José Galló, presidente da Renner, não quis incorporar o papel de vítima da grave crise que abateu muitas empresas brasileiras. Ao contrário, manteve o ritmo de crescimento das três marcas do grupo – Lojas Renner, Camicado e Youcom –, com aumento das vendas e do número de lojas. No ano passado, abriu três unidades no vizinho Uruguai e em 2018 espera abrir mais um ponto. Em entrevista concedida em 22 de janeiro, dois dias antes de começar o chamado período de silêncio (válido para empresas com ações negociadas em bolsa e que, antes da divulgação de seus balanços, não podem dar informações ao mercado), o empresário fez uma análise profunda do ambiente de negócios do Brasil, como a companhia fez para se descolar da recessão e, colocar mais clientes em suas lojas e controlar a inadimplência. O inquieto Galló também falou sobre a política brasileira e as incertezas trazidas pela eleição. Ele ressalta os avanços econômicos do atual governo, mas reclama do balcão de negócios em que se transformou a vida política nacional, que ele classifica como “deplorável”. Galló não é contra a participação de não políticos nas eleições de outubro, mas lembra que o Brasil precisa de “um candidato reformista, gestor e aglutinador”, e não de um populista.
Além de ter produto certo, foi preciso fazer mais alguma correção de rota para adequar a empresa a uma nova realidade?
A construção de uma coleção é uma espécie de pirâmide em que a gente tem três segmentos. No topo nós temos o fashion, no meio, nós temos o que chamamos de “core”, e na base, nós temos o “essencial”, que são os produtos mais básicos. Na crise, nós aumentamos um pouco a base dessa pirâmide. Mas o mais importante é não esquecer a pirâmide toda, porque sempre há consumidores que querem comprar nos três níveis, mas garantimos a oportunidade de priorizar os preços nos produtos mais básicos.
Os produtos financeiros também cresceram?
O consumidor brasileiro depende do crédito. Quando é negativado por um bureau de crédito, a vida dele é bem prejudicada. Ele não pode mais comprar, tomar empréstimo e sofre com outras tantas restrições. Essa é uma das razões para o brasileiro zelar tanto pelo seu crédito. Nos Estados Unidos, com a crise do subprime em 2008 e 2009, houve um efeito direto na oferta de crédito. No Brasil, apesar do que vimos na economia nesses anos, não houve uma crise de crédito. Mas, quando há uma retração na economia, é claro que a inadimplência aumenta, mas, com o passar do tempo, o consumidor vai se ajustando, exatamente pelo fato de o crédito ser uma espécie de ativo que ele não pode perder.
A queda na inadimplência não foi efeito de um maior rigor na hora de conceder crédito?
Também foi, mas a gente precisa desmistificar algumas coisas no Brasil. O que dá manchete é que a inadimplência disparou. Por exemplo, era 5% e foi para 6,5% e fala-se que ela disparou. Teria disparado se tivesse dobrado. Aumentar num primeiro momento é normal com o desemprego, a perda da massa salarial, mas, depois de oito, nove meses, há o reequilíbrio do sistema.
Questões como eleições presidenciais e a redução da nota de risco do Brasil por uma agência internacional podem influenciar a sua tomada de decisão em 2018?
É importante olharmos onde nós estávamos e aonde chegamos. Quanto estava nossa inflação há um ano e meio, dois anos atrás? 10,5%. Agora, está em 2,95%. A taxa Selic estava em 14,5% e hoje está em 7%. No passado, para conseguir reduzir 1% da Selic era um extremo esforço, mas nós reduzimos 7 pontos percentuais em menos de dois anos. Isso é um milagrede que a gente não dá conta. Como consequência, há a queda da inflação, que leva a um certo ganho de poder aquisitivo, a confiança do consumidor aumentou e até o desemprego saiu de 13,2% para cerca de 12%.
O que ainda precisa ser feito?
O que falta fazer é investir. O investimento privado ainda demora um pouco, porque há muita capacidade ociosa que precisa ser ocupada, e o investimento do governo praticamente não existe porque praticamente toda a receita está comprometida com gastos obrigatórios. Mas, do ponto de vista microeconômico, estamos em um momento muito interessante.
Então o senhor acredita que 2018 será melhor que 2017?
Temos que ver como será a eleição, por isso essa é uma pergunta para a qual não tenho resposta. Vai depender do rumo que a eleição tomar. Um candidato reformista, gestor e aglutinador transformaria o Brasil no melhor dos mundos. Agora, se você tiver uma eleição com o populismo voltando, o risco será alto.
Nessa perspectiva, imaginar os chamados “outsiders” fazendo parte do processo eleitoral pode ser algo bom para o país ou este não é o momento para um não político?
Não há condições hoje de fazer previsões, tem de deixar os candidatos aparecerem. Se for um “outsider” que se encaixa na descrição que fiz acima, bem-vindo. Mas, se ele cair na segunda descrição, teremos muitos problemas pela frente.
Como o senhor analisa o comportamento dos brasileiros diante dos fatos mais recentes da política?
Está havendo uma certa evolução no senso crítico do cidadão brasileiro, mas ainda muito longe do ideal. Infelizmente, no Brasil, 72% da população brasileira é analfabeta funcional, com pessoas que leem, veem o noticiário, mas não conseguem entender ou correlacionar os fatos.
O brasileiro está sofrendo de uma passividade crônica?
A passividade existe quando as pessoas não entendem. Nós, seres humanos, só nos mobilizamos quando algo faz sentido para nós. O analfabetismo funcional impede que tenhamos consciência do que acontece e como consequência não há reação, o que pode ser chamado de passividade. Acabei de dar como exemplo três absurdos que acontecem em uma mesma empresa, completamente incompatível com as regras de governança e com produtividade, mas ninguém fala nada.
Os empresários, por sua vez, estão mais ativos sobre as discussões políticas, além das econômicas?
Acho que sim. Agora há o surgimento de vários líderes sérios, que estão começando a participar da política, com a formação de grupos, aparecimento de candidatos e até de partidos, como o Novo. Cito o Novo, não por ser de empresário, até porque ele não deve ser, mas há uma série de manifestações de um pessoal que não suporta mais essa situação de uma elite política privilegiada fazer e desfazer, se considerar imune, acima da lei, e mandar neste país. As pessoas passam a ter consciência da gravidade do assunto e começam a reagir.
O senhor está particularmente incomodado agora ou essas questões sempre o incomodaram?
Estou acostumado a ver o longo prazo, num horizonte de 10, 15 anos, mas infelizmente criou-se uma situação de uma casta privilegiada que passou a dominar este país e, com raras exceções, tem como horizonte quatro anos, até as próximas eleições. Pela primeira vez se abriu a caixa-preta das estatais. Ouvia-se no governo anterior que a Petrobras era o patrimônio do povo. Mas eu não quero esse patrimônio, de uma empresa que valia US$ 260 bilhões e, por absoluta má gestão, passou a valer US$ 26 bilhões. É assim que se cuida do patrimônio do povo?
Esta é uma questão histórica no Brasil ou apenas de governos mais recentes?
Isso sempre existiu, mas numa intensidade muito menor. Mais recentemente, se acentuou na tentativa de se fazer um projeto de poder, não um projeto de país. Entramos numa situação de compra e venda de votos, de ideias, e deu no que deu. Virou um balcão de negócios. É incrível o Brasil ter sobrevivido a isso. Mas o passado não deve ser esquecido para que possamos refletir sobre o que aprendemos com isso. Será que temos consciência de onde chegamos e o que temos de fazer para mudar essa situação?
O que o governo está fazendo e o que o senhor, como empresário e cidadão, gostaria que fizesse?
Muitas dessas melhorias microeconômicas foram feitas por esse governo, com uma gestão muito boa no Banco Central, na Petrobras, a PEC dos Gastos Públicos, a reforma trabalhista e a da educação, por exemplo. Mas, nos últimos tempos, o governo está se transformando em um balcão de negócios deplorável.
O que é mais importante neste momento?
Partindo do pressuposto de que houve um aprendizado com todas as coisas ruins que aconteceram neste país e vendo a qualidade de vários dos nossos políticos, que esta seja uma eleição consciente. É a única forma de termos uma melhora. Do contrário, vamos voltar a ter o balcão de negócios.
Receita líquida com venda de mercadorias (em R$ bilhões)
3º trimestre/2016 3º trimestre/2017
1,260 1,512
Aumento de 20%
Crescimento de vendas em lojas comparáveis (em %)
3º trimestre/2016 3º trimestre/2017
-3,9 13,4
Lucro líquido (em R$ milhões)
3º trimestre/2016 3º trimestre/2017
84,9 140,3
Aumento de 65,3%
Total de lojas – terceiro trimestre de 2017
Renner 318
Camicado 96
Youcom 76
Receita líquida – terceiro trimestre de 2017
Renner R$ 1,376 bilhão +18,5%
Camicado R$ 110,1 milhões 34,9%
Youcom R$ 26,3 milhões 48,3%
Fonte: Correio Braziliense
http://sbvc.com.br/crise-politica-eleicoes-gallo/
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Peço ao Sr Galló, que continue emitindo suas opiniões , são muito importantes. Sabemos da sua capacidade como empresário, por isso sua opinião é muito valida.
Vou ficar mais atento á partir de agora ao PARTIDO NOVO, , CONFORME SUA OBSERVAÇÃO.
Muito obrigado.
Excelente entrevista! Para haver mudanças é preocupante e muito difícil diante de dados como o do analfabetismo em que "72% da população brasileira é analfabeta funcional".
Outra excelente entrevista. Que seja ouvido pelos possíveis candidatos. Que se diminua o Estado e o numero de legisladores. A industria de transformação está bem representada com o Galló e pelo Flávio Rocha.
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