Por que comprar uma camiseta branca por R$ 100 quando podemos comprar uma camiseta branca por R$ 30? Afinal, ambas cumprirão a mesma função independente do preço. Essa é uma questão interessante, responsável por levantar debates entre ativistas de moda consciente e consumidores em geral. Seriam mão de obra, matéria-prima, qualidade do produto (ou nenhuma dessas coisas) responsáveis por deixar os preços tão diferentes?
A percepção comum para essa diferença de preço normalmente tange questões de marca; aquele valor agregado imensurável que sabemos ser responsável, muitas vezes, por salgar os preços, principalmente de itens de luxo. Normalmente, o que ouvimos por ai é: se uma camiseta custa R$ 100 é porque ela é de alguma “grife”.
Porém, quem trabalha do outro lado da indústria sabe que, nem sempre, a diferença de valores é assim tão impalpável e, na realidade, são fatores bem objetivos que determinam os preços. Pensando em esclarecer essa questão, nós mandamos alguns e-mails e pedimos para algumas empresárias de moda nos explicarem melhor os fatores que refletem no preço final de seus produtos.
Tatiana Marcondes, da marca paulistana MyFots, foi bem clara ao dizer que tamanho, nesse caso, é documento: “Somos uma empresa pequena, compramos menos, e isso já é um fator determinante para entender preço, pois com volumes menores, temos uma margem de negociação junto aos fornecedores de matéria-prima bem inferior quando comparadas às médias e grandes empresas. Infelizmente é a realidade. Além disso, produzimos em escala bem inferior a grandes marcas, o que também nos impede de negociar a mão de obra. Para uma oficina de costura, é muito mais rentável costurar 200 peças de um mesmo modelo, do que costurar 30 peças, por exemplo”.
A diferença de tamanho acaba impactando não só nos preços de produção, mas em todos os custos que precisam ser diluídos nas peças. Sendo assim, uma marca responsável por produzir 10.000 itens por coleção consegue diluir os custos indiretos de maneira mais suave quando comparada a uma marca que produz 1.000 peças por coleção.
“Um custo que as pessoas não fazem ideia que exista é o da modelagem. Se eu desenvolver uma modelagem que custa R$ X e diluir este valor em uma produção grande é uma coisa, mas o custo de uma modelagem em uma produção menor é alto”, explica ela. “Temos uma estrutura enxuta, mas que para sobreviver precisa ser paga e ela é paga com o dinheiro das vendas. Custos fixos como aluguel da loja, do escritório, funcionários, luz, água, internet, limpeza, segurança, material de escritório, de loja, transporte, sistema administrativo de vendas da loja física, da loja online, contador e embalagem.”, completa.
Mas a questão vai além do tamanho. As marcas apontam a diferença de matéria-prima como protagonista na precificação. Dedé Bevilaqua, diretora de produto da Básico, afirma ser a escolha do tecido um dos principais fatores que refletem preço: “trabalhamos com um dos melhores algodões do mundo, o pima peruano, que possui fibras longas e quando tecido confere o toque de uma seda”.
“Não abro mão de investir em um tecido com qualidade superior. Este tipo de economia não vale a pena no meu caso. Trabalhamos com fibras especiais que são mais raras no mercado nacional. As tecelagens são brasileiras, mas muitos tecidos são importados e com o dólar flutuando, principalmente neste momento da economia, estes tecidos chegam para a gente com custos elevados. E os tecidos com fibras naturais, mesmo produzidos no país, também têm valores bem mais altos”, ressalta Tatiana.
Flávia Aranha, estilista de São Paulo, conhecida por trabalhar com tecidos e tingimento naturais alerta: “Tecidos que não respeitam o meio ambiente e infrações de leis ambientais nos processos de tingimento, tecelagem, fiação etc são mais baratos”. Isso pode refletir no preço final de uma camiseta de R$30.
As famigeradas questões de processo de produção – condições dos trabalhadores, qualidade e cuidados com o meio ambiente -, de fato, pesam na etiqueta de preço das marcas mais conscientes. “Somos responsáveis por todo desenvolvimento, desde tecelagem até a peça pronta, e temos orgulho deste cuidado”, ressalta Bevilaqua.
Tatiana demonstra o mesmo cuidado com processos: “sendo pequenos e ao mesmo tempo sabendo quem somos, conseguimos tocar facilmente no coração da marca sempre, cuidar de cada detalhe, de cada processo, enxergando a empresa em 360 graus”.
“Sabe-se que existem oficinas clandestinas que pagam R$ 0,20 por peça costurada e, para tanto, impõem jornadas exaustivas de trabalho, precariedade na estrutura, sem qualquer regularização trabalhista”, explica Flávia.
A empresária chama atenção também para a questão da internacionalização da mão de obra, prática responsável por impactar diretamente nos custos de produção: “Uma peça feita em países onde há menor rigor trabalhista e que transigem com práticas de super exploração da mão de obra é um forte indício de uma cadeia produtiva desvalorizada, antiética e desumana. Os exemplos mais corriqueiros de países que incentivam essa prática, no setor têxtil, são Vietnã, Bangladesh e China. Claro que a responsabilidade não é apenas desses países, mas também das empresas (muitas delas europeias e norte-americanas) que lá se instalam a fim de ampliar seus lucros com a força de trabalho precarizada”.
Além disso, ainda “há os impostos. O produto já chega ao consumidor carregado deles, e além disso há o imposto na venda do produto ao consumidor final. Há também as taxas das empresas de cartões de créditos, que não são baixas”, explica Tatiana sobre o ‘custo Brasil’. Não há como fugir dele e as marcas que prezam a produção nacional não têm como evitar o repasse desse custo para o consumidor final.
Mas não pense que burlar impostos em território nacional não é corriqueiro na indústria da moda. Segundo Flávia, “burlar o pagamento de impostos e leis fiscais é uma prática, infelizmente, comum, que pode permitir empresas aferirem lucro e praticarem preços baixos em peças de roupas”.
Campanha Verão 2016 Flávia Aranha
Por fim, o marketing também tem seu peso, mas nessas marcas pequenas o valor não se compara ao valor gasto pelas grandes marcas. Enquanto 90% do preço que pagamos em um tênis Nike ou uma bolsa Cha..., as marcas pequenas investem o mínimo necessário em publicidade e fazem bom uso das redes sociais.
“A verdade é que, como não temos dinheiro para investir em marketing, divulgamos nossa marca das formas mais criativas possíveis e com baixo custo e as redes sociais estão aí para nos ajudar também. Mas investimos em fotos, catálogo e material gráfico para alimentar estas redes de divulgação”, finaliza Tatiana.
Como explica a diretora de produto da Básico, “o paralelo entre R$ 30,00 e R$ 100,00 deve ser justificado pelo cuidado em torno do processo, atendimento e sobretudo qualidade, estes são os únicos pontos que devem sustentar o preço final”.
É importante entender as diferenças que fazem produtos aparentemente iguais serem tão diferentes, com preços tão díspares, na hora de comprar e fazer o mesmo questionamento que a Flávia nos fez: “Como a gente distribui R$ 30 para todas as pessoas e processos envolvidos, descontando o imposto e o lucro da empresa?”.
Mesmo que, como a própria estilista diz, “no caso de uma camiseta de R$ 100, infelizmente, nada impede que ela tenha sido resultado de uma cadeia igualmente precária, já que o preço maior pode apenas refletir um posicionamento de marca que tem uma margem mais elevada”. Por isso, é ideal conhecer mais a história da marca e entender um pouco seu processo de produção. Mas, “numericamente, existe uma possibilidade muito maior do processo produtivo dessa camiseta ter distribuído a receita de uma maneira mais ética e responsável”, finaliza Flávia.
Imagem Capa: Time Modefica
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