Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

José Galló, o presidente da Renner, curtiu bastante as férias de 15 dias no Havaí. A seu modo, claro. Voltou de lá, no começo de julho, com 240 fotografias. De shoppings e lojas de rua. Das paisagens da paradisíaca ilha, quase nenhum clique (quem quer perder tempo com isso?). Aos 64 anos, 25 de Renner, o executivo gaúcho gosta de viajar para buscar tendências, mesmo quando está de folga. Registra o que vê nas vitrines, capta com precisão aquilo que pretende passar ao time e volta, segundo ele mesmo diz, renovado e cheio de oportunidades na bagagem. Desta vez, o que fascinou o presidente da Renner foi a popularidade da moda “activewear” – roupas com pegada esportiva transformadas em looks casuais. Ele está bem animado com a descoberta. Tanto assim que sua bagagem, além das tais oportunidades, veio abarrotada de panfletos de lojas havaianas e demonstrativos de linhas exclusivas, já devidamente espalhados por sua mesa de trabalho em Porto Alegre.

Galló é assim. Descansa trabalhando. Talvez por isso tenha se tornado um dos mais longevos presidentes de uma companhia no Brasil – afinal, qual acionista não quer ver sua empresa comandada por um incansável presidente, capaz de pensar nas araras da Renner até quando está de folga no Havaí? Mas o que explica, de fato, as bodas de prata de Galló com a rede gaúcha nem é a devoção em si. É o que ela vem produzindo ao longo dos anos: a entrega de consistentes resultados a cada temporada. As ações da Renner vêm em trajetória ascendente desde os anos 90. Em 2015, as vendas cresceram 10,8%, e o lucro líquido da empresa – que inclui a marca de decoração Camicado e a de roupas Youcom – atingiu R$ 578,8 milhões, 22,8% a mais que em 2014. A rede fechou o ano com valor de mercado de R$ 10,9 bilhões. Foi essa consistência nos resultados que alçou José Galló ao primeiro lugar no ranking dos melhores CEOs do Brasil, na votação promovida por Época NEGÓCIOS.

“Em um cenário ruim, principalmente para o segmento de moda, que costuma ser o mais prejudicado em tempos de recessão e queda no consumo, a Renner está ganhando market share e mantendo seu crescimento”, afirmou o presidente de uma rede de alimentação, eleitor de Galló nesta pesquisa para escolher o melhor CEO. O balanço do segundo trimestre de 2016, divulgado no final de julho, reforça a tese: o lucro líquido da empresa foi de R$ 174,8 milhões, um aumento de 10,5% em comparação ao período anterior. Os resultados justificaram, inclusive, a revisão do plano de expansão, para cima, uma raridade em tempos de crise. Agora, a meta da empresa é chegar a 450 lojas em 2021 (eram 400 inicialmente) e entrar no Uruguai. Isso, contando só a Renner.  “Construímos um modelo que nós consideramos bastante competitivo. Um bom modelo vale tanto para os momentos de euforia quanto para os períodos de crise”, diz Galló. “Aliás, temos dificuldade em explicar para os nossos executivos jovens o que é uma crise.”

É consenso entre analistas de mercado que o bom desempenho da rede gaúcha não é pontual, mas fruto de investimentos em logística e operação realizados ao longo dos últimos anos. Sob a batuta de Galló, a empresa inaugurou dois novos centros de distribuição, em Santa Catarina e no Rio de Janeiro (investimentos na ordem de R$ 154 milhões), e criou os chamados clusters, dividindo as lojas em grupos que possuem o mesmo perfil em relação a padrão socioeconômico, tamanho, mix e região. O modelo permite uma distribuição mais inteligente – as lojas recebem o que mais vendem e não uma parte do sortimento total. Na prática, é uma arma para aumentar as margens sem cair na tentação de apelar às promoções na hora em que o consumo despenca. Em paralelo, a Renner modernizou o interior das lojas, acelerou a velocidade com a qual as coleções chegam até as vitrines e desenvolveu uma política de importações que inclui até um escritório na China e um time interno de dez engenheiros. Soube cultivar também a rede de fornecedores nacionais, de modo a diminuir a dependência da importação após a desvalorização do real.

Todas essas práticas não são necessariamente uma invenção ou inovação da empresa gaúcha. O que a destaca, contudo, é a eficiência com que as aplica. “É um caso mais vigoroso de boa execução do que de estratégia brilhante”, diz Alberto Serrentino, CEO da Varese Retail Strategy, consultoria especializada em varejo. Em conversas sobre a Renner, ou melhor, sobre Galló, é comum ouvir expressões como “fazer o dever de casa”, “não apressar o passo”, “disciplina estratégica”. Galló costuma dizer que não promete milagres. Faz sentido. Basta olhar a trajetória da Renner: nenhum grande salto, mas também nenhum grande susto. O equilíbrio nas contas é a bandeira do executivo.

É austeridade ali
A sede da Renner em Porto Alegre, por onde circulam atualmente mil funcionários, fica em um bairro mais afastado do centro. O prédio de oito andares é amplo, cinza e modesto. É alugado, como explica Galló, porque a Renner “não imobiliza recursos” e “todo o dinheiro em caixa vai para as lojas”. O escritório é desprovido de luxo e carrega, de certa forma, um ambiente que lembra o de empresas familiares. Gastar com supérfluos para montar cenários descolados típicos de startups não parece ser do feitio de Galló. No dia a dia, o executivo não dispensa o uso do crachá (que, no seu caso, estampa apenas seu rosto e o sobrenome, “Galló”, sem a qualificação “Presidente”) e almoça ao lado dos funcionários no Boulevard do Sabor, o restaurante interno que, de boulevard, só tem o nome. Adepto da simplicidade, o único luxo que carrega é um Apple Watch. “Sou fascinado por relógios. Tenho uma coleção de mais de 50 peças”, diz. Com a empresa, porém, ele não admite nenhuma extravagância. “É austeridade ali. O Galló sempre teve a preocupação de a empresa não pensar como uma empresa rica”, diz Luiz Carlos Cabrera, da consultoria Amrop Panelli Motta Cabrera.

O cantinho onde dá expediente todos os dias, a partir das 8h, é decorado com plantas, porta-retratos com fotos do filho e da neta, uma mesa com dezenas de troféus e menções honrosas, além de uma estante. Estão ali desde livros variados, de filosofia a administração, até pilhas da revista Harvard Business Review. Não faltam obras de Jim Collins, a história da Zara e do bilionário Elon Musk. Sua última leitura foi Small Data – Como Poucas Pistas Indicam Grandes Tendências –, do dinamarquês Martin Lindstrom. Em cada divisão da estante, há plaquinhas com mensagens inspiradoras: “Não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez”; “Temos que fazer rápido e bem-feito. Caso contrário, o concorrente faz”. E ainda, “Seja realista, exija o impossível”. Em um dos cantos está uma imagem de Santa Rita. “Peço apenas benção e proteção. Não vou ficar pedindo aumento de vendas para a santa.” E precisa?

Sua mesa fica no sétimo andar. Mas ele não tem uma sala privada. Está rodeado por cinco diretores, que comandam as áreas de Operações, Tecnologia e Gestão, Compras, RH e Financeira. À vista de todos estão dispostos quatro grandes televisores, que formam uma espécie de centro de monitoramento, transmitindo ao vivo a movimentação de todas as lojas Renner. Não foram poucas as vezes em que Galló e seus diretores detectaram anormalidades. “Para mim, é o seguinte: caiu na minha mesa um problema com cliente, eu não vou descansar enquanto não resolver”, diz. Se, eventualmente, receber a reclamação direta do cliente, faz questão de responder ele próprio. Boa medida. Ainda assim, a Renner precisa melhorar sua atenção com o consumidor. Foi, no primeiro semestre deste ano, a campeã de queixas do site Reclame Aqui, na comparação com as três principais rivais.
A preocupação é que a história de sucesso da Renner permaneça, independentemente de eu estar aqui”

Galló não é um “CEO de escritório”. A sua rotina inclui visitas externas semanais às suas lojas e também às de seus concorrentes. Nessas turnês, costuma repetir aos funcionários um lema que vem se tornando quase um mantra dentro da companhia: encantar o cliente. Para ele, isto significa dar respostas rápidas ao consumidor, prestar atenção a todos os seus movimentos dentro da loja, ser ágil, transformar a experiência de compra na Renner em algo mais fácil e prazeroso do que na concorrência. Ele chega a desenhar um gráfico a qualquer interlocutor que lhe pergunte sobre atendimento, para explicar por que só “satisfazer o cliente não é suficiente”. É tão obcecado com esses detalhes operacionais que às vezes, fazendo um mea-culpa, diz esquecer de celebrar as conquistas, que não foram poucas nos últimos anos. “Não é que eu não goste de comemorar, mas é que para mim é assim: fez, acabou, pronto, vamos para a próxima.”

Na hora de contratar alguém, por exemplo, torce o nariz se vê no currículo que a pessoa é daquelas que pulam de empresa em empresa, a cada três anos. “A minha conclusão, quando vejo casos assim, é que esta pessoa nunca foi feliz na vida. Em três anos, você não desenvolve, não faz projeto, não cria propósito”. Seus 25 anos de Renner mais do que o credenciam a falar em desenvolvimento e propósito.

O primeiro chefe
Fundada pelo empresário gaúcho Antonio Jacob Renner em 1965, a empresa estabelecida no nicho de vestuário foi incorporando perfumaria, acessórios, móveis e eletrodomésticos em seu portfólio. Naquela época, seu capital já era negociado na bolsa de valores. A Renner pegaria carona no boom do crescimento econômico dos anos 70 e também na popularidade que ganhariam no Brasil as lojas de departamento – como a Mesbla e o Mappin. O modelo, contudo, entraria em xeque na década posterior, com a desvalorização do real, o aumento da taxa de juros e a alta da inflação. Em paralelo, o mercado de moda sofria com a informalidade e a dificuldade na importação. “A Renner parecia viver em um período que não existia mais, oferecendo produtos que o consumidor não podia comprar”, conta Galló. Com apenas oito lojas no Rio Grande do Sul, a marca tinha fama e expressividade, mas passou a enfrentar graves problemas financeiros. Foi neste momento que a família controladora viu que precisava de ajuda. Em 1991, Galló foi convocado.

Aos 40 anos, o executivo chegaria à empresa como consultor, carregando uma experiência no varejo adquirida na academia (administração pela FGV), no mercado (trabalhou no atacadista A.J. Veríssimo, dono dos supermercados Eldorado, e na Imcosul) e, como empreendedor, ao montar duas cadeias varejistas, a Moda Casa e a Eletroshop. Venderia os seus negócios ao perceber que não estava disposto a entrar naquele jogo. “O setor de móveis era muito informal, enquanto o de eletrodoméstico exige muito capital e tem margens muito baixas. Por isso saí”, disse.

Ele aplicou, porém, seu espírito empreendedor na Renner. Tinha carta branca para fazer “mudanças com autoridade”, como define. Entre 1992 e 1994, ajustou a linha de produtos, marketing e comunicação. “Não existe empresa que possa agradar a todos. É preciso focar em quem é meu cliente, em quem nós queremos encantar”, diz o executivo. O público-alvo definido passaria a ser, desde então, a mulher “multifacetada, de 19 a 39 anos, de classe A-, B e C+”. Seria a mulher que trabalha e que vai às lojas para comprar roupa para o marido e filhos. Galló passaria a falar em “cumplicidade” com o consumidor. Desde aquele momento, a Renner dispensaria celebridades para propagandear suas roupas ou estilistas para assinar coleções. O foco seria apostar em campanhas institucionais, com “gente comum”, de modo a criar uma base fiel de consumidores, que compraria de forma recorrente, independentemente de nomes ou tendências.

O segundo chefe
Em 1998, o consultor Galló tornou-se diretor superintendente da Lojas Renner, um cargo até então ocupado por herdeiros ou homens próximos à família fundadora. A data não é apenas um marco pessoal em sua carreira – é também o início de uma série de transformações pelas quais a empresa passaria. Galló havia percebido que precisava livrar a Renner das amarras do Sul para dar estabilidade à empresa. Não adiantava apenas chegar até o Paraná. A Renner tinha nome, força e consumidoras fiéis – mas enfrentava, naquele momento, um dos mais agressivos ataques da concorrência. “A C&A praticou uma guerra de preços muito intensa conosco mas, hoje, vejo que foi a melhor coisa que podia ter acontecido”, diz Galló. “Eu costumo dizer: quando você não tem inimigo, crie um.” Lutar aquela guerra mostrou que a Renner, restrita ao Sul, era vulnerável. Galló sugeriu à família um plano de crescimento nacional, que exigiria um investimento da ordem de US$ 100 milhões.

A família topou a estratégia, mas não quis dar esse passo sozinha. Galló foi atrás de um sócio. Encontrou a JCPenney, uma das maiores redes de lojas de departamento dos Estados Unidos. O negócio, que deveria ser uma parceria 50%-50%, acabou desembocando em uma venda. A JCPenney assumiu o controle acionário e a família deixou a empresa. Galló permaneceu no comando. “Ele teve a habilidade e a autoridade de incorporar não só toda a expertise das práticas internacionais, como preservou aspectos locais, forjando uma Renner mais moderna e uma nova gestão do negócio”, diz Marcos Gouvêa, fundador da consultoria Gouvêa de Souza. Era a segunda vez em que ganharia a confiança dos “donos”. O executivo cumpriu o plano de expansão em uma estratégia considerada ousada pelo mercado: absorver os pontos de venda do Mappin e da Mesbla, já falidos. “Foi o que permitiu o crescimento, já que a Renner incorporou diversas lojas no Sudeste”, diz Andrea Teixeira, analista do JPMorgan. Hoje, o Sudeste tem 144 lojas (ante 61 da Região Sul). Sob o controle americano, Galló compraria a rede de decoração e utensílios para casa Camicado, para atender um “público de mães gaúchas que sentia saudades de quando a Renner vendia de tudo”.
Temos dificuldade em explicar aos nossos executivos jovens o que é uma crise”

Milhares de Chefes
A JCPenney deixou a Renner em 2005, quando resolveu sair do Brasil. Encontrar outro sócio majoritário, àquela altura, não foi uma tarefa fácil. A alternativa foi ofertar ao mercado os 98% que pertenciam aos americanos, o que levaria a empresa a tornar-se a primeira “corporation” brasileira, com capital pulverizado e sem a figura de um controlador majoritário. Foi quando Galló passou a dizer que, a partir daquele momento, ele teria milhares de chefes. Mais uma vez, não houve questionamentos sobre sua permanência. “Qual a diferença entre um e outro modelo de comando? Nenhuma. Você precisa é gerar confiança no acionista, seja ele o familiar, o multinacional ou um pulverizado. É você ser transparente, se antecipar aos fatos e, quando ocorrer algo de ruim, ser aberto e sincero”, diz.

Em meados dos anos 2000, a Renner vivia, assim como suas concorrentes diretas C&A, Riachuelo e Marisa, o boom do consumo. Todas cresciam e vendiam muito. Foi justamente quando a Renner resolveu segurar o passo. Há quem diga que o movimento decorre de um certo conservadorismo de Galló, que evita movimentos mais ousados. “Em certos momentos ele é conservador demais, e acabou antevendo crises de uma magnitude exagerada, que o fizeram travar o negócio”, disse um executivo do setor de varejo. Outros, porém, argumentam hoje que a estratégia fez sentido, já que a Renner crescia demais e corria o risco de se burocratizar na mesma proporção. O que é consenso, porém, é que o modelo corporation rendeu a Galló mais autonomia para a tomada de decisões, o que acabaria por diferenciá-la, nos anos 2000, de seus concorrentes – todos carregam uma família controladora em seus bastidores, não raro comprometendo a expansão das empresas por conta de brigas e disputas internas.

Galló não gosta da fama de conservador. Também torce o nariz quando o chamam de centralizador. “Todas as decisões aqui são participativas”, diz. “E não me considero uma pessoa conservadora. Basta ver o crescimento da empresa nos últimos anos, embora o crescimento não dependa de uma só pessoa, óbvio.” A personificação da Renner na figura de Galló é uma questão a ser pontuada. No início de setembro do ano passado, por exemplo, ele chegava ao estacionamento da empresa quando foi surpreendido por uma centena de funcionários. Todos o saudaram homenageando-o pelo aniversário. Galló acenou. “Foi um negócio fabuloso, emocionante”, diz. “Isso aqui é uma história de equipe. A grande preocupação é que a história de sucesso da Renner permaneça independentemente de eu estar aqui.”

Seu contrato, renovado recentemente, expira em 2019. Mas ele já está cuidando da sucessão – e não é de hoje. O processo interno foi deflagrado há quatro anos atrelando, inclusive, 20% de sua remuneração variável à tarefa de nomear o substituto. Em agosto de 2015, Fábio Faccio, funcionário de carreira do grupo, assumiu o cargo de diretor de operações. É um dos fortes candidatos a assumir o cargo, segundo analistas. Galló evita dar nomes. “Eu durmo tranquilo em relação a isso.” Perguntado sobre a vida pós-Renner, não dá muitas pistas. Diz que tem planos estruturados, mas não perde tempo pensando neles. De concreto mesmo haverá apenas a publicação de um livro para contar as lições aprendidas nos últimos 25 anos. Neste caso, o austero Galló não deve economizar nas palavras.

Fonte: Época Negócios

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