Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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José Galló, Presidente das Lojas Renner, apresenta as estratégias da empresa para superar a turbulência econômica.

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Em meio ao expediente, um brinde com espumante. Diretores e gerentes da Lojas Renner celebraram com o presidente da companhia, José Galló, mais uma marca para deixar os acionistas felizes. As ações da empresa, que têm se valorizado em média 30% ao ano, ultrapassavam a barreira dos R$ 80.

Boa parte deste desempenho é atribuído a Galló. Quando chegou à Renner, em 1991, liderou a mudança de perfil da empresa, que deixou de ser uma rede de departamentos para se especializar em moda. Em 2005, passou a ser a primeira companhia a ter o capital pulverizado na Bovespa — ou seja, uma empresa sem dono. Com um faturamento de R$ 4,6 bilhões, desde o ano passado com lojas em todos os Estados e líder no varejo de vestuário no país, a Renner não teme a crise econômica nem os seus reflexos para o varejo.

Galló concedeu entrevista, dividida em três partes, semanas atrás.

Empresário conta que empresa oferece uma média de 140 horas de treinamento por funcionário Foto: Lauro Alves / Agencia RBS

Empresário conta que empresa oferece uma média de 140 horas de treinamento por funcionário
Foto: Lauro Alves / Agencia RBS

Primeira parte: A Renner sempre cresceu em momentos de crise

Nos últimos anos, a Renner passou a importar mais, devido ao câmbio e à falta de competividade da indústria brasileira? E com esse dólar mais elevado, pode vir a comprar mais dos fornecedores nacionais ou a diferença no setor têxtil ainda é grande?

Definimos que, no máximo, chegaríamos a 25% ou 30% de importação, independentemente do câmbio. Porque nós somos um fashion retail (varejo de moda). Praticamos o fast fashion (moda rápida) e, para isso, temos de ter uma entrega muito veloz. Desde o desenvolvimento do produto à entrega no CD (centro de distribuição), tem de levar de 30 a 35 dias. E isso não se consegue com importação. Mas a indústria nacional tem grandes problemas de produtividade e competitividade. A carga de impostos é brutal. Até para a importação. Se algo custa cem no Extremo Oriente, para chegar no nosso CD fica em 190. Sabe quanto custa para um chileno? Cento e quinze. A indústria de confecções é um pavilhão onde o tecido é cortado e depois colocado para oficinas terceirizadas costurarem. Se essas costureiras estivessem dentro do pavilhão, encareceria muito mais o preços das roupas, que já são caras em relação às importadas. A carga tributária brasileira é asfixiante. Destrói a maior riqueza que um país pode ter que é o empreendedorismo. Para uma empresa sair de pequena para média é um esforço tão brutal que pouquíssimas conseguem.

Que empresas com diferenciais competitivos podem se sair melhor? Quais são os da Renner? A crise pode ser uma oportunidade de ganhar espaço da concorrência?

Pode ser uma uma oportunidade. A Renner sempre cresceu em momentos de crise. O diferencial está no produto, no seu desenvolvimento, na rapidez desse desenvolvimento, no nível de prestação de seviços na loja e nos preços. São os famosos 4 Ps do marketing: produto, preço, ponto de venda e propaganda e promoção. Se tivermos um produto competitivo, que o consumidor quer, não o que você acha que ele quer, isso é um diferencial. Há dois tipos de varejo: o novo e o velho. O velho tenta adivinhar o que o consumidor quer. O novo dá o que ele quer. Uma sutil diferença, mas que é enorme. E para isso é preciso estar muito próximo do consumidor e ter a velocidade de reação que te ajuda a constantemente ter uma coleção nova na loja. É um diferencial importantíssimo.

E essa oportunidade deve vir pelo crescimento orgânico, ganhando mercado dos concorrentes, ou por aquisições?

Vai ser de crescimento orgânico. Temos oportunidades. Encerramos o ano com 246 lojas e achamos que em 2020 ou 2021 poderemos chegar a mais de 400 unidades. É uma oportunidade boa de crescimento. Na Camicado (rede de produtos de casa e decoração adquirida em 2011) temos 56 e é possível chegar a 120, 130. A Youcom (moda jovem), que começou há um ano e pouco atrás, soma já 25 lojas e tem potencial para atingir 300 a 400.

No caso da Renner, as lojas da rede crescerão mais em cidades médias ou continuarão nos grandes centros?

Vão continuar existindo oportunidades em centros maiores, mas a maior parte será em cidades médias. E também em lojas de rua, porque, em proporção aos nossos maiores concorrentes, temos poucas. E só foi possível irmos para os mercados médios porque houve importante crescimento de renda da população. Se estivéssemos falando há oito anos, diria que nosso potencial seria de 200 lojas. Mas, agora, estamos falando em, ao menos, 400 lojas. Dependemos também muito de onde aparecer shopping. Aqui no Estado, vai surgir um novo em Canoas. Está aí uma oportunidade ou onde houver opção de lojas de rua, prioritariamente em grandes cidades.

Por que prioridade para lojas de rua?

Porque temos 6% de lojas de rua e nossos concorrentes têm até 25%. Quando crescemos, coincidiu com o momento em que os shoppings cresceram bastante. Então, direcionamos nossa expansão para os shoppings.

O senhor está à frente da Renner desde 1991. A empresa tem um programa de sucessão para cargos-chave. Por quanto tempo o senhor se vê na companhia?

Temos um grupo de pessoas, umas 30, que garantirão o futuro dessa empresa. Nossa preocupação não é só em nível de CEO (presidente), mas também de diretor e gerentes gerais. Estamos avaliando e investindo nas pessoas. O meu último contrato foi assinado no ano passado e tenho mais quatro anos pela frente. Estou bem seguro de que temos pessoas que poderão me suceder.

Mas já há uma pessoa escolhida, sendo preparada para sucedê-lo?

Não. Temos de ter cuidado para não criar falsas expectativas. É óbvio que, sempre que possível, um sucessor interno tem resultados melhores do que um externo por conhecer as questões de cultura, princípios e valores da empresa.

E a valorização das ações da empresa nos últimos anos, a que o senhor atribui?

À pedra filosofal de encantar clientes. Quando estabilizamos a companhia, pensamos assim: agora temos de definir as regras do jogo, qual é a nossa visão, missão, princípios e valores. Queremos fazer uma empresa que não apenas satisfaça o consumidor. Vamos exceder a expectativa do consumidor. Vamos encantar clientes. A partir disso, todo mundo na empresa se preparou para o seu papel. A área de compras, para fazer as melhores coleções, a arquitetura, as melhores lojas, a de crédito, para oferecer as melhores condições. Isso fez a empresa crescer. Proporcionamos de 130 a 140 horas de treinamento por pessoa. Nas estatísticas das 150 melhores empresas para se trabalhar no Brasil, esse numero é de 35 a 40 horas. Então, não adianta apenas escrever nas paredes que você valoriza as pessoas.

O senhor costumava contar que, certa vez, foi ao médico e, ao se indentificar como presidente da Renner, ele perguntou quando a rede abriria uma loja fora de Porto Alegre. E a Renner já estava em quase todo o Brasil. Qual é a versão atualizada dessa história?

Já tínhamos mais de cem lojas. Isso me mostrou o quanto estávamos distantes em relação ao que éramos e o que as pessoas sabiam. Não saberem, por exemplo, que a primeira corporation (empresa com ações pulverizadas no mercado) brasileira estava em Porto Alegre. Que a líder de vestuário em vendas está aqui. Mas hoje somos bem mais conhecidos. Acho que mais pessoas sabem que estamos em várias cidades do Brasil, mas talvez um grande número ainda não saiba que estamos em todos os Estados. Talvez essa seja a nova versão.

Empresário comemora valorização média anual de 30% das ações da companhia Foto: Lauro Alves / Agencia RBS

Empresário comemora valorização média anual de 30% das ações da companhia
Foto: Lauro Alves / Agencia RBS

Segunda parte: “Chegou a hora da conta” para o Brasil

O varejo teve uma década fantástica, com aumento da renda e do emprego, o que gerou uma onda de consumo que beneficiou o setor. Mas o crescimento pelo consumo parece ter se esgotado, concorda?

Os ventos nos foram favoráveis. Toda esta situação do crescimento da China nos beneficiou, colocou recursos no Brasil, trouxe geração de empregos, aumento de renda e, mais importante do que isso, todos os consumidores fizeram um upgrade de classe. Passasam da C para a B, da B para a A. Quando as pessoas passam a ter uma renda a mais, quem não ia no cabeleireiro e na academia passa a ir, e isso cria empregos. Grande parte dos empregos foi gerada no setor de serviços. E teve a questão de que o governo criou uma série de incentivos (a partir do final de 2008), como a redução de IPI, que colocou uma força adicional no consumo. Agora, o cenário mudou. A China já não cresce mais tanto. Se diz que estamos em uma recessão, e o consumo está caindo. Ousaria dizer que, em determinadas categorias, o consumo cairia de qualquer forma. Principalmente de eletrodomésticos e bens duráveis. Porque todo esse pessoal que entrou no mercado tinha uma grande demanda de refrigeradores, fogões, televisores, automóveis. Esse pessoal já comprou.

Como fica o varejo nesse cenário?

Havia uma demanda reprimida que foi preenchida. Então, se você projeta a economia, vinha assim, entra a classe C com a demanda comprimida e o consumo faz assim (risca uma curva acentuada para cima). Você não pode projetar o consumo como uma continuidade disso. A normalidade é outra. Houve algo não recorrente. É óbvio que, associado a isso, a redução do preço das commodities (matérias-primas básicas) e do vigor da economia está dando no que está dando. Nesse período, o dólar também acabou artificialmente contido. Isso fez com que várias indústrias passassem a importar componentes, o que signifca redução de empregos aqui. Fora isso, para conter a inflação, houve freio no preço da gasolina, redução artificial no preço da energia, e bancos públicos foram incentivados a dar crédito acima da normalidade. Todos os artificialismos um dia cobram a conta. Então, chegou a hora da conta para o Brasil.

Mas como o senhor projeta o desempenho do setor com a retração da economia e os aumentos de gasolina e energia, por exemplo?

Nesse período de crescimento, de quase euforia, era uma situação em que todo mundo ia bem: o competente, o meio competente e o não competente. O mercado era totalmente favorável. Quando há uma volta à normalidade, há o teste de quem realmente agrega valor, tem diferenciais competitivos e quem não tem. Agora, chegou a hora da verdade. Quem tem diferenciais competitivos, faz proposições de valor consistentes para o consumidor, fica. Quem não tem, cai fora do jogo. Vai haver uma seleção natural. Muitas vezes falei com pequenos e médios empresários que, quando as coisas não iam tão bem e as vendas caíam, diziam que estavam com problemas financeiros. Isso não existe. Existem problemas mercadológicos que geram problemas financeiros. Aí você vende o carro para colocar (o dinheiro) no negócio porque fez diagnóstico de que o problema era financeiro. Depois, vende a casa na praia. Quando você não tem diferencial, não vende e passa a ter problemas financeiros. A parte maior da redução de consumo não ocorre porque está se diminuindo a renda ou a massa salarial. Ocorre por falta de confiança do consumidor em relação ao futuro.

No início do ano, em uma reunião com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, empresários ligados ao Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV) disseram que o essencial seria recompor a confiança. Como o senhor está vendo os primeiros passos da nova equipe econômica de, ao dar notícias ruins, recuperar a confiança, por mais paradoxal que isso possa parecer?

A confiança do consumidor e a confiança no país estão em queda. O ministro tem de começar por um desses pontos. É mais urgente restabelecer a confiança no país. Então, ele tem de defender essas medidas. Não porque ele quer. A situação do país é muito complicada. Estamos com todos os déficits possíveis. Se nesse caldeirão agregar uma desconfiança maior, o problema fica muito sério. O que faz uma família que gasta mais do que recebe, que fez uma extravagância? Se continuássemos nessa tendência em que vínhamos, daqui a três anos estaríamos quebrados. Essa situação se reverte com medidas austeras de redução de despesas. É preciso credibilidade para que os investidores continuem colocando (dinheiro) aqui. É óbvio que isso tem um estrago interno. Mas ele está fazendo o menos pior. E agora o dólar em um patamar mais elevado vai ajudar a indústria, as exportações. Se (o governo) começar a reduzir os déficits, as exportações podem ajudar a elevar o emprego na indústria. Mas isso vai levar de dois a três anos. Este ano e 2016 são anos de estabilizar. Se tudo der certo, em 2017 a gente começa a ver um horizonte de leve crescimento. O varejo sofre mais por queda de confiança do que queda de poder aquisitivo. As marcas fortes ganham nesse período. Se estou inseguro, vou comprar de uma marca segura. Quem investiu em marca vai se sair melhor.

Gallo chegou à empresa em 1991 Foto: Lauro Alves / Agencia RBS

Gallo chegou à empresa em 1991
Foto: Lauro Alves / Agencia RBS

Terceira parte: “No RS, vejo egos, debates que não levam para lugar nenhum”

Como o senhor analisa a situação financeira do Estado?

Se o Rio Grande do Sul fosse uma empresa, estaria em situação pré-falimentar. Quando se chega a uma situação dessas em uma empresa, as pessoas se unem e acham uma solução, inclusive com grandes sacrifícios, com redução de despesas. Você tem união. Deixa picuinha de lado para salvar uma empresa. Se uma empresa falir, todo mundo vai junto. Infelizmente, não temos isso no Estado. Talvez tenha de piorar um pouco mais para chegarmos a ter esse espírito. Vejo discussões inúteis, egos, que não levam a lugar algum.

Por exemplo?

A busca de soluções ilusórias, artificiais, como se endividar mais. A realidade é a seguinte: as despesas estão crescendo mais do que as receitas. Lógico que esta história não vai acabar bem. Não sei se a renegociação da dívida vai ser uma solução para o Estado. As pessoas têm de se conscientizar de que a única forma de conseguir recursos é via impostos, com negócios e desenvolvimento, uma vez que já usamos e abusamos dos empréstimos. Já temos tanto endividamento que não conseguimos mais pagá-lo. O Estado não é criador de recuros, ele é gerenciador. Então, a única forma é reduzir despesas e acrescentar receitas.

Se fosse presidente de uma empresa chamada Rio Grande do Sul, o que o senhor faria?

A primeira coisa é saber a situação real, qual é a receita e a despesa, quanto tempo vamos resistir a isso. Se não se projetar isso, é óbvio que não vai se chegar a um final feliz. Ou nos juntamos e fazemos sacrifícios e achamos uma solução em conjunto ou… O Rio Grande do Sul é uma empresa que a cada quatro anos muda todos os diretores e os gerentes. Só isso é um negócio muito complicado. Respeito a democracia, a política partidária, mas também respeito a eficiência em gestão. Isso tem de ser compatibilizado.

É verdade que o senhor se veste apenas com roupas da Renner?

Também faço test drive na concorrência. Há uma regra interessante do Sun Tzu(chinês autor do livro A Arte da Guerra): se quiser vencer todas as batalhas, tem de conhecer a si próprio e a seus inimigos. Faço compras, uso as roupas e, quando acho algo melhor, trago aqui, digo que tem gente fazendo algo mais e que precisamos nos aprimorar.

No ano passado, a Renner foi envolvida em um epísódio constrangedor quando um fornecedor foi flagrado com trabalhadores bolivianos em situação análoga à escravidão em São Paulo. Como a empresa agiu para que isso não se repita?

Somos o último da fila. Todos os nossos concorrentes já entraram nessa. Mas isso não nos interessa. Isso é fruto do que é a indústria brasileira de vestuário: um pavilhão que corta o tecido e o coloca em oficinas. Temos cerca de cem fornecedores principais e 2,5 mil oficinas. Temos contrato que deixa claro para o fornecedor que não toleramos trabalho escravo, infantil e que encargos não sejam pagos. Auditamos esses cem fornecedores. Só que eles se desdobram em 2,5 mil pequenas oficinas, subcontratadas. Você vai, audita, no dia seguinte acabou, se foi tudo. Vivemos com uma espada sobre a cabeça. Nós e todo o varejo brasileiro. Direcionamos esforços e recursos para melhorar o ambiente dessas oficinas. Mas por que estão surgindo esses casos de imigrantes bolivianos? Porque não se acham mais costureiras brasileiras. Fazemos todos os esforços. Pode acontecer de novo? Sim. Por quê? Porque o sistema tributário brasileiro é tão cruel que leva a isso.

Fonte: Diário Catarinense

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  Isso é fruto do que é a indústria brasileira de vestuário: um pavilhão que corta o tecido e o coloca em oficinas.

   Mas por que estão surgindo esses casos de imigrantes bolivianos? Porque não se acham mais costureiras brasileiras.

Porque o sistema tributário brasileiro é tão cruel que leva a isso.

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