagens como Lampião e Maria Bonita. Tudo isso, muitas vezes, era até mesmo visto como criação de gosto duvidoso, pois o chique àquela época era seguir uma moda baseada nos padrões internacionais, especialmente nos franceses. Com loja no Rio de Janeiro e vendendo para magazines norte-americanos, Zuzu estava em pleno reconhecimento profissional e tudo estava indo muito bem. Vale lembrar que o golpe militar já tinha acontecido e os presidentes militares estavam no poder com toda a postura ditatorial. Neste momento histórico da ditadura militar, o jovem filho de Zuzu, Stuart Edgard Angel, enveredou-se pelos movimentos estudantis e, posteriormente, participou do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), acabando por entrar para a clandestinidade. Aos 26 anos, em 14 de maio de 1971, Stuart foi preso e desapareceu. Zuzu passou a procurá-lo incessante e incansavelmente entre presídios, quartéis, ou onde pudesse estar. Nunca o encontrou, até que recebeu uma carta de outro preso político, Alex Polari, dizendo que tinha testemunhado a morte de Stuart. Zuzu passou, então, a reivindicar o corpo de seu filho para poder enterrá-lo com o mínimo de dignidade. Só recebia respostas oficiais negativas e nunca o encontrou. Mesmo assim, Zuzu não deixou de trabalhar com a moda, porém foi direcionando toda sua criatividade e energia para denunciar o desaparecimento e morte de seu filho por intermédio daquilo que melhor sabia fazer como profissão: roupas de moda. Pássaros livres, flores e folhas deram lugar a canhões, tanques de guerra, quepes militares, grades de prisão, pássaros engaiolados, anjos ensanguentados e tudo aquilo que a remetesse à dor da perda de seu filho. Além desse procedimento criativo, Zuzu passou a se apresentar publicamente vestindo-se de preto, especialmente depois dos desfiles, numa simbologia de luto. Com propriedade, pode-se dizer que foram as primeiras coleções de cunho político apresentadas em passarelas no Brasil (em plena ditadura) e, possivelmente, até mesmo internacionalmente. Na madrugada de 14 de abril de 1976, Zuzu morreu num acidente automobilístico no Rio de Janeiro, quando saía do Túnel Dois Irmãos, que hoje leva seu nome. Nos anos posteriores, foi reconhecida uma sabotagem em seu carro que a levara à morte. Por tudo isso, Zuzu Angel destacou-se na história do Brasil, tanto com sua vida quanto com sua obra, deixando marcas muito preciosas para a memória e a moda nacionais. Foto: Fernando Silveira/Faap/Divulgação http://www.costuraperfeita.com.br/edicao/26/materia/voce-sabia.html

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Respostas a este tópico

Mas nunca foi provado que não foi acidente.

Foi muito afirmado; e tudo que a esquerda afirma ganha ares de verdade suprema!

Sabotagem, abalroamento, vale qualquer coisa para jogar mais essa na conta do governo militar e arrancar mais uma indenização do Estado brasileiro.

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